Do alto da experiência de quem criou o primeiro departamento de marketing no Brasil, em 1971, no Itaú, Francisco Alberto Madia de Souza propõe mudanças fundamentais nas empresas para que elas melhorem sua rentabilidade. Mais do que isso, para elas continuarem existindo, uma vez que os problemas em comunicação, posicionamento e relacionamento com clientes são cada vez maiores e constantes.
Projetos de relacionamento com todos os
stakeholders, design e conteúdo como elemento diferenciador de marca são três
das principais questões que as empresas precisam focar nos dias de hoje.
Presidente da Academia Brasileira de Marketing e autor dos livros
"Marketing Trends”, "Marketing Pleno", "Os Axiomas do
Marketing", "Datamarketing Behavior - Introdução ao Marketing de 6ª
Geração" e "Causos de Marquetim", Madia também propõem mudanças
mais drásticas no segmento.
“Eu acabaria com os gerentes de produto nas
empresas. Só teria gerente de clientes. Transformaria o gerente de produto em
gerente de clientes”, aponta Francisco Madia em entrevista, após palestra para
executivos sobre Tendências no WTC Business Club, realizada no Comitê de
Marketing Trends. Um dos pais do marketing no Brasil e responsável pela
disseminação do que ele chama de religião no país, Madia toca em assuntos
tabus.
Um dos principais deles diz respeito ao fato de
muitos profissionais de marketing renegarem o que seus antecessores
desenvolveram quando assumem em uma nova empresa. “Não sei porque tem que ser
assim, mas infelizmente, toda vez que uma empresa contrata um novo executivo, a
primeira coisa que ele faz é acabar com tudo que diz respeito à administração
anterior”, atesta o Diretor Presidente e Sócio do Madiamundomarketing para, em
seguida, fazer questionamentos que podem ensinar a muitos profissionais.
Acompanhe a entrevista completa a seguir.
O que as empresas precisam para não perder clientes
e fazer com que eles aumentem seus gastos com elas?
Francisco Madia: Por uma série de razões que nunca vamos entender
bem é da natureza humana se atrair pelo que está distante. Por outro lado, as
empresas fazem um esforço danado para concretizar uma primeira venda e depois
dão as costas. A primeira providência a ser tomada é preservar o cliente,
disseminando essa cultura dentro da empresa. Além disso, como a concorrência é
muito grande, nem sempre você tem 100% dos gastos do cliente na empresa.
Somente dando atenção e seduzindo este consumidor sempre é que se conseguirá
fazer com que as compras sejam concentradas, tendo 100% de share of client. Você
tem que estudar, permanentemente, a possibilidade de agregar novos produtos e
serviços dentro daquilo que você faz e ter o reconhecimento do cliente. Não
caia na tentação de se meter a fazer algo que não tenha nada a ver com você.
Por isso vemos tantas empresas sem posicionamento
hoje em dia.
Francisco Madia: Isso acontece muito. A empresa começa bem e
depois se desposicionam. O Fleury, por exemplo, caiu em tentação e foi
concorrer com seus principais parceiros quando criou o Hospital Day, tanto que
eles venderam recentemente. E olha que estamos falando do Fleury que tem uma
qualidade inquestionável.
O que as empresas podem fazer para não perderem o
foco?
Francisco Madia: Não há nada que pode ser feito. Isso depende de
maturidade e de sensibilidade. Não existe antídoto para não cair em tentação.
Tem que tentar respirar três vezes e usar a sensibilidade. Se fosse possível
não cair em tentação, seguramente o mundo seria dominado por três ou quatro
organizações.
Hoje em dia todos os produtos e serviços concorrem
entre si. Como atuar neste ambiente em que a carteira é a mesma, mas há muitas
opções?
Francisco Madia: Antigamente os professores
falavam que geladeira concorria com geladeira, fogão com fogão e automóvel com
automóvel, mas, de vez enquanto, o automóvel poderia concorrer com uma viagem
para a Europa ou com a entrada de um apartamento. Hoje, a concorrência é ampla,
geral e irrestrita por causa da moeda tempo. Vamos ganhar mais dinheiro, mas
não teremos mais tempo. Teremos que fazer opções e descartar serviços. Nós já
fazemos isso todo ano quando deixamos de usar um serviço e optamos por outro.
Hoje, as crianças não esperam mais o Wii ligar. Elas pegam o Ipad e saem
jogando. Os meus netos fazem isso. As pessoas estão privilegiando tudo que está
mais acessível e que poupa tempo. Olha o Twitter. O Facebook vai matar ele
porque é muito mais completo, rápido e inteligente.
Em palestra no WTC você falou que as empresas estão
perdidas em sua comunicação. O que elas devem fazer?
Francisco Madia: Elas precisam de ajuda externa, como a gente que
é um clínico geral que pensa e planeja comunicação sob a lógica do receptor da
mensagem. Nós não temos nenhum partido, a nossa religião é o marketing. Se eu
torcer o pé e for ao otorrino ele vai operar a minha garganta. As empresas
precisam mapear corretamente quais são os seus principais stakeholders e
identificar quais são as ferramentas mais eficazes para se relacionar com eles
e depois desenvolver conteúdo para cada uma destas ferramentas.
Conteúdo para marca é uma tendência para envolver o consumidor?
Conteúdo para marca é uma tendência para envolver o consumidor?
Francisco Madia: Não tenho a menor dúvida de que todo o
processo de comunicação obrigatoriamente passa por conteúdo. Um conteúdo que
tenha pertinência, relevância e contexto adequado. Conteúdo hoje é uma
palavra-chave em tudo que a empresa fez. Agora, tudo isso é muito velho. O Pai
do Roberto Medina foi quem inventou isso aqui no Brasil quando importava
televisão para vender e criou um programa de TV.
Essa é uma boa questão porque toda hora há uma
novidade que todos correm atrás para desenvolver. Até que ponto temos muitas
coisas antigas requentadas e outras realmente novas?
Francisco Madia: Há coisas muito velhas que não são aplicadas. O
CRM, por exemplo, é algo de 1986 que as empresas começaram a fazer somente em
2000 e quase nenhuma faz direito. A bola da vez hoje é as empresas organizarem
a sua comunicação própria e complementarem com as outras formas de comunicação
porque elas viraram mídia também.
Você acredita bastante que o design é um elemento
diferenciador de marca. Por quê?
Francisco Madia: O conceito moderno de design é a
soma das manifestações de uma empresa. O design não se resume a uma xícara. Ele
tem tudo a ver como o presidente da empresa se veste, da maneira como ele fala
e de como você é recebido nas lojas da empresa. O design hoje é o conceito do
todo e é essencial. É a coisa mais importante no marketing moderno. É o design
que define o único fator de diferenciação de uma empresa para a outra, que é
estilo e personalidade. Não é o que você faz, mas como você faz.
Outra tendência é investir em inteligência de
mercado. Por quê?
Francisco Madia: De novo pelo tempo. Em quase quatro anos, na
década de 1970, eu fiz cinco mil pesquisas. Normalmente, para se fazer uma
pesquisa dentro dos fundamentos é um processo que não leva menos do que três
meses. Ela continua válida, mas só posso recorrer à pesquisa tradicional se
estou pensando daqui a 10 anos. O que tenho que fazer hoje, no entanto, é estar
com o pulso do mercado e do ambiente o tempo todo.
É preciso estar de olho nas redes sociais, por
exemplo. Mas para isso, é necessário ser autêntico e transparente. O que o caso
recente da Brastemp pode nos ensinar?
Francisco Madia: O processo de construção da marca Brastemp foi
brilhante. Faz parte da história do marketing de qualidade deste país, mas a
marca ficou maior do que as práticas da empresa. A promessa acabou
transcendendo e ela não se organizou para cumprir os compromissos que assumiu.
O sintoma mais claro de que a Brastemp já não era mais uma Brastemp foi no dia
que ela resolveu mudar de agência de publicidade e renegou um dos mais
extraordinários conceitos construídos neste país até hoje e inventou um raio do
Lado B. A partir daí, ela estava reconhecendo que já não era tudo aquilo que
dizia que era. Neste caso, a marca pecou pela autenticidade que tinha. Esse
caso ensina que as empresas têm que rever a estrutura da organização.
Elas precisam se desconstruir e focar no
relacionamento.
Francisco Madia: Não sei mais se as empresas precisam de
gerente de produto. Eu acabaria com os gerentes de produto nas empresas. Só
teria gerente de clientes. Transformaria o gerente de produto em gerente de
clientes e o colocaria na frente do computador e no ponto de venda monitorando
o relacionamento do cliente com a marca. Estamos num novo mundo, mas as
empresas continuam se comportando com as mesmas convenções e rituais. A
ideologia do marketing tem que estar na empresa como um todo.
Você contou a história de que houve uma época em
que se pensou em descontinuar a Barbie e hoje ela é caso de sucesso.
Francisco Madia: Não sei porque tem que ser assim, mas
infelizmente toda vez que uma empresa contrata um novo executivo a primeira
coisa que ele faz é acabar com tudo que diz respeito à administração anterior.
Por que ele não ganha perdendo 30 ou 60 dias para conhecer as pessoas e se
inteirar do que existe para que ele possa dar sequência a uma coisa ou,
eventualmente, corrigir alguns erros? Por que ele tem que chegar, dar as costas
para a empresa e acabar com tudo o que foi feito? Isso acaba liquidando muitos
produtos e até marcas inteiras.
Estou com uma ponta de desesperança, uma vez que
você diz que não há solução para muitos problemas que o marketing vive. Será
que nunca existirá um marketing 100% bem feito?
Francisco Madia: Que bom. Felizmente nós erramos, falhamos e isso
é da justiça humana. O marketing 100% bem feito existe em seus fundamentos. O
ser humano é que olha para a ferramenta e muda. A empresa moderna tem que se
colocar na pele do cliente 24 horas por dia, passar por tudo o que ele passa e
sentir tudo que ele sente para tentar entender para onde ele está caminhando, o
que ele está querendo, o que ele está precisando, o que ele não precisa e vai
precisar.