Naiana
Oscar
Artêmio Cruz, 29 anos, e Antônia Joelma, 24 anos,
não têm carro, nem casa própria. Usam três celulares para aproveitar as
promoções das operadoras e estão programando para este ano a primeira viagem de
avião. Ele é vigilante e ela, auxiliar de limpeza. A renda dos dois ainda não
chegou a R$ 1,5 mil. "Mas é questão de tempo", diz Cruz. Pronto para
começar um curso de mecânico, ele está entre os 64% da população da classe D
que espera melhorar de vida neste ano.
Se tudo correr como planejado e os dois continuarem
empregados, em breve o casal, que vive em São Paulo, deve integrar o que se
convencionou chamar de "nova classe média". Em 2014, quando o Brasil
estiver às voltas com a Copa do Mundo e o governo de Dilma Rousseff chegando ao
fim, praticamente três em cada cinco brasileiros pertencerão à classe C - Cruz
e Antônia estão batalhando para entrar nesse grupo que chegará a 115 milhões de
habitantes ou três vezes a população da Argentina.
Embora falar da nova classe média tenha virado moda
no Brasil nos últimos anos, ainda há divergências sobre quem faz parte dela.
Não há definição oficial. A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas
(Abep), por exemplo, adota o Critério Brasil, baseado nas posses e no grau de
instrução das famílias. Boa parte dos levantamentos, no entanto, leva em conta
apenas a renda familiar. Uma das classificações considera classe C famílias com
ganhos mensais de quatro a dez salários mínimos. Em 2010, esse grupo passou a
representar metade da população brasileira e continuará ganhando espaço.
Fazer projeções não é tarefa fácil: câmbio,
inflação e crises mundiais mudam da noite para o dia o rumo da economia de um
país. "Mas é possível ensaiar uma análise olhando pelo retrovisor",
diz o professor Waldir Quadros, da Unicamp. A tendência, segundo ele, é que as
transformações da pirâmide social brasileira registradas entre 2004 e 2009 se
reproduzam nos próximos anos: classe A estagnada, classe B em crescimento
moderado, explosão da classe C e uma redução ainda maior da base da pirâmide.
É o que mostra também um levantamento feito pela
consultoria Data Popular a pedido do Estado. "A classe C será maioria
absoluta e a E deve entrar em extinção", diz Renato Meirelles, diretor da
consultoria. "Já ficou claro até aqui que as empresas que ignorarem a nova
classe média não sobreviverão."
Consumo. Um número "mágico" ajuda a
entender o que Renato Meirelles quer dizer com isso: a classe C movimenta cerca
de R$ 881,2 bilhões por ano, com salário, benefícios e crédito. Não é qualquer
produto ou empresa que consegue abocanhar esse dinheiro, porque a nova classe
média tem um jeito próprio de consumir. "Eles estão experimentando alguns
produtos e serviços pela primeira vez."
Cristiane de Souza, 33 anos e Alex Ferreira, 36
anos, atingiram há tão pouco tempo esse padrão de consumo e ainda estranham ser
chamados de "classe média". "Isso é muito chique", diz a
dona de casa, cutucando o marido, no corredor do supermercado. Seis anos atrás,
eles moravam com o pai dela, porque os R$ 400 que recebiam na época não eram suficientes
para bancar um aluguel. "Fazíamos compra com calculadora: não podíamos
gastar nem um centavo a mais", lembra Cristiane, mãe de uma menina de 11
anos e de um menino de 7 anos.
O carrinho de compras não é mais refém da
calculadora desde que Alex deixou o emprego de metalúrgico e voltou a trabalhar
na fábrica de vidros onde, ainda adolescente, aprendeu seu primeiro ofício: o
de vidraceiro. Como a atividade remunera bem, o salário dele foi multiplicado
por nove.
De lá para cá, o casal quitou as dívidas, mudou
para um imóvel alugado, comprou um carro zero, trocou móveis e eletrodomésticos
e se concedeu alguns "luxos": ela vai ao salão de beleza duas vezes
no mês e ele agora só compra tênis originais. A mais nova conquista é a casa
própria. O imóvel será entregue em outubro. "Não sei se somos classe
média, mas, perto do que tínhamos, estamos ricos", diz Cristiane.
Migração sustentável. Um dos primeiros a falar do
novo perfil da classe C nessa década, o pesquisador Marcelo Neri, da Fundação
Getúlio Vargas, afirma que essa foi uma mudança que veio para ficar.
"Não estamos falando de uma bolha de consumo.
É um processo sustentável, diz Neri." Segundo ele, a ascensão das classes
sociais no País é explicada apenas em parte por programas de transferência de
renda, como o Bolsa-Família. A educação e o trabalho formal, afirma Neri, são
os grandes protagonistas da reestruturação da pirâmide. "É o que garante
que a evolução vai continuar acontecendo."
Entre 2003 e 2009, a renda individual do brasileiro
cresceu 3,8% ao ano. O crescimento foi duas vezes maior entre os mais pobres.
No mesmo período, eles conseguiram aumentar os anos de estudo em 5,19%,
enquanto esse índice entre os mais ricos ficou abaixo de 1%. Ao mesmo tempo, as
horas de trabalho dos integrantes das classes C e D diminuíram. Resumindo: os
brasileiros da base da pirâmide passaram a ganhar mais e não é porque a carga
horária de trabalho está maior, mas porque estão mais qualificados.
Nos próximos anos, além de continuar acompanhando a
migração de uma faixa social para outra, o Brasil verá uma ascensão dentro da
própria classe C - dos níveis mais baixos para o topo da renda. "Basta
termos controle de inflação, redução de gastos públicos e da taxa de
juros", diz Cláudio Felisoni, coordenador do Provar-USP.
Ele alerta, no entanto, que toda a euforia em torno
da nova classe média não significa que o País tenha superado os níveis de
desigualdade. "Continuamos longe do ideal." No Brasil, os 10% mais
pobres se apropriam de 1,1% da renda total gerada, enquanto os 10% mais ricos
absorvem 43% dessa mesma renda, segundo o Banco Mundial. No Canadá, essa
proporção é de 2,6% e 24,8%, respectivamente.