Rodolfo Araújo
Desde que me tornei autônomo vivo um dilema toda vez que tenho que enviar uma proposta comercial para um cliente: quanto cobrar?
Alguns serviços têm substitutos semelhantes no mercado e, ao menos, é possível ter algum padrão de comparação, por mais distante que um esteja do outro. Outras atividades, no entanto, são altamente personalizadas e, portanto, difíceis de serem comparadas. Precificar tais ofertas torna-se, assim, um maravilhoso exercício de criatividade.
Muita gente gosta de cobrar bem caro para depois ir reduzindo o preço até finalmente chegar naquilo que realmente deseja - infame prática conhecida como "queimar gordurinhas". Se você estiver vendendo um curso de Negociação ou de Persuasão (como é o meu caso) e vender por $3 um troço que cobrou $10 inicialmente, fica claro que você não entende nada do assunto que pretende ensinar.
Uma das soluções (sempre sugeridas) é cobrar por hora. Desde o início do meu vôo solo tenho a impressão de que esta é a melhor maneira de destruir valor, de subavaliar aquilo que você faz e prender-se a um padrão de custo do qual dificilmente você conseguirá se livrar depois.
Enquanto dividia minhas atrozes dúvidas com meus colegas de Facebook recebi, através do Daniel Grillo, a preciosa indicação do texto Declaration of Independence, do Verasage Insitute. Então, fez-se a luz! E o que era uma impressão tornou-se uma convicção.
O texto citado é um verdadeiro manifesto contra cobrar serviços por hora - especialmente em se tratando de trabalho essencialmente intelectual. Vejamos alguns dos argumentos dos seus autores:
.: A ideia da cobrança por hora baseia-se nas teorias de Karl Marx, que pregam que o valor de um produto (bem ou serviço) é função direta da quantidade de horas empregadas na sua elaboração. Basta lembrar que, em tarefas intelectuais, quantidade guarda pouca ou nenhuma relação com qualidade;
.: A prática concentra a atenção no Tempo e não na Criação de Valor, que deveria ser o compromisso primário de um Fornecedor com seu Cliente, empurrando o prestador para a mediocridade, relegando a busca pela excelência a um segundo plano. O que importa é ficar lá no Cliente e não fazer algo realmente significativo;
.: Cobrar por hora penaliza os Avanços Tecnológicos, já que quanto mais você melhorar sua Produtividade, menos receberá do seu Cliente;
.: Ao cobrar por horas trabalhadas, o Fornecedor passa todo o risco da relação para o Cliente (que coisa mais óbvia!), numa afronta direta aos interesses deste último;
.: Cobrar por hora faz com que o Cliente pague pela Curva de Aprendizado do Fornecedor, tornando o custo dos serviços posteriores arbitrários e injustos;
.: Cobrar por hora é um estímulo à desonestidade, uma vez que os controles são improváveis em qualquer esfera.
A da esquerda recebe por hora...
Imagine que um Cliente me pague R$ 1.000,00 por hora para eu resolver um megaproblema e que eu, por sorte ou por genialidade mesmo, encontre a solução em seis minutos. Mas em vez de falar na hora eu enrolo por dez horas. Resolvo o problema, ganho R$ 10.000,00 e o cliente fica muito satisfeito da vida.
Na sua visão eu seria desonesto, porque deveria ter ganho apenas R$ 100,00 por 10% de uma hora efetivamente trabalhados. Na minha visão eu seria um idiota completo.
Agora pense nos seguintes profissionais cobrando por hora: Dentista (quanto mais demorar para arrancar/obturar seu dente, mais dinheiro ele ganha), Jogador de Xadrez (não importa ganhar, mas ficar lá sentado), Datilógrafo (catador de milho profissional), Escritor, Lutador de Boxe, Arquiteto, Salva-vidas. Desastroso, não?
.: Cobrar por hora não diferencia uma empresa da outra, mas compara uma com a outra. O hábito coloca tudo no mesmo saco, transformando o Capital Intelectual - exatamente o que diferencia uma empresa da outra - em commodity. "Tonhão, me vê aí meia hora de inovação!"
.: O pagamento por horas impõe um teto ao seu rendimento, limitado à finitude* do seu tempo. Para ganhar mais, ou você cobra mais ou trabalha mais. Não adianta ser mais criativo e inovador nem mais produtivo.
Não à toa Daniel Pink, um dos mais inovadores escritores da atualidade, identifica a hora bilhetável (billable hour) como um dos maiores vilões da Motivação. Segundo ele, a prática tira do trabalhador boa parte da sua Autonomia - um componente essencial à Motivação, juntamente com a possibilidade de Aprimoramento e o Propósito daquilo que se faz.
Revendo estes conceitos, a impressão que tenho é que adotar o pagamento por hora implica em renunciar aos valores que adotei quinze meses atrás. Significa voltar a uma realidade onde o empregador parece não valorizar aquilo que você realmente tem a oferecer - além da sua pontualidade.
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* Este termo não tem no dicionário, mas eu tenho certeza que você entendeu...