Ruth Costas
9 de
outubro, 2013
Na última década, o número de matrículas no ensino superior
no Brasil dobrou, embora ainda fique bem aquém dos níveis dos países
desenvolvidos e alguns emergentes. Só entre 2011 e 2012, por exemplo, 867 mil
brasileiros receberam um diploma, segundo a mais recente Pesquisa Nacional de
Domicílio (Pnad) do IBGE.
"Mas mesmo com essa expansão, na indústria de
transformação, por exemplo, tivemos um aumento de produtividade de apenas 1,1%
entre 2001 e 2012, enquanto o salário médio dos trabalhadores subiu 169% (em
dólares)", diz Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia na
Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A decepção do mercado com o que já está sendo chamado de
"geração do diploma" é confirmada por especialistas, organizações
empresariais e consultores de recursos humanos.
"Os empresários não querem canudo. Querem capacidade de
dar respostas e de apreender coisas novas. E quando testam isso nos candidatos,
rejeitam a maioria", diz o sociólogo e especialista em relações do
trabalho da Faculdade de Economia e Administração da USP, José Pastore.
Entre empresários, já são lugar-comum relatos de
administradores recém-formados que não sabem escrever um relatório ou fazer um
orçamento, arquitetos que não conseguem resolver equações simples ou
estagiários que ignoram as regras básicas da linguagem ou têm dificuldades de
se adaptar às regras de ambientes corporativos.
"Cadastramos e avaliamos cerca de 770 mil jovens e
ainda assim não conseguimos encontrar candidatos suficientes com perfis
adequados para preencher todas as nossas 5 mil vagas", diz Maíra
Habimorad, vice-presidente do DMRH, grupo do qual faz parte a Companhia de
Talentos, uma empresa de recrutamento. "Surpreendentemente, terminamos com
vagas em aberto."
Outro exemplo de descompasso entre as necessidades do
mercado e os predicados de quem consegue um diploma no Brasil é um estudo feito
pelo grupo de Recursos Humanos Manpower. De 38 países pesquisados, o Brasil é o
segundo mercado em que as empresas têm mais dificuldade para encontrar
talentos, atrás apenas do Japão.
É claro que, em parte, isso se deve ao aquecimento do
mercado de trabalho brasileiro. Apesar da desaceleração da economia, os níveis
de desemprego já caíram para baixo dos 6% e têm quebrado sucessivos recordes de
baixa.
Mas segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta semana, os brasileiros com mais de
11 anos de estudo formariam 50% desse contingente de desempregados.
"Mesmo com essa expansão do ensino e maior acesso ao
curso superior, os trabalhadores brasileiros não estão conseguindo oferecer o
conhecimento específico que as boas posições requerem", explica Márcia
Almstrom, do grupo Manpower.
Causas
Especialistas consultados pela BBC Brasil apontam três
causas principais para a decepção com a "geração do diploma".
A principal delas estaria relacionada a qualidade do ensino
e habilidades dos alunos que se formam em algumas faculdades e universidades do
país.
Os números de novos estabelecimentos do tipo criadas nos
últimos anos mostra como os empresários consideram esse setor promissor. Em
2000, o Brasil tinha pouco mais de mil instituições de ensino superior. Hoje
são 2.416, sendo 2.112 particulares.
"Ocorre que a explosão de escolas superiores não foi
acompanhada pela melhoria da qualidade. A grande maioria das novas faculdades é
ruim", diz Pastore.
Tristan McCowan, professor de educação e desenvolvimento da
Universidade de Londres, concorda. Há mais de uma década, McCowan estuda o
sistema educacional brasileiro e, para ele, alguns desses cursos universitários
talvez nem pudessem ser classificados como tal.
"São mais uma extensão do ensino fundamental", diz
McCowan. "E o problema é que trazem muito pouco para a sociedade: não
aumentam a capacidade de inovação da economia, não impulsionam sua
produtividade e acabam ajudando a perpetuar uma situação de desigualdade, já
que continua a ser vedado à população de baixa renda o acesso a cursos de maior
prestígio e qualidade."
Para se ter a medida do desafio que o Brasil têm pela frente
para expandir a qualidade de seu ensino superior, basta lembrar que o índice de
anafalbetismo funcional entre universitários brasileiros chega a 38%, segundo o
Instituto Paulo Montenegro (IPM), vinculado ao Ibope.
Na prática, isso significa que quatro em cada dez
universitários no país até sabem ler textos simples, mas são incapazes de
interpretar e associar informações. Também não conseguem analisar tabelas,
mapas e gráficos ou mesmo fazer contas um pouco mais complexas.
De 2001 a 2011, a porcentagem de universitários plenamente
alfabetizados caiu 14 pontos - de 76%, em 2001, para 62%, em 2011. "E os
resultados das próximas pesquisas devem confirmar essa tendência de
queda", prevê Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do IPM.
Segundo Lima, tal fenômeno em parte reflete o fato da
expansão do ensino superior no Brasil ser um processo relativamente recente e
estar levando para bancos universitários jovens que não só tiveram um ensino
básico de má qualidade como também viveram em um ambiente familiar que
contribuiu pouco para sua aprendizagem.
"Além disso, muitas instituições de ensino superior
privadas acabaram adotando exigências mais baixas para o ingresso e a aprovação
em seus cursos", diz ela. "E como consequência, acabamos criando uma
escolaridade no papel que não corresponde ao nível real de escolaridade dos
brasileiros."
Postura e experiência
A segunda razão apontada para a decepção com a geração de
diplomados estaria ligada a “problemas de postura” e falta de experiência de
parte dos profissionais no mercado.
"Muitos jovens têm vivência acadêmica, mas não
conseguem se posicionar em uma empresa, respeitar diferenças, lidar com
hierarquia ou com uma figura de autoridade", diz Marcus Soares, professor
do Insper especialista em gestão de pessoas.
"Entre os que se formam em universidades mais renomadas
também há certa ansiedade para conseguir um posto que faça jus a seu diploma.
Às vezes o estagiário entra na empresa já querendo ser diretor."
As empresas, assim, estão tendo de se adaptar ao desafio de
lidar com as expectativas e o perfil dos novos profissionais do mercado – e em
um contexto de baixo desemprego, reter bons quadros pode ser complicado.
Para Marcelo Cuellar, da consultoria de recursos humanos
Michael Page, a falta de experiência é, de certa forma natural, em função do
recente ciclo de expansão econômica brasileira.
"Tivemos um boom econômico após um período de relativa
estagnação, em que não havia tanta demanda por certos tipos de trabalhos. Nesse
contexto, a escassez de profissionais experientes de determinadas áreas é um
problema que não pode ser resolvido de uma hora para outra", diz Cuellar.
Nos últimos anos, muitos engenheiros acabaram trabalhando no
setor financeiro, por exemplo.
"Não dá para esperar que, agora, seja fácil encontrar
engenheiros com dez ou quinze anos de experiência em sua área – e é em parte
dessa escassez que vem a percepção dos empresários de que ‘não tem ninguém bom’
no mercado", acredita o consultor.
'Tradição bacharelesca'
Por fim, a terceira razão apresentada por especialistas para
explicar a decepção com a "geração do diploma" estaria ligada a um
desalinhamento entre o foco dos cursos mais procurados e as necessidades do
mercado.
"É bastante disseminada no Brasil a ideia de que cargos
de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até
porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus
salários."
Gabriel Rico
De um lado, há quem critique o fato de que a maioria dos
estudantes brasileiros tende a seguir carreiras das ciências humanas ou
ciências sociais - como administração, direito ou pedagogia - enquanto a
proporção dos que estudam ciências exatas é pequena se comparada a países
asiáticos ou alguns europeus.
"O Brasil precisa de mais engenheiros, matemáticos,
químicos ou especialistas em bioquímica, por exemplo, e os esforços para
ampliar o número de especialistas nessas áreas ainda são insuficientes",
diz o diretor-executivo da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Gabriel Rico.
Segundo Rico, as consequências dessas deficiências são
claras: "Em 2011 o país conseguiu atrair importantes centros de
desenvolvimento e pesquisas de empresas como a GE a IBM e a Boeing", ele
exemplifica. "Mas se não há profissionais para impulsionar esses projetos
a tendência é que eles percam relevância dentro das empresas."
Do outro lado, também há críticas ao que alguns vêem como um
excesso de valorização do ensino superior em detrimento das carreiras de nível
técnico.
"É bastante disseminada no Brasil a ideia de que cargos
de gestão pagam bem e cargos técnicos pagam mal. Mas isso está mudando – até
porque a demanda por profissionais da área técnica tem impulsionado os seus
salários", diz o consultor.
Rafael Lucchesi concorda. "Temos uma tradição cultural
baicharelesca, que está sendo vencida aos poucos”, diz o diretor da CNI – que
também é o diretor-geral do Senai (Serviço Nacional da Indústria, que oferece
cursos técnicos).
Segundo Lucchesi, hoje um operador de instalação elétrica e
um técnico petroquímico chegam a ganhar R$ 8,3 mil por mês. Da mesma forma, um
técnico de mineração com dez anos de carreira poderia ter um salário de R$ 9,6
mil - mais do que ganham muitos profissionais com ensino superior.
"Por isso, já há uma procura maior por essas formações,
principalmente por parte de jovens da classe C, mas é preciso mais
investimentos para suprir as necessidades do país nessa área", acredita.
Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131004_mercado_trabalho_diplomas_ru.shtml.
Acesso em 07 jan 2014.