André Kassu
05 novembro 2013
Um primeiro aviso importante: esse texto é bem longo. Se há
uma estatística que dispensa pesquisas para ser comprovada é essa: 10 entre 10
criativos não gostam de pesquisas. É congênito. É visceral. É um reles prazer
em meio à dor de ver as ideias serem dizimadas. Eu desisti de lutar contra o
fato. Praguejei, blasfemei, gritei em vão. Hoje, percebo que as pesquisas
chegaram como o primeiro tijolo no Muro de Berlim. No começo, ninguém acreditou
que aquilo duraria muito tempo. Quando percebemos, já era tarde. Só uma
improvável fuga nos une nesse campo.
Apanhamos por anos em silêncio. Reclamando no cantinho. Esse
é o último suspiro de resistência. Um sopro sem poder algum. É hora dos
rebeldes de calça Diesel e camisa preta admitirem que esse muro não vai cair. É
uma fortaleza fundada no medo e no temor. Esse pequeno longo tratado tem como
objetivo deixar registrado alguns dados observados no caminho. Tem sangue,
lama, tiros e uma lâmina fina de ironia.
Existe uma razão para que a nossa área seja chamada de
Humanas. É porque ela está na ponta oposta da estatística. Não é uma natureza
fria. Não pode ser reduzida a cálculos ou fórmulas. A grande riqueza da área de
Humanas é a subjetividade. A impossibilidade de colocar tudo em caixinhas. Por
isso, sempre desconfiei de pesquisas. Elas procuram por um número. Por uma
média que agrade a todos. Ou que não exclua ninguém. Sinto informar: a natureza
humana é excludente. Nós nos separamos em tribos e grupos desde sempre.
O nome já diz tudo: moderador. Logo, o que sai da sala é
algo que não é nem genial, nem ruim. Nem muito ousado, nem primeira ideia.
Apenas, moderado. Um dos maiores fracassos da indústria automobilística foi o
Ford Edsel. Os motivos para isso são diversos. Vão desde política de preço à
dificuldade de reposição de peças. Um dos itens que contribuiu para o fracasso
merece ser ressaltado. O Ford Edsel foi o primeiro automóvel projetado a partir
de pesquisas de mercado. Ora, bolas, qual é o erro dessa estratégia tão
pensada? Uma tentativa de se ajustar a todos os desejos dos entrevistados. O
resultado é um carro que desagrada igualmente a todos os públicos. Um erro de
1957 que persiste até hoje. A busca de um consenso geral. O diretor de
marketing do Ford Edsel é daqueles casos que deveria vir com o adesivo atrás do
terno: como estou dirigindo?
Gosto de usar exemplos porque eles trazem uma certa
veracidade para o meu discurso. É a repetição da estratégia tão usada no
fatídico dia do resultado de pesquisa. Revelo aqui a minha experiência mais
traumática em um evento desses. Envolveu uma análise que misturava diálogos dos
consumidores com tiradas psicológicas de Freud para Dummies. A pessoa em
questão começou o discurso dizendo que algumas marcas eram anais e outras eram
orais. O desconforto foi imediato. Ela percebeu e tentou me atingir em um
suposto ponto fraco. “Você está rindo, mas o futebol é uma atividade anal. O
homem sente prazer quando a bola entra no gol. O ato de dirigir envolve o
movimento de penetrar a chave no carro.” Eu olhava em volta, procurava pela
câmera da pegadinha, mas nada. Quase todo mundo concordava como se as portas da
sabedoria tivessem sido abertas naquele momento. Com alívio, descobri que a
marca para a qual eu trabalhava era oral. Portanto, deveria usar mais diálogos.
Não perguntei o papel de uma marca anal.
Essa é uma faceta interessante do marketing e das pesquisas
no dia de hoje. O discurso repleto de jargões e de analogias que dificultam
tanto a compreensão que parecem até inteligentes. Bob Hoffman, o nome por trás
do The Ad Contrarian, foi quem melhor definiu esse cenário. Estamos vivendo a
era dos complicadores. E basta apenas um complicador para desfazer o trabalho
de 10 simplificadores. Os complicadores usam palavras longas, floreiam como
ninguém. Fazem isso de tal modo que parece que eles detêm algo que você não é
capaz de fazer. Veja esse exemplo retirado de um grande artigo de 2008 no The
Onion (valeu Wolff), sobre como ser um mestre na arte do complicômetro: "Due
to the increased scope of the project vis-à-vis Tuesday's meeting, compounded
with our aforementioned desire to maintain quality without increasing cost, an
as-yet indeterminate amount of time will be allocated to our newest
venture." Pense em alguns PPTs que você já viu. Não é algo tão distante,
vai.
Voltando para as pesquisas e suas peculiaridades. Lembro da
primeira vez que vi um animatic. Pensei: quem fez essa bobagem? Para descobrir
em seguida que a ideia em questão era minha. Eu não reconheço ideia alguma
quando vejo um animatic. Sou tomado por uma vergonha incontrolável. Torço para
os segundos passarem mais rápido e cessarem com o meu sofrimento. Animatic é
uma piada levada a sério. E os erros começam bem antes dele ser produzido.
Um dos males do animatic é que certas ideias não podem ser
contadas nesse formato. Para corrigir esse defeito, buscamos roteiros que
possam ser “animaticados”. Ou seja: eliminamos uma parte importante do processo
de criação. Ao invés de pensar nos melhores caminhos, procuramos pelos mais
ajustáveis. Muita coisa boa morre na gaveta por isso. Outro fator que me
incomoda é a tentativa de se aproximar do que seria um filme produzido. O
animatic é por princípio um desenho tosco com movimentação estranha e fala
estática. Já procurei muito por uma pessoa que se comporte como um animatic,
nunca achei. Aí, você dá a esse desenho o papel de contar uma ideia. É como
criar uma peça e esperar que o Ricardo Macchi aprove com a sua atuação. As
chances são reduzidas. Ao tentar parecer um filme, o animatic levanta questões
absolutamente desnecessárias (isso fica ainda mais evidente no animatic em 3D).
E entrega para o consumidor um papel que ele não sabe executar.
Abro parênteses para uma outra crença do marketing. A de que
o consumidor sabe criar. Desculpe, não sabe. Não é papo de criativo defendendo
o seu espaço, não. É o que eu penso quando eu vejo que na barraca de churros
tem a opção de recheio de cheddar e catupiry. Ou o temaki com nachos. A pizza
de ravióli. Há uma diferença bem grande entre criação e invencionice. A maior
parte dos consumidores tende para a segunda opção. Para o trocadilho fácil.
Existem exceções, claro. E serão eternamente exceções.
O martírio do animatic continua. Porque para piorar, se ele
passar na pesquisa, você fica eternamente atado ao estímulo. O que é outra
ironia em si só. Chamar de estímulo. O filme passa a ter a ingrata missão de
reproduzir tudo o que foi sucesso na salinha de vidro. Um dos piores elogios
que eu já vi alguém fazer foi: parabéns, ficou igual ao animatic. Fosse eu o
diretor, teria tomado uma overdose de coxinhas. Agora, uma questão que não
silencia e ninguém responde. Por que grandes blockbusters de pesquisa não viram
sucesso de audiência? Tenho as minhas teorias. Uma delas vai ao encontro do conceito
de que blockbuster é aquilo que agrada a todos. Que dá destaque em tudo. É
morno, e por isso, muitas vezes fracassa.
Avisei que era um tratado. Nesse processo todo, o intrigante
é como a intuição foi sendo descartada aos poucos. Há clientes que têm medo de
rir na hora do roteiro para não se comprometer. E os que riem e depois negam a
risada com doses cavalares de racionalidade. Está aí: eu sou a favor da
pesquisa na primeira apresentação. Sem caneta para ticar, sem papel. Só a
primeira reação. Esse é o eye-tracking que faz diferença. O facial-recognition
que não soa oportunista. O que mostra o fato sem os filtros de aprovação. Você
riu? Bem, então não me venha depois tentar buscar uma lógica.
No momento em que as pessoas entram em uma sala de pesquisa,
elas não são as mesmas. Elas levam os seus medos, escondem seus instintos e
procuram fazer um papel respeitável perante a sociedade. Há um caso
esclarecedor na AlmapBBDO. O planejamento conduziu um estudo com consumidores
de duas maneiras: individualmente e depois em grupo. Uma das fases do estudo
consistia em colocar fotos em uma mesa para que eles escolhessem as favoritas.
Em casa, uma mulher escolheu quase o mesmo conjunto de imagens. Abdômens
trincados, Brad Pitts e coisas nojentas do gênero. A surpresa deu-se em grupo.
Ela ameaçou escolher uma barriga tanquinho, mas pudicamente preferiu puxar uma
máquina de lavar. Aquela mesma pessoa teve dois comportamentos com resultados
bem distintos. O problema é que insistimos em falar com a face que esconde as
verdades. Outro exemplo? Uma pesquisa na Austrália revelou que a primeira coisa
que os homens olham em uma mulher é o sorriso. Alguém acredita?
Nesse ambiente, Guerra nas Estrelas seria considerado
racista. Darth Vader teria que mudar de cor e o lado negro da força, idem. Tom
& Jerry seriam amigos e lutariam pelos direitos dos animais. Homer Simpson
beberia sucos orgânicos, Breaking Bad seria a história de construção de caráter
e redenção à família. Seria uma grande ode à vida como ela não é. Ouvi de orelhada
que o pior resultado de uma pesquisa na história de Hollywood pertence a Pulp
Fiction. Um dos melhores ficou com o mundialmente reconhecido: Akeelah and the
Bee. Percebe a diferença? Um vai ao encontro do que a média diz esperar. O
outro rompe com todas as linguagens. O consumidor, na pesquisa, prefere o
fofinho.
O processo kafkaniano tira um grande valor da área das
Humanas: a espontaneidade. Se eu conto uma piada, sei de imediato as reações.
Se eu conto uma história, sei pelos olhares se ela provoca tédio ou insônia.
Essa riqueza da emoção não pensada se esvai em ambientes controlados. Ainda
mais naqueles testes em que você tem que clicar enquanto vê o comercial. Os que
dizem que o vigésimo oitavo segundo do filme precisa ser mudado. Como se fosse
uma matemática exata.
Hora de uma outra história real. Dois filmes são testados.
Em um deles, o pack-shot foi melhor avaliado que no outro. O problema é que
eram os mesmos. Incrível, não? Nem o consumidor nem o moderador foram capazes
de perceber a diferença. Por quê? O foco é tão grande em achar defeitos que até
o que não é acaba por se tornar. Criando uma diferença onde não existe.
Dave Trott diz que as pessoas escutam experts porque isso as
isenta de culpa quando as coisas dão errado. O criador do airbag, Saburo
Kobayashi, diz que experts são pessoas com conhecimento suficiente para matar
uma ideia. Bill Bernbach disse há décadas, em tom de profecia: “the same data,
the same technology, are available to all of us. If we all use them in the same
way, we’re all going to end up doing the same thing.” No Brasil, essa frase tem
uma boa tradução: se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria
empatado.
Pesquisas deveriam indicar caminhos e não sublinhar os
medos. Deveriam apostar mais no instinto do que na busca da lógica. Acredito
muito na pesquisa que observa o consumidor. A que traz o não falado. Tempos
atrás, vi uma que ressaltava a importância do esmalte para a classe C. Que a
unha bem cuidada é um código de que a pessoa não trabalha com serviços
domésticos. Isso sim é uma rota. O briefing já vem pronto. No caso de Real
Beauty Sketches de Dove, o Anselmo Ramos descreve que parte do sucesso vem de
uma frase muito simples: apenas 4% das mulheres se consideram bonitas. Essa
verdade é o que importa. Do jeito que as pesquisas são realizadas hoje, elas
garantem o lucro. Ou batem a meta. Só que elas deixam de cumprir um papel fundamental
de qualquer marca: gerar valor. O que seria isso? O ato de entrar no Free Shop
e olhar pela primeira vez para um Cadbury por lembrar de um gorila tocando
bateria. Isso é valor. O lucro vem a reboque dessa mudança de comportamento.
Desabafo feito. Ufa. O incrível é que, mesmo assim, grandes
ideias ainda sobrevivem às pesquisas. Parecem imbuídas do mesmo instinto
daquele cara do filme 127 horas. Ficam ali, entre a rocha e o paredão de pedra.
E para escapar, muitas vezes, têm que cortar a mão. Mas aí, na hora de filmar,
a gente pede para o diretor quebrar um galho e tentar uma opção com a mão. Vai
que aprova.
Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/ponto_de_vista/2013/11/05/Um-pequeno-longo-tratado-sobre-pesquisas.html.
Acesso em 05 nov 2013.