Mirela Portugal
22/01/2014
“Todo mundo gosta de andar bonito. Gosta de
andar com as roupas de marca, as coisas de lançamento, andar no estilo”. A
afirmação é Bruno Felice, um dos adolescentes organizadores de rolezinhos em
São Paulo, em entrevista à EXAME.com. "Meninas que usam Lacoste acho
perfeito", escreveu Bruno em uma postagem de seu perfil no Facebook.
Desde que se tornaram assunto país afora, os adolescentes
que participam dos rolezinhos tiveram o seu perfil dissecado. O estilo
rolezinho ganhou contorno: os bonés, tênis, camisas, óculos espelhados e
sapatos podem carregar etiquetas de grifes renomadas ou o logotipo de uma marca
de luxo.
Produtos que chegam a cifras razoáveis, como os das marcas
Abercrombie & Fitch, John John, Quicksilver, Hollister, Osklen, Nike e
Adidas também fazem parte da lista dos mais valorizados pelos jovens, em sua
maioria pertencentes às classes populares.
É um fenômeno parecido com o dos bondes das marcas, tema de
pesquisa da antropóloga Lucia Scalco, da UFRGS, em 2009. Na época, grupos de
amigos da periferia iam juntos para shoppings de Porto Alegre se divertir,
olhar as vitrines dessas grifes e fazer compras, sempre usando suas melhores
roupas.
“Percebemos que as marcas eram muito valorizadas pelo grupo,
e que isso contribuía para o seu processo de criação de identidade. As roupas e
acessórios tornaram-se sinônimos de status e de prestígio”, diz a especialista.
Lucia fala que, feitas as contas, para esses jovens as
roupas valem o investimento: “Eles dizem que custa caro, mas compensa. O
vestuário ganha uma dimensão central. ‘Aparência é tudo, mostra quem tu é’,
defendem . Nesse contexto vale a pena fazer grandes sacrifícios para se
sentirem incluídos”, diz Lucia.
Do outro lado desse ritual estão as grifes que ganharam
visibilidade com o assunto. As marcas não se manifestaram oficialmente ou
tentaram criar barreiras até o momento, papel que tem sido desempenhado pelas
administradoras dos shoppings, como a Alshop (Associação Brasileira de Lojistas
de Shopping).
Por enquanto, elas se restringiram a conviver com a
publicidade espontânea de um consumidor que não faz parte do seu público-alvo
prioritário. Um paradoxo no caso do
mercado de luxo, que vive da exaltação à exclusividade e ao valor agregado. Mas
isso não significa intrinsecamente um risco, defendem alguns especialistas.
“É difícil que uma marca usada ou desejada por esse grupo
fique estereotipada como uma marca dos rolezinhos. Essas grifes já faziam parte
da rotina desses jovens antes, não é uma novidade gerada pelos encontros”,
explica Fabio Mariano Borges, especialista em comportamento do consumidor e
professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).
Segundo o professor, há ainda uma diversidade de nomes, que
ajuda a pulverizar o comportamento. “Não temos espontaneamente uma marca única,
que se tornou ícone do movimento”, afirma Borges.
Esses jovens conectados, que se sentem incluídos como
consumidores, ajudam a criar uma nova faceta para as marcas que adotam, diz
Michel Alcoforado, sócio-diretor da consultoria Consumoteca. "A
palavra-chave para as marcas é adaptação. Elas precisarão se acostumar a esse universo.
A briga pelo posicionamento de imagem de uma marca não está mais apenas no colo
da empresa nem da agência de publicidade, mas do consumidor também, que é cada
vez mais capaz de criar conteúdo relevante a respeito dela", afirma.
Disponível em http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/quando-as-marcas-saem-para-dar-um-rolezinho?page=1.
Acesso em 23 jan 2014.