Cauê Fabiano
Tramita no Senado, desde maio de
2006, um projeto de
lei do senador Valdir Raupp (PMDB-RO) que pretende criminalizar “o ato de fabricar, importar,
distribuir, manter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos
aos costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e
símbolos”, conforme o próprio texto da proposta, que prevê pena de até cinco
anos de reclusão para os responsáveis por comercializar esses bens, além da
destruição deste material.
O jornal O Globo
publicou uma reportagem a
respeito do assassino do bairro do Realengo, na capital carioca, na qual o
autor do crime utilizaria sites para discutir mensagens religiosas e sobre
jogos como GTA e Counter-Strike (das produtoras norte-americanas Rockstar Games
e Valve, respectivamente).
Segundo o jornal, nesses títulos,
o jogador “municia a arma com auxílio de um speed loader, um carregador rápido
para revólveres” e que “nos dois jogos, acumula mais pontos quem matar
mulheres, crianças e idosos”.
As informações desencontradas
sobre os jogos citados enfureceram os leitores da publicação e usuários no
Twitter, que viram uma associação direta entre os games e os comportamentos de
Wellington Menezes.
O texto foi editado e essas
informações, retiradas, sem qualquer aviso ou errata. A ACI Games (Associação
Comercial, Industrial e Cultural de Games) chegou a escrever uma longa
resposta à reportagem assinada
pelos jornalistas Antônio Werneck e Sérgio Ramalho, classificando-a como
“terrorismo travestido de prestação de serviço”, citando na carta estudos
feitos em Harvard (como o livro "Grand Theft Childhood: The
Surprising Truth About Violent Video Games and What Parents Can Do"),
no qual os pesquisadores afirmam que as crianças, por mais que gostem de jogar
com os vilões, não desejam ser um deles.
Videogames e assassinatos
Games violentos foram diversas
vezes associados como fatores de comportamentos agressivos (pode-se dizer até
psicóticos) através da mídia em geral. Dois exemplos muito conhecidos foram o
massacre no Instituto Columbine, em 1999, no qual dois estudantes entraram
armados na instituição, matando 12 estudantes e um professor, suicidando-se ao
final do ato.
No Brasil, houve o episódio do
“atirador do cinema”, em que Mateus da Costa Meira, à época estudante de
medicina, entrou durante a exibição do filme “Clube da Luta” no shopping
Morumbi, na capital paulista, e disparou com uma submetralhadora, resultando
num saldo de 3 mortos e mais 4 feridos.
Enquanto que, no Brasil, os
advogados de Meira argumentaram que o estudante teria sido influenciado pelo
jogo Duke
Nukem 3D (no qual há um momento em que o
personagem atira em
monstros em um cinema), no caso de Columbine especialistas alegaram
que os assassinos estavam sob efeito de imersão causado pela exposição
excessiva ao Doom, game
clássico para PC.
Um artigo escrito pelo Dr. Jerald
Block, especialista da Oregon Health & Sciences University, afirma,
inclusive, que os estudantes haviam criado um cenário no
game baseado na própria arquitetura do Instituto.
Voltando para o caso do massacre
do Rio de Janeiro, somados a esses dois episódios, continua a pergunta: afinal,
jogos violentos são causas diretas de psicoses, independentemente de seus
pacientes, ou os games são apenas catalisadores? Se eles influenciam certos
casos? Sim; mas só após as instituições de construção do sujeito terem falhado
ou sido absolutamente ausentes, na infância, para compor a psique da pessoa.
“Determinados sujeitos com uma
patologia podem ter o jogo como detonador para um surto, mas não como causa.
Não é uma relação de causa e efeito” afirma a professora Lynn Alves, doutora em
Educação e Comunicação pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autora do
livro “Game Over: Jogos Eletrônicos e Violência".
De acordo com professora, a
associação entre games e comportamentos agressivos dos jovens acontece hoje da
mesma maneira que, durante os anos 60 e 70, foi feito com a televisão e com o
cinema. “Wellington já tinha o comportamento. O jogo entrou porque é muito
fácil [fazer a ligação]" aponta Alves.
“Eu descarrego minha raiva no videogame”
“[Os jogos] não influenciam em
nada. A violência está na pessoa” disse Moacyr Alves Junior, criador do Jogo Justo, projeto que visa a
diminuição dos impostos nos games importados no Brasil, e que deve ganhar sua segunda
edição ainda no primeiro semestre, com mais games e maior duração.
Alves Junior descarta uma relação
direta entre os jogos e comportamentos violentos e defende, entretanto, atenção
à indicação das produtoras – e do Ministério da Justiça - em relação ao público
adequado para cada título.
“Jogo violento é ficção. Você joga
um game de tiro e não vira profissional de tiro. A pessoa não joga Mortal
Kombat e sai na rua dando um Fatality
(alusão ao golpe de misericórdia do jogo). Sou a favor de uma classificação
etária: uma criança de 6 anos jogandoGod of War não é legal”, ponderou.
O game na escola e o papel da família
Por mais que alguns títulos não
sejam especificamente educativos ou didáticos – entende-se títulos de tiro em
primeira pessoa, por exemplo – isso não exclui a possibilidade de que os gamers
possam aprender e até fixar conteúdos do vestibular através dos jogos.
“Isto chama-se aprendizagem
colateral, o que fomenta a curiosidade do aluno por novas informações. Assim,
os jogos transpõem seus objetivos” explicou a pesquisadora, citando um episódio
em que um colega, ao citar Cratos em uma aula, obteve como resposta de um aluno
informações sobre mitologia grega, que, de acordo com ele, foram obtidas
através de um game. “Por mais violento que God of War seja, ele mobiliza e ensina” completou Alves.
O vilão da história, desta forma, não é o game, mas sim as deficiências durante
a construção do sujeito, lacunas que não foram exploradas por instituições como
a escola e, principalmente, pela família.
“O conteúdo do jogo tem que ser
mediado pela família. Os pais que não conhecem podem ver o conteúdo do jogo no
YouTube e a partir da classificação do Ministério da Justiça” recomendou Lynn
Alves.
A professora afirma ainda que,
para o indivíduo sadio, o universo do videogame não passa de um espaço de
catarse, e que, caso ele tenha que matar, não há necessidade de transpor a
tela.
Não se trata de uma defesa aos jogos que apostam em temáticas sangrentas e
perturbadoras ou aqueles que retratam com uma verossimilhança assustadora a
realidade, que já é violenta o suficiente (a exemplo de títulos famosos como Black
Ops ou Battlefield 3, que será lançado
em novembro deste ano). Enquanto que publicações como o Guia do
Estudante sugerem o Call of Duty
como forma alternativa de estudo para o ENEM, visto a temática da
Segunda Guerra Mundial, é preciso atentar à visão maniqueísta a qual os jogos
têm sido sujeitos, funcionando como válvulas de escape para tentar explicar o
que, às vezes, não tem explicação; a violência está, infelizmente, em todos os
lugares.
Cabe refletir em que momentos existe apologia a comportamentos irresponsáveis
e, em outros, a omissão daqueles que são os agentes sociais mais importantes,
responsáveis por cuidar dos jovens. Enquanto as escolas precisam dar mais
atenção a temáticas como o bullying, por exemplo, os pais redobrem a atenção em relação à rotina e as
escolhas de seus filhos, assim como atentar aos medos, dificuldades ou até transtornos
de sua prole.
É difícil não culpar os games;
fácil é dar de presente a um pré-adolescente o jogo de tiro do momento, em nome
de uma tarde silenciosa e tranqüila para os pais.