Gabriel Ferreira
17/07/2014
Desde fevereiro deste ano, os funcionários da
sede da Michelin no Brasil podem trabalhar uma vez por semana de casa. Com sede
na avenida das Américas, uma das vias de trânsito mais intenso do Rio de
Janeiro, a empresa descobriu, em 2012, ao realizar uma pesquisa de clima, que
esse tipo de política era uma demanda importante entre seus funcionários.
Desde então, esforçou-se para desenvolver um programa de
trabalho remoto que atendesse tanto as necessidades da empresa quanto as dos
funcionários. “Foi feito um projeto-piloto que superou muito nossas
expectativas, e resolvemos estender o benefício aos demais funcionários da
sede”, afirma Priscilla Zanatelli, gerente de política de diversidade e
qualidade de vida da Michelin para a América Latina.
Segundo Priscilla, dos 302 funcionários que participaram da
fase de testes da política de home office, 97% ficaram muito satisfeitos com os
resultados. Uma das que aprovaram a iniciativa foi a especialista em
certificação de produtos Jacqueline Silveira, de 32 anos. “Foi uma experiência
completamente nova, e adorei”, afirma.
Há oito anos na Michelin, ela começou a testar o trabalho
remoto em setembro do ano passado, dentro do projeto-piloto. Desde que
conquistou o direito de trabalhar uma vez por semana em casa, Jacqueline tem se
sentido mais produtiva. “Até prefiro deixar as atividades que exigem mais
atenção para fazer fora do escritório.”
Para isso, ela procurou deixar a rotina em casa o mais
parecida possível com a que tem na empresa. Segundo Jacqueline, a maior
diferença é que, livre do desgaste do trânsito, ela consegue acordar um pouco
mais tarde e, com isso, trabalhar bem mais descansada.
A iniciativa da Michelin reflete uma tendência de mercado no
Brasil. De acordo com a consultoria Top Employers Institute, 14% das empresas
brasileiras têm programas formais de home office. Parece pouco, mas corresponde
a mais do que o dobro dos 6% registrados no ano anterior.
Por trás desse aumento, há uma série de fatores. Além de uma
melhora na aprovação junto aos funcionários, as empresas conseguem realizar
cortes de custos significativos ao permitir que os empregados trabalhem em
casa. Na Ticket, por exemplo, o home office permitiu fechar 24 filiais
espalhadas pelo Brasil e economizar 3,5 milhões de reais que eram gastos com
aluguel e manutenção de equipamentos.
As companhias também ganham com o aumento da produtividade.
Um levantamento da Fundação Getulio Vargas estima em 26 bilhões de reais as
perdas anuais da cidade de São Paulo por causa do tempo gasto no trânsito.
Em alguns casos, os ganhos trazidos pelo home office são tão
significativos que as empresas começam a criar funções em que trabalhar em casa
seja a regra, e não a exceção — um sistema que ficou conhecido como home based.
É o caso da Gol. Desde 2008, a companhia aérea vem
investindo nesse esquema de trabalho em um dos setores mais sensíveis de sua
operação: o atendimento ao cliente. Em vez de manter grandes estruturas de call
center, a empresa tem contratado funcionários para desempenhar essa função
diretamente de casa.
“Notamos aumento até na satisfação dos clientes com o
serviço prestado”, afirma Rogério Pereira Nunes, diretor de relacionamento com
o cliente da Gol. Atualmente, dos cerca de 1 500 atendentes, dois terços
trabalham no sistema home based.
Estruturar esses novos modelos de trabalho, porém, envolve
desafios.
Especificamente no caso brasileiro, a legislação é vista
pelos empregadores como um dos principais entraves — o que ajuda a entender por
que o índice brasileiro de empresas que adotam o home office é tão mais baixo
do que o de outros países, como a Holanda, onde 67% das empresas têm políticas
formais de trabalho remoto, segundo a Top Employers.
“A percepção de que a legislação brasileira é contra o home
office não é totalmente certa”, diz Mônica Carvalho, da Brasil Labore,
consultoria especializada em trabalho remoto. “O próprio Tribunal Superior do
Trabalho já adota essa política para seus servidores”, afirma.
Para evitar problemas, o ideal é que a política de home
office seja formalizada, com direitos e deveres da empresa e do empregado bem
definidos, e não um acordo informal entre gestores e subordinados — prática
ainda comum no Brasil, mas que abre brechas para contestações.
Fatores culturais também podem desestimular a adoção do
sistema. Em muitas companhias, ainda impera uma maior valorização do esforço do
que do resultado. Assim, o profissional que aparece todos os dias no escritório
acaba sendo mais valorizado do que aquele que trabalha em casa — mesmo que o
último seja mais produtivo e entregue mais resultados.
Um estudo conduzido pelos pesquisadores Kimberly Elsbach e
Daniel Cable, da Universidade da Califórnia e da London Business School,
mostrou que o praticante de home office tem até 25% menos chance de ser
promovido do que quem trabalha presencialmente.
Para contornar essa situação, as companhias que adotam o
home office têm buscado conscientizar seus gestores. “É um processo importante
de adaptação. Temos de mostrar para eles que isso é importante para o empregado
e para a empresa”, diz Priscilla, da Michelin.
No caso da Gol, foi necessário até substituir alguns executivos.
“Era uma mentalidade muito nova e precisávamos de gente que estivesse aberta a
isso”, conta Rogério. Como resultado, a empresa diz que, hoje, a maior parte
das promoções se dá entre os funcionários que trabalham em casa. “Em geral,
eles apresentam melhores resultados e são recompensados por isso”, diz o
diretor da Gol.
Para que o empregado possa produzir em casa tanto quanto no
escritório, também é preciso investir em sistemas e equipamentos que facilitem
a conectividade. Foi o que fizeram Dell e Philips, que também contam com
políticas de trabalho remoto. “Precisamos trocar desktops por laptops, investir
em celulares e em equipamentos para reuniões a distância”, afirma Cristiane
José, gerente de RH da Philips.
Segundo Daniela Wajman, gerente de marketing e produtos da
Voitel, empresa de produtos e serviços de conectividade, a busca dessas
soluções tecnológicas tem crescido no Brasil, mas não resolve por si só os
desafios do teletrabalho.
“Por incrível que pareça, em dias de caos urbano, como
greves e protestos, em vez de mandar os empregados trabalhar em casa, as
empresas simplesmente dispensam a equipe”, diz Daniela. “Parece incoerente, mas
está ligado à falta de cultura de trabalho remoto.”
Disponível em http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/noticias/pegando-no-batente-sem-sair-de-casa.
Acesso em 29 out 2014.