Leonardo Honorato Costa
11 de agosto de 2013
Não há ineditismo, nem causará surpresa ao leitor, a
afirmação de que o Brasil é um dos países com a maior carga
jurídica-obrigacional aos empresários (tributária, regulatória, burocrática,
trabalhista, entre tantas outras).
Acresça-se a isso a forte concorrência, em nosso mercado
interno, de países estrangeiros que não apresentam a metade de tais obrigações
jurídicas e, pronto, o cenário está montado: ser empresário no Brasil hoje,
conquanto atrativo, não é tarefa fácil cujo sucesso será alcançado por qualquer
aventureiro.
Entre tantos efeitos dessa realidade, um merece destaque
especial, para o desenvolvimento da reflexão a ser feita no presente texto:
cresceu, nos últimos anos, de maneira acentuada, o informalismo na exploração
de atividades econômicas de baixa expressão.
E, sabemos, informalismo é algo que desagrada,
conspicuamente, o Poder Público, pois que significa impossibilidade de
regulação (essa sanha insaciável do Estado de controlar a tudo e a todos) e,
principalmente, não recolhimento de tributos.
Foi visando sanar esse “desconforto” que o Poder Público, em
2008, editou a Lei Complementar nº 128 que, entre outras coisas, alterou a Lei
Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, criando a figura do
microempreendedor individual, o famoso MEI.
A intenção legislativa não foi outra que não desestimular o
informalismo entre os empresários individuais que aufiram receita bruta anual
de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).
Vejamos o que a lei (Lei Complementar nº 123/06, alterada
pela 128/08), hoje, considera como MEI:
Art. 18-A. O
Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos
e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais,
independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista
neste artigo.
§ 1o Para os efeitos
desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual a que se
refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),
que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$
60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja
impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo.
O problema, a ser denunciado no presente e breve artigo,
está justamente nesses “impedimentos” indicados na parte final do §1º acima
transcrito. Impedimentos que estão previstos no mesmo Estatuto normativo, em
seu parágrafo 4º:
§ 4o Não poderá optar
pela sistemática de recolhimento prevista no caput deste artigo o MEI:
I – cuja atividade seja tributada pelos Anexos IV ou V desta
Lei Complementar, salvo autorização relativa a exercício de atividade isolada
na forma regulamentada pelo Comitê Gestor;
II – que possua mais de um estabelecimento;
III – que participe de outra empresa como titular, sócio ou
administrador; ou
IV – que contrate empregado.
Pelo destaque feito acima, o leitor pode perceber que não
pode optar pelo recolhimento privilegiado da lei aquele que “participe de outra
empresa como titular, sócio ou administrador”.
Sequer me preocuparei, aqui, em criticar a reiterada, e
quase primária, imperfeição legislativa ao utilizar-se do termo “empresa”
quando pretendia falar em sociedade empresária.
Limitar-me-ei a tratar do que de fato importa à reflexão
proposta: o impedimento, utilizando-me de regra de hermenêutica básica segundo
a qual não se pode interpretar além do que a lei expressamente diz,
restringe-se ao sócio, titular ou administrador de outra sociedade empresária.
Consequência lógica disso: aquele que titularizar,
associar-se ou administrar sociedade não empresária pode, sim, enquadrar-se
como MEI e auferir as benesses de seu regime jurídico. Certo?
Bem, pelo menos era assim que suspeitava, até ser
surpreendido.
Foi quando, recentemente, um cliente, sócio de um escritório
de advocacia, tentou registrar-se como MEI. A resposta, pasme-se: “para
inscrever-se como Microempreendedor Individual não é permitido ser responsável
por empresa ou ser participante do quadro de sócios e administradores.”
Analisemos esse “indeferimento”.
Sociedade de advogados, por força de lei (Estatuto da
Advocacia), não é considerada empresária:
Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de
prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no
regulamento geral.
§ 1º. A sociedade de advogados adquire personalidade
jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho
Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.
Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar,
as sociedade de advogados que apresentem forma ou características mercantis,
que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à
advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido
de advogar.
(...)
§ 3º. É proibido o registro, nos cartórios de registro civil
de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre
outras finalidades, a atividades de advocacia.
Ora, se sociedade empresária não é (ou “empresa”, como
equivocadamente conceitua o legislador), seus sócios não se veem legalmente
impedidos de exercer uma atividade econômica registrando-se, para tanto, como
MEI, caso presentes os requisitos legais.
Não há conclusão mais cristalina que essa.
Ocorre que o registro (ou formalização, como se diz na
prática) do MEI, atualmente, é feito pela internet no site do Portal do Empreendedor.
Quando se criou tal site, esqueceu-se de separar, quando do preenchimento do
registro, o sócio de sociedade empresária daquele sócio de sociedade não
empresária.
Nesses moldes, quando o potencial empresário (pois o
registro deve ser feito antes da exploração da atividade para ser, desde o
princípio, regular) vai registrar-se, ao indicar seu CPF, o site busca
informações compartilhadas e identifica a condição de sócio, não distinguindo
sócio de sociedade empresária do de não empresária.
O registro é, portanto, indeferido de plano.
O que cabe ao potencial empresário? Segundo o Manual do
Processo Eletrônico de Inscrição do MEI: “Caso seja apontado um impedimento por
participação em outra empresa (e que não corresponda à verdade), o empreendedor
deverá, antes de fazer a inscrição, corrigir a situação cadastral da outra
empresa perante a Receita Federal do Brasil e Secretarias de Fazenda Estadual e
Municipal.”
“Corrigir a situação cadastral da outra empresa”, para o
Manual, seria dar baixa no cadastro. O Manual limita-se, portanto, a orientar a
solução da específica situação em que o potencial empresário não é sócio de
sociedade alguma (empresária ou não), caso em que precisaria regularizar a
situação cadastral para que não conste como tal em tais cadastros fazendários.
Como o sócio de sociedade de advogados irá “corrigir” uma
situação cadastral que está perfeitamente adequada?
Fica o potencial empresário, assim, refém de um impedimento
ilegal, sem meios administrativos hábeis a solucionar sua celeuma.
Deixo registrada, portanto, uma sugestão aos responsáveis
pelo site para que (eles sim) corrijam um sério equívoco cadastral, que vem
causando transtornos a milhares de potenciais empresários que, às vezes sem
saber, estão sendo privados de um direito legalmente instituído (registrar-se
como MEI).
Disponível em
http://www.conjur.com.br/2013-ago-11/leonardo-costa-questao-microeemprendedor-individual-merece-solucao.
Acesso em 12 ago 2013.