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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Por que previsões, inclusive as das empresas, furam tanto?

Lucas Amorim
22/11/2012
Prever o que vai acontecer nos próximos dez anos ou nos próximos 10 minutos é obviamente impossível. Mas o estatístico americano Nate Silver faz o mundo do futurismo parecer bem menos complicado. Silver tem um blog sobre previsões no jornal The New York Times e virou o grande fenômeno da eleição presidencial americana ao acertar o resultado nos 50 estados do país.

Mesmo semanas antes da votação, quando a maioria dos especialistas apontava uma possível vitória do republicano Mitt Romney, Silver afirmava que o democrata Barack Obama era franco favorito. De acordo com ele, no último dia da campanha, Obama tinha 90,9% de chance de vencer.

Silver está longe de ser um sortudo. Na eleição anterior ele já havia acertado os vencedores em 49 dos 50 estados, com exceção de Indiana. Suas previsões são fruto de análises exaustivas. Silver cruza dados de dezenas de institutos de pesquisa e dá pesos diferentes de acordo com o histórico de acertos de cada um em campanhas passadas.

Parece simples. Mas então por que tantos institutos e especialistas renomados erraram feio suas previsões? Por que as empresas não sabem quanto vão vender? Por que é tão difícil acertar previsões? 

Silver dá algumas pistas em seu novo livro, The Signal and the Noise: Why So Many Predictions Fail — But Some Don’t (numa tradução livre, algo como “O sinal e o ruído: por que tantas previsões falham — mas algumas não”). As previsões falham, segundo Silver, porque as pessoas não conseguem identificar as informações relevantes em meio ao ruído.

E isso acontece com muito mais frequência do que se imagina. Silver dá exemplos de áreas que vão do beisebol ao mercado financeiro para mostrar que, na maioria das vezes, as pessoas não têm a menor ideia para onde estão indo. Nossas previsões são tão certeiras quanto dardos atirados por macacos. Fazemos isso, basicamente, por ingenuidade e por excesso de confiança. Presumimos, por exemplo, que a realidade atual vai se repetir para sempre.

Se uma ação dobrou de valor desde a abertura de capital da empresa, é natural que ela continue a valorizar indefinidamente, certo? Pode até ser, mas também pode ser que ela esteja cara demais. Silver defende que nossas previsões precisam levar em conta as incertezas.

Em 1894, o jornal britânico The Times previu que a sujeira dos cavalos soterraria Londres em menos de quatro décadas. Fazia sentido, levando-se em conta o aumento exponencial no número de carroças que cruzavam a cidade. Mas, 14 anos depois, Henry Ford começou a fabricar seus primeiros automóveis. Londres nunca mais precisou pensar no esterco. 

Entender por que se erra tanto é fundamental para qualquer negócio. Afinal, previsões guiam estratégias. Sem saber quanto, como e onde investir, qualquer empresa vira alvo fácil para a concorrência. A má notícia é que, nos últimos anos, as companhias brasileiras têm se comportado exatamente como os oráculos do Times, de Londres.

Uma pesquisa da consultoria Hay Group revela que apenas 38% das empresas brasileiras conseguiram atingir as metas estabelecidas para 2011. Para a maioria, o ano ficou abaixo das expectativas. Como 2010 havia sido um ano bom, era natural imaginar que 2011 também seria. Só que não foi.

“A maior parte das empresas não faz previsões. Elas estabelecem um desafio de crescimento, sempre mais agressivo do que no ano anterior. E não importa muito se ele está ou não de acordo com a realidade”, diz Paulo Vicente, professor de estratégia da Fundação Dom Cabral.

Metas equivocadas são péssimas porque contaminam toda a empresa. Afinal, sem atingir as metas, os executivos não ganham bônus. Foi o que aconteceu em 2011 com a Natura. Nenhum de seus 600 executivos ganhou bônus por desempenho por causa de resultados abaixo do previsto — e a receita da empresa cresceu 8,9% em relação a 2010. Ao definir as metas de 2012, a Natura foi menos agressiva.

Para Silver, a grande ilusão contemporânea é imaginar que, tendo à mão a quantidade de dados que temos hoje, nossas projeções se tornam mais confiáveis. Na verdade, é o contrário, escreve. A tendência é que, quanto mais informação as empresas tiverem à disposição, mais dificuldade terão de distinguir as bobagens do que é de fato relevante.

Ao cruzar as informações sobre incêndios florestais e consumo de sorvete, por exemplo, chega-se à conclusão de que eles sobem e descem na mesma proporção. Mas não é preciso ser um gênio como Silver para se dar conta de que sorvetes não causam incêndios.

Os dois fenômenos são simplesmente típicos do verão. Até três meses atrás, a empresa de varejo eletrônico Netshoes mandava a seus conselheiros relatórios de 76 páginas. Agora, têm 14. “Antes, eles não faziam nenhuma pergunta porque não sabiam por onde começar.

Agora, com mais foco, veem o que é de fato relevante para nosso futuro”, diz José Rogério Luiz, vice-presidente de planejamento da Netshoes. Ele foi contratado há seis meses, vindo da fabricante de software Totvs, e coordena a recém-criada área de inteligência de mercado.

Depois de quadruplicar de tamanho em dois anos e chegar a um faturamento de 715 milhões de reais em 2011, a Netshoes estabeleceu como prioridade aumentar as margens de lucro nos próximos anos. Isso não quer dizer, claro, que as projeções da Netshoes tenham maior chance de dar certo. Mas pelo menos seus executivos saberão como as variáveis cruciais para o negócio estão evoluindo — e como a empresa tem de se adaptar a essa evolução. 

Com os mesmos números à mão, é possível fazer previsões totalmente diferentes. Por isso, para Silver, boa parte das previsões é furada por simples falta de interpretação. As análises, segundo ele, não podem ser só numéricas e precisam incluir uma boa dose de subjetividade.
E é aí que as coisas se complicam. Para um meteorologista prever que vai chover em determinada região, não basta mergulhar nos dados. Ele precisa conhecer a região. De certa forma, é o que aconteceu com a varejista Renner. Todos os anos, a empresa passa pelo mesmo ritual de planejamento.

Entre agosto e novembro, todas as unidades enviam suas previsões para o ano seguinte e, em dezembro, o conselho de administração aprova os dados. Além disso, a Renner compra estudos detalhados de consultorias. Mas uma das principais decisões recentes da empresa não veio de nenhum desses dados.

Há cerca de cinco anos, seu presidente, José Galló, decidiu começar a abrir lojas em cidades do interior. “Viajava para essas regiões e via que o mercado estava mudando. Mas os números ainda não mostravam isso. Decidi arriscar e chegamos a essas cidades dois anos antes das concorrentes”, diz Galló.

Sem solução mágica

As previsões mais acertadas costumam ser como essa da Renner. Não brotam espontaneamente na cabeça de um gênio. São baseadas em coisas concretas, que já estão acontecendo em menor escala em algum canto do mundo. E exigem suor. Isso vale até para Dave Evans, que tem o cargo de futurista da empresa de tecnologia Cisco, nos Estados Unidos. Seu trabalho é antecipar os mercados mais interessantes para a Cisco na próxima década.

Para isso, ele visita universidades e empreendedores do mundo inteiro. O desafio não é fazer previsões, mas entender para que lado os ventos sopram. Foi dessa forma que ele antecipou, há dez anos, os carros sem motorista — hoje um grande mercado para empresas de tecnologia, como a Cisco.

Caso esse mercado não vingasse, a Cisco tinha outras tantas soluções na manga. Essa, segundo Silver, é a melhor forma de prever o futuro: evitar uma solução mágica e fazer muitas previsões, já que não temos certeza de qual vai funcionar. Admitir que o futuro é incerto, e reconhecer que nosso conhecimento é limitado, é o primeiro passo para conseguir fazer previsões mais certeiras.

A própria Renner superou suas metas de expansão em 40% em 2009 e em 2010, mas em 2011 atingiu apenas 70% dos objetivos traçados. Nesse caso, não adianta fazer planos malucos para acelerar o passo no meio do ano. O que a Renner faz, todos os meses, é acompanhar os resultados e mudar os objetivos para baixo ou para cima.

Ao reconhecer que errou, a empresa consegue controlar seus estoques e aumentar ou reduzir as encomendas com os fornecedores. Não ajuda a salvar o bônus da turma (este é definido no início do ano e não muda), mas pelo menos evita prejuízos maiores e não compromete a saúde da empresa no longo prazo.

É uma estratégia que vai na linha das pesquisas de outro renomado estudioso do tema, o financista Nassim Nicholas Taleb. Há cinco anos, ele ganhou fama ao usar a expressão black swan (cisne-negro) para descrever eventos totalmente inesperados. Em um livro recém-lançado, Antifragile (“Antifrágil”), Taleb diz que as empresas mais resistentes são aquelas que, em vez de tentar prever o futuro, preparam-se para reagir rapidamente e conseguir aproveitar as mudanças. Venham elas de onde vierem.

Disponível em http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1029/noticias/o-geninho-as-empresas-e-o-futuro?page=1&utm_campaign=news-diaria.html&utm_medium=e-mail&utm_source=newsletter. Acesso em 27 nov 2012.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A moda nas empresas é mandar menos

Lucas Amorim
O paulistano Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, cresceu numa época marcada pelo autoritarismo. Durante sua juventude, nos anos 60 e 70, as decisões não se discutiam. Cumpriam-se. Era assim em casa. Era assim na política. E era assim no trabalho.

Quando ele começou a carreira no banco presidido por seu pai, Olavo Setubal, o Itaú era uma das instituições mais formais e hierarquizadas do Brasil. Cada executivo tinha sua sala, sua secretária e sua vaga de garagem. Os crachás tinham cores diferentes para cada cargo.

A evolução na carreira acontecia em doses homeopáticas e dependia do bom relacionamento com o chefe. Foi com essa cultura que o Itaú se transformou numa das maiores e mais respeitadas empresas brasileiras. Mas, nos últimos anos, Setubal está empenhado em criar um ambiente mais democrático.

Ele mesmo está tomando menos decisões. Deixou, por exemplo, de escolher as novas agências. Também não participa mais da definição dos preços. Não tem autonomia sequer para escolher os diretores que responderão a ele mesmo. “Os tempos mudaram. Não podemos mais impor uma decisão sem ouvir os funcionários”, diz Setubal.

Aumentar a democracia no ambiente de trabalho é um desafio comum a muitas empresas brasileiras. Uma pesquisa exclusiva da consultora Betania Tanure mostra que as companhias brasileiras estão entre as mais centralizadoras do mundo. Em 2011, Betania entrevistou 4 500 executivos em 13 países das Américas, da Europa e da Ásia para chegar a um índice batizado de “distância do poder”.

Quanto mais elevado, numa escala de zero a 100, mais distantes as pessoas estariam de definir os rumos da companhia. Aos entrevistados, a consultora fez perguntas como: “Com que frequência os funcionários têm medo de dizer que discordam de seus superiores?” ou “Quem detém o poder tem direito a privilégios especiais?” O resultado do estudo: no ranking dos mais centralizados, deu Brasil na cabeça. 

É importante separar hierarquia de autoritarismo. Empresas são hierárquicas por natureza. Precisam de pessoas que mandem, e de outras que executem. E, sobretudo, precisam de líderes que inspirem e indiquem os caminhos. É assim tanto no Brasil quanto na Dinamarca — o país mais democrático do ranking.

Mas as empresas brasileiras, aponta o estudo, dão importância excessiva ao cargo. Numa típica empresa centralizada, os chefes mandam e desmandam sem dar satisfações. Eles têm autonomia, por exemplo, para decidir quem será contratado ou demitido. Com alguma frequência, dão preferência aos amigos em detrimento daqueles que alcançam os melhores resultados.

Também não passa pela cabeça de uma empresa autoritária consultar os funcionários antes de tomar decisões. Metas, bônus, orçamento — tudo é decidido a portas fechadas. Quem está abaixo sabe muito pouco sobre os rumos da companhia. 

Riscos 

Concentrar as decisões tem lá suas vantagens. As empresas mais centralizadas conseguem decidir mais rapidamente e dar guinadas estratégicas da noite para o dia. Em momentos de crise, como no fim de 2008, essa agilidade é fundamental. “Quando o navio está afundando, é o comandante quem dá as ordens.

Nessas horas, não é possível ouvir a todos”, diz Betania. Mas, no que tem de pior, o centralismo atravanca a inovação e dificulta a atração de pessoas mais talentosas. Setubal, do Itaú, se deu conta disso. Apesar de seu poder, a empresa passou a encontrar dificuldade em atrair e reter os executivos mais promissores.

Eles se interessavam cada vez mais por bancos de investimento ou por pequenas empresas onde tivessem autonomia para tomar suas decisões e onde fossem premiados pelos resultados. Para responder a isso, o Itaú criou, em 2010, um inédito programa de sócios, que deu ações do banco a um grupo de 100 funcionários de alto desempenho. Hierarquia ou tempo de casa não contaram.

Em 2011, o Itaú deu mais um passo na direção da democracia. Desde então, nenhum executivo do banco tem autonomia para escolher seu sucessor. As promoções são definidas em comitês que reúnem cinco pessoas e que decidem com base nos resultados.

“A gente podia até continuar mandando como antes”, diz Marcelo Orticelli, diretor de recursos humanos do Itaú. “O problema é que havia o grande risco de os mais jovens simplesmente pararem de obedecer.” 

Democracia também costuma trazer mais eficiência. Se apenas um grupo de  pessoas tem acesso às informações e toma todas as decisões, os funcionários não entendem qual é seu papel dentro da estratégia. E não se levantam da cadeira para ajudar. Mas, se sabem que a empresa precisa economizar energia, apagarão a luz ao sair da sala.

É o que está acontecendo na empresa de controle de frota Sascar, comprada pelo fundo de investimento GP em 2011. Todos os meses, os 700 funcionários recebem por e-mail dados sobre vendas e geração de caixa. E podem sugerir ações para melhorar o resultado no mês seguinte.

Os 100 executivos recebem também informações sobre suas metas individuais. E definem o que deve ser feito para melhorar no mês seguinte. “Essas ações ajudaram a aumentar nossa receita em 30% no ano passado. Foi o melhor resultado dos últimos cinco anos”, diz Marcio Trigueiro, presidente da Sascar.

Na varejista Riachuelo, as vendas crescem, em média, 20% ao ano desde 2007, quando o presidente, Flávio Rocha, deu a seus executivos a liberdade de escolher um modelo de remuneração. Em vez de dividir igualmente os lucros, eles preferiram criar um ranking. Os melhores podem ganhar até seis salários extras por ano. Os piores não levam nada. 

São vários os motivos que explicam a liderança do Brasil no ranking de centralização. Segundo Betania Tanure, é uma questão cultural. Os povos de origem latina, diz, questionam menos a autoridade de seus líderes na família, na política e, consequentemente, também nas empresas.

Além disso, empresas estatais e grupos familiares, que são mais centralizadores por natureza, têm enorme peso na economia brasilei¬ra. Não se rompe com essa cultura da noite para o dia. A maioria das empresas ainda dá seus primeiros passos. A Alpargatas, por exemplo, até cinco anos atrás tinha inacreditáveis 16 níveis hierárquicos.

Existiam, por exemplo, o gerente de setor, o gerente de área e o gerente de departamento. Os níveis foram reduzidos aos poucos e hoje são apenas seis. Pode levar décadas até que companhias como a Alpargatas cheguem ao nível de abertura da Promon — isso se elas quiserem, é claro.

Faz 42 anos que a empresa criou seu primeiro programa de sócios. Hoje, 1 300 de seus 1 600 funcionários têm ações que permitem votar nas eleições para diretores e conselheiros. A dose ideal de descentralização, cada companhia vai encontrar com o tempo. “Se as empresas querem atrair gente boa, terão de ouvi-las”, diz Roberto Setubal. “É um caminho sem volta.”

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Um Orkut para chamar de seu

Lucas Amorim

O paulistano George Siriani, de 35 anos de idade, jamais vai esquecer a noite de 27 de setembro de 2008. Designer e fã de música eletrônica, ele foi ao Skol Beats, maior evento do gênero no Brasil, e se emocionou ao ver um desenho seu exposto num painel decorativo a uma plateia de mais de 15 000 pessoas. Além de dar seu toque pessoal à decoração, o designer havia aprovado os DJs que tocariam naquela noite. Siriani não foi produtor da festa, mas estava entre o 1,5 milhão de pessoas que se cadastraram no site da Skol e puderam participar da criação do evento. Ele ajudou a escolher as atrações, a decoração e até a instituição social beneficiada com a reciclagem das toneladas de lixo produzidas no evento. Para Siriani, foi uma experiência inédita. Para a Skol, uma jogada de marketing. A criação da rede social do Skol Beats transformou um evento que acontecia uma vez por ano - e em seu auge reuniu 66 000 pessoas - em um site com audiência diária. A AmBev, dona da marca Skol, calcula que pelo menos 300 000 pessoas visitem o endereço mensalmente. "Hoje somos o maior portal de música eletrônica do Brasil", diz Sergio Eleutério, executivo responsável pela plataforma jovem da Skol.

Embora seja uma das mais modernas formas de interação de empresas com seus consumidores, redes sociais como a criada pela AmBev ainda são raras no mundo. Uma pesquisa realizada em 2008 pela consultoria especializada em internet Forrester revela que 60% de 189 das maiores companhias do mundo ainda preferem métodos tradicionais para se relacionar com os clientes, como sites e newsletters. Apenas 13% consideram as redes sociais importantes. Dessas, a maioria direciona ações para páginas públicas e já consolidadas, como Orkut e MySpace - em que a concorrência pela atenção do internauta é enorme. Uma parcela mínima delas se aventura a criar suas próprias redes sociais. "Muitas empresas ainda têm receio de entrar nesse universo porque ele é praticamente desconhecido", afirma Max Petrucci, presidente da Garage, agência de publicidade online que desenvolveu a rede do Skol Beats. O Brasil representa um cenário especialmente promissor para o sucesso das redes corporativas. Um levantamento da consultoria americana ComScore revela que o internauta brasileiro é o segundo mais sociável do mundo, atrás apenas do canadense. Cerca de 85% dos brasileiros maiores de 15 anos com acesso à internet visitaram ao menos uma rede social em 2008. "As redes têm tudo a ver com a cultura brasileira e isso não pode ser ignorado pelas empresas", diz Alex Banks, diretor da ComScore para a América Latina.

Para as companhias que pretendem se arriscar no novo mundo das comunidades virtuais, os especialistas têm alguns conselhos. O primeiro passo é conhecer a fundo os costumes de seus clientes - e só então definir um objetivo e decidir qual a melhor tecnologia para colocá-lo em prática. "Uma rede social pode ser ideal para uma companhia, mas outras podem ter melhores resultados com um blog ou com um simples vídeo no YouTube", afirmou em entrevista a EXAME o americano Josh Bernoff, coautor do livro Groundswell - Winning in a World Transformed by Social Tecnologies ("Groundswell - Como vencer em um mundo transformado por tecnologias sociais", numa tradução livre). Além disso, as marcas precisam apresentar um tema que interesse a seus consumidores. A Skol conseguiu isso com a música eletrônica - seria praticamente impossível alcançar tanto sucesso com a iniciativa se a AmBev tivesse se limitado ao universo da cerveja. A Nike encontrou nas corridas uma forma de implantar uma rede global de relacionamento. Batizada de Nike Plus, a comunidade de corredores entrou no ar em 2006. Para participar dela, o consumidor precisa comprar um tênis acompanhado por um marca-passos. O aparelho permite ao corredor calcular dados como distância percorrida e gasto calórico. Com a ajuda de um iPod, essas informações podem ser então transferidas para o site da Nike. Lá, o atleta recebe dicas de especialistas e pode desafiar outros corredores. "Achamos que, se estimuladas pela Nike a melhorar seu desempenho, as pessoas vão ficar mais receptivas à marca", diz Christiano Coelho, gerente de marketing para corrida da empresa. O site já teve 40 milhões de acessos em 160 países.

O que funciona na rede 

As redes sociais de sucesso têm sempre uma característica comum: prestam serviço e oferecem conteúdo a seus consumidores. "Os internautas não perdoam uma empresa que tente simplesmente impor sua estratégia de marketing", diz Lucas Mello, sócio da LiveAd, agência que criou uma das primeiras redes brasileiras, a do festival Claro Que É Rock, que durou cerca de seis meses, em 2005. Uma das redes que oferecem serviço inédito é a da companhia aérea franco-holandesa Air France KLM, lançada em novembro de 2008 e que já tem 50 000 cadastrados. A ideia é tão simples quanto inovadora. Os passageiros podem se cadastrar gratuitamente no site para trocar informações sobre destinos de viagem e até combinar questões triviais, como dividir a conta do táxi na chegada ao aeroporto.

Parte das empresas ainda reluta em investir em redes sociais porque não é fácil estabelecer uma relação direta entre seu sucesso e um aumento nas vendas. O livro Groundswell, porém, apresenta dois exemplos que podem começar a mudar esse quadro. Em 2006, a subsidiária americana da montadora BMW lançou uma rede social que conseguiu fazer frente aos lançamentos dos concorrentes de seu modelo Mini. A ideia surgiu após pesquisas revelarem que o boca-a-boca era o principal responsável pelas vendas da marca. A diretora de marketing da empresa, Trudy Hardy, decidiu, então, privilegiar quem já tinha um Mini e deixar possíveis compradores em segundo plano. Montou uma comunidade apenas para os aficionados e organizou uma série de eventos para mimar seus clientes. Durante sete meses, um grupo de pesquisadores de marketing da Northwest University observou a repercussão online em comparação com as vendas do Mini. O quadro ficou bem claro: quando os comentários eram mais positivos, as vendas subiam no mês seguinte. 

Quando a repercussão era negativa, as vendas caíam logo em seguida. A Procter & Gamble, dona da marca Always, lançou em 2002 uma rede social para meninas de 12 a 15 anos que começavam a usar absorventes. Em vez de discutir o pouco atrativo tema da proteção feminina, a P&G apostou em uma rede que ajudasse a esclarecer qualquer tipo de dúvida das adolescentes - das amorosas às existenciais - em 45 países do mundo. Os autores de Groundswell calculam que o projeto custe à empresa algo em torno de 3 milhões de dólares por ano. Segundo eles, se pelo menos 0,3% do 1,8 milhão de adolescentes que visitam o site com regularidade se tornar consumidor da marca Always pelas próximas décadas, o investimento já terá valido a pena. "Assim como essas empresas, as companhias brasileiras precisam logo encontrar uma forma de se conectar com seus consumidores", diz Bernoff. "Antes que eles decidam por conta própria trocar opiniões sobre seus produtos - e elas nem sempre serão boas."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Quanto mais longe do líder, melhor

Lucas Amorim

Uma conversa sobre os negócios comandados pelo gaúcho Eduardo Kunst, presidente da Artecola, pode parecer um bocado caótica. Ele discorre com a mesma desenvoltura sobre assuntos tão distintos quanto a construção de casas populares feitas de plástico e tecnologias para encravar cristais Swarovski em sandálias Havaianas. Por trás dessa aparente falta de foco está uma estratégia que mudou o perfil de uma companhia que até seis anos atrás fabricava uma infinidade de variações de produtos para um único mercado: eram cerca de 2 000 tipos de cola e outros componentes fornecidos a fabricantes de sapatos. Hoje, a Artecola produz inacreditáveis 5 000 itens, vendidos para setores que vão da construção civil à indústria automobilística. Em muitos desses mercados, sua participação é quase marginal. É o que acontece, por exemplo, com as botas industriais que levam em sua produção o mesmo material utilizado na blindagem de automóveis. A Artecola, uma das poucas fabricantes desse tipo de equipamento no mundo, vende apenas 3 000 pares por ano, a um valor equivalente a 500 reais cada um. Isoladamente, esse resultado pode parecer - e de fato é - pouco expressivo. Mas foi graças à multiplicação de milhares de produtos de nicho, como as botas industriais, que as vendas da empresa cresceram 55% desde 2006, atingindo 280 milhões de reais no ano passado (veja quadro). "Hoje, não fazemos produtos padronizados para chegar à liderança", diz Kunst, de 42 anos, neto do fundador da companhia. "Somos especialistas."
Vender milhares de produtos e serviços especializados em pequenos lotes - e ganhar muito com a soma de pequenas escalas - é uma estratégia típica dos tempos de internet. Em 2006, o jornalista americano Chris Anderson, editor da revista Wired, transformou-a em tendência ao cunhar o termo "cauda longa" para designá-la. Para compor o conceito, Anderson inspirou-se no fato de que, graças à internet, a soma dos milhares de produtos de nicho que não chegam às prateleiras dos supermercados ou às telas de cinema se transformou num mercado em si mesmo - tão relevante quanto o dos produtos de massa. "Um número muitíssimo grande (os produtos que se situam na cauda longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os volumes de venda de cada um) ainda é igual a um número muito grande", diz Anderson em seu livro A Cauda Longa. "Os grandes sucessos são a exceção, não a regra. Entretanto, vemos indústrias inteiras respirando esse ar rarefeito."
No caso da Artecola, a adoção dessa estratégia precedeu os impactos causados pela internet - e surgiu como solução para um problema que abateu a companhia no final dos anos 90. Na época, a invasão de produtos chineses no mercado brasileiro devastou a indústria de calçados do interior gaúcho, até então a principal cliente da Artecola. A ideia de expandir sua atuação para outros setores nasceu depois que Kunst, então diretor comercial da companhia, fez um curso de globalização na Universidade da Califórnia. Lá aprendeu que ingressar simultaneamente em diversos nichos - e se tornar lanterninha por convicção - poderia ser a saída para que pequenas empresas locais não fossem esmagadas por concorrentes poderosos. Quando voltou ao Rio Grande do Sul, Kunst convenceu o pai, Renato, então presidente da companhia, a iniciar uma transformação. Até 2000, 90% da receita da Artecola vinha de componentes para calçados. A empresa fazia solados, tintas, vernizes e até sapatos para exportação. Boa parte desses produtos, que integravam o portfólio desde a década de 60, deixou de ser fabricada de uma só vez naquele mesmo ano. Restaram apenas os adesivos e os laminados (as peças plásticas que dão forma aos calçados). Com pequenas alterações, esses itens podiam ser empregados nos mais diversos setores, como indústria automotiva e construção civil. Num primeiro momento, as vendas caíram 15%. "Não foi fácil, mas precisávamos de uma mudança radical", diz Kunst.
PARA INGRESSAR NESSA cauda longa em setores novos, os executivos da Artecola tiveram de montar uma nova estrutura de inovação. No início da década de 2000, a companhia tinha apenas um centro de pesquisa e desenvolvimento, localizado em sua sede, em Campo Bom, na Grande Porto Alegre. Hoje, são seis unidades (cada uma delas especializada em um setor diferente), que empregam cerca de 80 pesquisadores e exigiram investimentos de 5 milhões de reais em 2009. Para monitorar a abertura de cada um dos novos centros, a empresa criou em 2007 um comitê de inovação liderado por José Antonio Martins, um dos cinco integrantes de seu conselho de administração e ex-vice-presidente da fabricante de ônibus Marcopolo. Todos os meses, Martins se reúne com Kunst e seu pai (hoje presidente do conselho) para avaliar os projetos considerados mais promissores. Em geral, são submetidos 100 projetos por ano e aprovados 60 - tão diferentes como uma linha de plásticos para construção que utiliza fibras naturais de cana-de-açúcar e um adesivo spray para fixar pisos e azulejos. Hoje, além das pesquisas internas, os laboratórios gerenciam parcerias com fabricantes de plásticos e adesivos da Alemanha, da França, da Itália e da Suíça, e ainda com outras dez universidades e centros de pesquisa brasileiros, como a Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo. Essa estrutura permite o lançamento de cerca de 300 produtos todos os anos. Alguns deles são fabricados para um único cliente e por tempo determinado, como no caso de uma variedade de cola capaz de fixar cristais Swarovski em sandálias Havaianas, desenvolvida para a Alpargatas em 2003.
O ingresso em alguns nichos só foi possível com uma estratégia de expansão cuidadosamente mapeada, que resultou na aquisição de oito empresas especializadas nos últimos quatro anos - no Brasil, na Argentina, no Chile, na Colômbia, no México e no Peru. Para farejar os potenciais alvos, a Artecola criou em 2006 uma área de novos negócios, que mantém permanentemente dois executivos em viagem pelo Brasil e pela América Latina em busca de empresas e novas áreas de negócio. Nesse processo de internacionalização e diversificação, a companhia contou com a consultoria informal de Nestor Perini, presidente da Lupatech, fabricante gaúcha de válvulas para as indústrias de petróleo e automotiva, que desde 1990 atua fora do país. "Mostrei ao Renato e ao Eduardo que era importante manter os executivos das empresas compradas, porque eles conhecem a fundo os mercados locais", diz Perini. Em 2009, a Artecola apareceu em nono lugar no ranking das empresas mais internacionalizadas do Brasil, de acordo com a Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. "A Artecola teve sucesso porque escolheu a região certa, a América Latina, em vez de se aventurar em mercados muito mais competitivos, como o europeu e o americano", diz o americano Jase Ramsey, professor da Dom Cabral e coordenador do estudo.
Uma das aquisições feitas pela Artecola resultou no ingresso da empresa num de seus mais novos negócios - o de casas com base de aço e paredes de plástico. "Como as casas são mais flexíveis do que as tradicionais de tijolo e concreto, têm grande chance de emplacar em países expostos a terremotos", afirma Kunst. Segundo ele, a Artecola já está negociando a venda de 3 000 unidades para a reconstrução da cidade chilena de Concepción, atingida por um intenso tremor de terra em março. É com projetos como esse que a companhia pretende alcançar um faturamento de 750 milhões de reais até 2015. "Queremos ser um dos maiores exemplos de que focar os nichos po de ser, sim, um grande negócio", diz. 
Uma empresa, 5 000 produtos
Como a Artecola criou uma nova estrutura de inovação
MAIS PESQUISA
2006: Havia apenas um centro de pesquisa em Campo Bom, no Rio Grande do Sul
HOJE: São seis centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, no México e no Chile. Além disso, conta com 15 universidades e empresas parceiras de inovação no Brasil, na França, na Itália, na Suíça e na Alemanha
MAIS ESPECIALIZAÇÃO
2006: Nove fábricas especializadas em produtos para calçados e para a indústria automobilística
HOJE: 13 unidades que atuam em calçados, automóveis, construção civil, papel e embalagens
MAIS PRODUTOS
2006: Cerca de 2 000
HOJE: São 5 000, como adesivos para uma linha de sandálias Havaianas com cristais Swarovski, casas de plástico e botas de proteção usadas por bombeiros nos Estados Unidos
RESULTADO (faturamento em reais)
2006: 180 milhões
2009: 280 milhões
Fonte: empresa