Fabíola Musarra
26 DE JUNHO DE 2013
Você acredita que é perfeitamente capaz de escolher o que
consome? E que ninguém no mundo pode te empurrar algo que não queira? Cuidado!
A arte de convencer a comprar é, na verdade, uma ciência chamada
neuromarketing. Ela se baseia na psicologia e em equipamentos empregados pela
medicina.
Todo mundo tem um botão de compras no cérebro. Quando
acionado, esse impulso faz algumas pessoas consumirem mais, outras menos. Até
há pouco tempo, o que motivava esse comportamento era uma verdadeira incógnita.
Agora não é mais, já que a arte de convencer o indivíduo a
comprar tornou-se uma ciência. O neuromarketing, como é chamada a nova
disciplina, baseia-se em pesquisas sobre o comportamento do consumidor, mas
emprega técnicas e tecnologia da medicina e do marketing para avaliar com rigor
científico o que leva as pessoas a consumir. Auxiliados pela ressonância
magnética e pela tomografia computadorizada, os neuromarqueteiros conseguem
entrar na mente das pessoas e descobrir desejos antes mesmo que elas tenham
consciência da sua existência.
Parece complicado... E é. Na prática, porém, não é difícil
entender como funciona o neuromarketinkg. Nem tampouco perceber aonde ele
pretende chegar. Basta refletir sobre as "armas" que são usadas para
nos forçar a consumir. Entre elas, o branding sensorial: os nossos sentidos são
seduzidos por aromas e percepções que nos estimulam a comprar. Por exemplo,
você sabe o que é RTX9338PJS? Código esquisito, não é? Mais estranho ainda é o
produto: um spray que contém aroma de cheeseburger de bacon. Quando é
pulverizado nos dutos de ventilação de uma lanchonete, o seu proprietário vende
uma quantidade muito maior de sanduíches.
Enquanto nós, reles mortais, estamos intoxicados com o que
acreditamos ser o cheiro de um saboroso hambúrguer, involuntariamente estamos
nos rendendo à última fronteira do marketing: o branding sensorial, um conjunto
de estratégias empregadas pelos experts da publicidade para "seduzir"
os nossos sentidos. Em lanchonetes, shopping centers, supermercados e em muitos
outros lugares.
A embalagem de um café instantâneo exala um saboroso aroma
do produto quando aberta. A ideia foi concebida pelos engenheiros de alimentos
da empresa, com o intuito de aumentar as vendas.
Aliás, exemplos de como somos fisgados mesmo sem saber não
faltam. Em 2007, o psicólogo Eric Spangenberg, da Universidade de Washington
(EUA), descobriu que o cheiro de baunilha difuso em uma loja de roupas
femininas foi o responsável pelo dobro das vendas de saias, blusas e vestidos
(as norte-americanas são malucas por essa fragrância). Posteriormente, ele
repetiu a mesma experiência, desta vez usando um odor considerado masculino,
com aroma amadeirado, o que duplicou a venda de roupas masculinas.
Por sua vez, os engenheiros de alimentos do fabricante de um
conceituado café instantâneo trabalharam pesado para criar uma embalagem capaz
de liberar um delicioso aroma quando a tampa do produto fosse aberta. Fácil?
Teoricamente, sim. Afinal, esse café instantâneo tem um cheiro divino, como
poucos de seus concorrentes têm. O único detalhe é que nós, os consumidores,
jamais deveríamos saber disso.
Não é à toa também que as padarias de diversos hipermercados
estão localizadas perto da porta de entrada: o aroma exalado pelo pão quentinho
e recém-saído do forno estimula o apetite e também nos ajuda a pensar como os
produtos ali comercializados são fresquinhos.
A origem de tudo
O neuromarketing surgiu no final da década de 1990, a partir
de estudos acadêmicos feitos por um grupo de pesquisadores nos Estados Unidos.
Um deles, Gerald Zaltman, médico e pesquisador da Universidade Harvard, teve a
ideia de empregar aparelhos de ressonância magnética para fins de marketing, e
não estudos médicos. O termo neuromarketing, no entanto, apenas seria conhecido
em 2002, cunhado por Ale Smidts, um professor de marketing na Erasmus
University, em Roterdã, na Holanda. A partir daí é que a nova disciplina, que
estuda as variáveis capazes de influenciar o processo de decisão da compra com
o emprego de ferramentas da psicologia e da medicina, passou a ser utilizada.
Embora o neuromarketing ainda esteja em seus primeiros
passos, várias corporações estão desenvolvendo pesquisas nessa área. É o caso
das empresas Nielsen, General Motors, Ford, Daimler, GE, Coca-Cola, McDonald's,
K-Mart, Kodak, Levi-Strauss e Delta Airlines.
Nada é por acaso
Em 2001, uma ação de branding sensorial usada pela Bauducco
foi bastante comentada pelas pessoas e talvez você até se lembre (ou tenha
participado) dela: no Natal daquele ano, a empresa espalhou o aroma de panetone
em 32 salas de cinema de São Paulo, enquanto imagens do produto eram exibidas
na tela, antes de o filme começar. Nem é preciso contar como foram as suas
vendas de panetones naquele ano.
Os aromas são armas tão poderosas que, quando os hipermercados
começaram a surgir, a preocupação inicial dos empresários era diminuir o
incômodo cheiro de peixe. Para solucionar a situação, começaram a colocar
aromas, como os de cravo e baunilha, que deixavam as pessoas com fome durante
as compras.
Embora a disposição dos produtos no supermercado pareça
aleatória, não se iluda: não é. Muito pelo contrário, ela respeita critérios
bem específicos. Você já reparou que na entrada e no espaço onde se dão os
primeiros dez passos em seu interior não existem produtos. Sabe por quê? Porque
nesse momento você não vai comprá-los. Por isso, esses locais são utilizados
apenas para adaptar a sua visão ao novo ambiente.
Já os produtos frescos (o pão, os legumes e as frutas) são
colocados logo após a entrada, para dar uma sensação de frescor. Produtos de
consumo diário, como o sal e o açúcar, são dispostos em locais distantes uns
dos outros para forçar os clientes a olhar e a percorrer todo o interior da
loja. Doces, balas e gomas estão sempre perto dos caixas, para encorajar as
crianças a pedir aos pais. E eles acabam comprando as guloseimas porque estão
estressados com a fila e sem disposição alguma para brigar com os filhos.
Mexer com o pudor e o senso de decência
Cenas eróticas são usadas em anúncios para chocar as pessoas
e mexer com o seu pudor e senso de decência. Nesse caso, não é o sexo em si que
é usado para atrair a atenção, mas a provocação e a repercussão que ele causa.
Cientificamente, o olfato parece ser o sentido mais
fortemente manipulável. Afinal, os odores se fixam no cérebro humano de forma
bem duradoura. Eles são armazenados no nível do sistema límbico, sob a forma de
emoções ligadas ao contexto em que nos marcaram. Se sentirmos novamente esses
odores, reviveremos tudo aquilo que havíamos vivenciado anteriormente.
O cheiro é uma eficiente arma usada pela publicidade, mas
ele não é a única maneira de sermos alvejados.
Você notou que a casca dos ovos vem se tornando amarronzadas
ao longo dos anos? Pelo menos já percebeu que esses ovos estão sempre em locais
mais privilegiados nas prateleiras, dispostos em lugares mais visíveis do que
os de cascas brancas. Já tentou imaginar o motivo disso?
Em primeiro lugar, a mudança na casca dos ovos não ocorre
por conta de uma mutação genética das galinhas. Trata-se, sim, de uma solução
encontrada por um especialista em marketing. De acordo com os estudos dele, o
marrom parece nos lembrar paisagens bucólicas, e vende mais. Para obter ovos
com cascas dessa cor, os agricultores já sabem que basta dar vitaminas para as
galinhas. Mas e você? O que deseja colocar em sua panela? E no seu organismo?
Além dos cheiros e das cores, também a sensualidade tem um
poder de persuasão semelhante. Especialmente quando é feita para provocar. Bom
exemplo disso é a publicidade de Calvin Klein. Seus anúncios
"eróticos" são elaborados para chocar as pessoas e mexer com o seu
pudor e senso de decência. Nesse caso, não é o sexo em si que é usado para
atrair a atenção, mas a provocação e a repercussão que ele causa nas pessoas:
no final, todo mundo acaba comentando o assunto.
Mas esses truques não são os únicos usados pelos
neuromarqueteiros. Dois pesquisadores da Universidade de Leicester (Inglaterra)
constataram que as vendas de vinhos de um hipermercado variavam de acordo com a
música. Nos dias em que eram tocadas músicas facilmente reconhecidas como
francesas, os vinhos da França vendiam mais. Em contrapartida, o mesmo
acontecia com as músicas e os vinhos italianos, portugueses, alemães...
Como funciona o "imageamento"
Auxiliados por equipamentos de ressonância magnética, os
neurocientistas conseguem registrar instantaneamente as atividades cerebrais e
a formação de sinapses e reações, monitorando as emoções que sentimos durante
as compras. Enquanto somos expostos a mensagens relacionadas com experiências
de consumo, essas sofisticadas técnicas de imageamento identificam na tela do
computador, por meio de gráficos coloridos e em terceira dimensão, as zonas do
cérebro estimuladas e o funcionamento de cada pedaço de nossa mente.
Já com a tomografia de ressonância magnética funcional, os
cientistas produzem imagens coloridas da troca de substâncias no cérebro e
registram instantâneos da localização e intensidade da atividade cerebral.
Sinais de radiofrequência fornecem a imagem das alterações no fluxo sanguíneo e
na oxigenação em determinadas áreas cerebrais. O processo também mostra como a
intensidade cerebral se altera diante de anúncios publicitários.
É assim, por meio da atividade elétrica cerebral, que os
neurocientistas esperam explicar o que move a decisão das compras e obter dados
e informações relevantes sobre os processos e as variáveis mentais que possam
explicar melhor as expectativas, preferências, motivações e comportamentos
relacionados com o consumo, ajustando as estratégias de marketing das empresas.
Entretanto, os neuropsicólogos asseguram que não existe um
botão para o consumo porque a tomada de decisões envolve diversas regiões do
cérebro que atuam de forma sequencial num curto espaço de tempo. Por isso,
segundo eles, a atividade prática do neuromarketing até agora se limita à
fotografia do cérebro no instante exato da tomada de decisão. O grande avanço
científico é conseguir ver na prática como as funções cerebrais (emoção,
memória e raciocínio) são ativadas diante de um estímulo.
Ficção científica, lógica do consumo
Essas cenas parecem ser de uma ficção científica, mas não é
nada disso. Essas e outras "façanhas" sensoriais são narradas no
livro A Lógica do Consumo. O autor, Martin Lindstrom, é um dos maiores
especialistas no mundo da sedução dos bens. Em 228 páginas, revela o que nos
leva a comprar um produto em detrimento de outro e quais as sutis estratégias
que são utilizadas para as grandes marcas captarem mais.
Lindstrom conhece todas essas armas porque pesquisa o
consumidor a fundo, em nome de grandes marcas. São experiências reais, como ele
conta em seu livro, mesmo quando exigem o uso de métodos científicos e
equipamentos da medicina, como a tomografia computadorizada ou a ressonância
magnética, para saber o que acontece com nossos cérebros quando estamos na
presença de um produto nas prateleiras dos supermercados ou quando assistimos a
um comercial na televisão.
No relato dessas experiências reais, fica claro que o
neuromarketing já faz parte da realidade. E veio para ficar.
Ao mapear como cada um dos nossos neurônios reage ao
estímulo de uma marca, ao sabor de um refrigerante ou aos apelos de um outdoor
na rua, a expectativa é de que, em breve, as empresas consigam entender com um
nível de detalhamento inédito quais são os fatores que desencadeiam toda a
corrente de desejos, necessidades e anseios que levam uma pessoa a comprar um
determinado produto.
Essa possibilidade abre espaço para algumas polêmicas e para
muita reflexão. Se, de um lado, os neuromarqueteiros usarem com consciência o
conhecimento adquirido sobre os desejos dos consumidores, as empresas poderão
conhecer melhor as suas necessidades e fabricar produtos que realmente os
satisfaçam. De outro, não há como não pensar na questão ética: a nova ciência
será usada para manipular a mente do consumidor?
Ela é mesmo apenas um inofensivo método de estudos dos
hábitos de consumo ou não? Afinal, trabalha em cima de estímulos que não são
conscientes, uma ação eticamente condenável. Na realidade, ninguém tem essas
respostas. No entanto, dá para antever que, como tudo que foi criado no mundo,
o neuromarketing poderá ser usado com boas ou más intenções, tornando o marketing
mais honesto ou não. É esperar para ver!
Para saber mais:
A Lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que
compramos, Martin Lindstrom, Editora Nova Fronteira, 207 págs.
Disponível em http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/106689/Neuromarketing-Como-lucrar-com-os-nossos-desejos.htm.
Acesso em 30 jun 2013.