quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como arruinar a relação com clientes e funcionários

Lucy Kellaway

Em junho de 2003, um vice-presidente do conselho de administração do JP Morgan enviou um e-mail para todos os que trabalhavam para ele. "Arrumem um tempo para ligar para os clientes e digam a eles que vocês os amam... eles nunca esquecerão essa ligação", escreveu. Se qualquer um desses subalternos seguiu o conselho de Jimmy Lee, tenho certeza de que os clientes não se esqueceram. Uma declaração não solicitada de amor da parte de um banqueiro de investimentos é o tipo de coisa que se aloja de uma maneira desconfortável na memória por um longo período de tempo.

Nos anos que se seguiram, sempre pensei com nostalgia no memorando de Lee. Nada do que vi desde então chegou perto em termos de má construção da relação entre um cliente e seus consultores profissionais.

Até a semana passada - quando um leitor me enviou o calendário de 2010 da Deloitte, que está sobre as mesas de seus auditores e consultores no Reino Unido. A página frontal diz: "Um cliente por dia", frase que é repetida em todas as demais páginas.

O slogan mais familiar, "um (chocolate) Mars por dia ajuda você a trabalhar, descansar e se divertir" é perfeitamente lógico. Pode não ser totalmente verdade, mas pelo menos incita a pessoa a rasgar a embalagem e comer a barra de chocolate de uma só vez. Mas "um cliente por dia" não faz sentido, especialmente num negócio em que as pessoas sempre trabalham com o mesmo cliente durante meses a fio.

Dentro do calendário, o mês de janeiro mostra uma fotografia de uma maçã fresca ao lado das palavras "mantendo um relacionamento saudável". Isso é ainda mais embaraçoso. Será que os auditores geralmente têm relações pouco saudáveis com seus clientes, a menos que de outra forma sejam aconselhados por um calendário? Segundo o Google, uma relação prejudicial à saúde envolve violência doméstica, traição e vício. Eu não tinha ideia de que a vida numa empresa de auditoria poderia ser tão excitante.

A dica do mês de fevereiro é: "É bom falar, mas é ainda melhor ouvir". A fotografia é de um telefone fora do gancho, dando a impressão de que o consultor deu uma fugidinha para tomar o café enquanto o cliente fica esperando sem desconfiar de nada. Perguntei a um amigo com muita experiência na contratação de consultores se ouvir é de fato melhor do que falar. Ele sacudiu a cabeça negativamente. "Estou pagando, portanto gostaria que eles pudessem me dizer alguma coisa que me fosse útil."

Maio traz a fotografia de uma melancia comida pela metade. Uma frase diz: "Algo para você por os dentes". Não gosto de pensar no que está implícito aqui. É uma sugestão de que os funcionários da Deloitte deveriam morder seus clientes?

Na folha do mês de junho, há dois papagaios num poleiro com ares amigáveis. "Um problema para repartir". A imagem aqui é desconcertante, uma vez que os papagaios apenas repetem o que ouvem, sem entender uma palavra sequer.

De uma maneira preocupante, o mês de agosto mostra um canivete, mas outubro é ainda mais infeliz. Sobre a fotografia de uma abóbora estão as palavras: "Dê a eles uma gostosura". É muito importante que os auditores evitem essa história de Halloween, uma vez que nem travessuras nem gostosuras são admissíveis na era pós-Enron.

A folhinha de novembro trás fogos de artifício. "Lembre-se, lembre-se", diz a frase correspondente. Lembrar do quê? Que um bando de traidores tentou explodir o Parlamento britânico há 400 anos? Por quê os auditores precisam se lembrar disso? Não seria melhor eles se lembrarem das IFRS, as normas internacionais de contabilidade?

No geral, o calendário motivacional é por vezes patético, idiota, imprudente e completamente equivocado. Enquanto o esforço do JP Morgan foi totalmente horripilante e um embuste, pelo menos era possível entender o que ele pretendia: era uma tentativa de tornar os banqueiros mais agradáveis para seus clientes. O esforço da Deloitte é mais assustador porque evidentemente envolveu muito planejamento e despesas, e ficará sobre as mesas dos funcionários durante um ano, encorajando-os a ignorar as quatro coisas que importam nas relações com um cliente: experiência, domínio do ofício, diligência e pontualidade.

O que me aflige mais sobre o calendário é que os perpetradores de besteiras continuam repetindo suas ofensas, não importa o rigor com que são repreendidos.

Dois anos e meio atrás, a Deloitte produziu um folheto motivacional para os funcionários intitulado "The Little Blue Book of Strategy" (O Pequeno Livro Azul da Estratégia). Escrevi uma coluna inteira sobre ele, dizendo que assim como o "Pequeno Livro Vermelho" de Mao, ele era um instrumento de lavagem cerebral e tortura (da linguagem).

A Deloitte não gostou: levei uma bronca do diretor global da firma em um café da manhã. Ele expôs seus pontos e eu os meus, mas eu fiquei impressionada com a maneira como ele parecia estar recebendo as críticas. Agora, graças ao calendário, vejo que afinal de contas a Deloitte prefere falar em vez de ouvir.

Se alguém da cúpula da companhia quiser me passar uma segunda bronca num café da manhã, estarei disponível na maioria dos dias da semana que vem, menos terça-feira, quando tenho dentista marcado. 

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