Claudia Penteado
23 de dezembro de 2013
Ao subir ao palco para receber seu prêmio de Destaque de
Comunicação da ABP (Associação Brasileira de Propaganda) há algumas semanas,
Ana Couto, da Ana Couto Branding, foi taxativa: “Fui indicada três vezes e
finalmente ganhei. Se não ganhasse não viria mais à festa”. A impaciência
procede: ela está no mercado desde 1993 e foi a primeira designer do país a
aplicar os conceitos de branding a seu trabalho, quando sequer se falava do
tema. Ela comenta nesta entrevista que mais do que nunca o branding se faz necessário.
Você praticamente inventou o branding no Brasil. Ou pelo
menos foi quem o trouxe para perto do design?
Isso tem um fio condutor bem claro. Na verdade, eu fiz
antropologia e design, dois anos de cada. Nos dois últimos anos de PUC eu já
estava trabalhando, na época com o designer Giovanni Bianco. Quando casei, meu
marido foi fazer doutorado na Filadélfia e acabei indo morar nos Estados Unidos
por cinco anos, onde também fiz mestrado em design. Foi um novo mundo que se
abriu: peguei a primeira turma da Pratt (Pratt Institute, NY) com computador, e
havia muitas mudanças acontecendo. Fiz uma grande imersão no mercado americano,
muito mais desenvolvido.
E ao voltar, há 20 anos, como foi chegar com esses novos
conhecimentos ao mercado brasileiro?
Quando voltei, trouxe alguns clientes americanos – de um
mercado maduro e muito globalizado. Montei a Ana Couto Design lá, na verdade.
Ao voltar levei um choque ao me deparar com o desenvolvimento do serviço de
design no Rio de Janeiro. Era um serviço terceirizado da agência de
publicidade, o below do below the line. Ao mesmo tempo acontecia no Brasil algo
interessante: alguns projetos de branding entraram em cena como as mudanças de
marcas do Bradesco, da Varig, com valores “de verdade”. Quem fez os projetos foi
a Landor, uma empresa grande, internacional. A Ipiranga também realizou um job
semelhante na época. Me lembro que, por estar muito confiante, ter trabalhado
fora, procurei os diretores de marketing dessas empresas e perguntei por que
não haviam contratado a minha empresa, por exemplo. A resposta foi que eles
recebiam um serviço completamente diferente dessas empresas, com uma grande
estratégia por trás. Porque uma estratégia de marca não é uma logomarca. Ali vi
que realmente o gap de serviços era muito grande.
Não havia ninguém que oferecia esse tipo de serviço no
Brasil?
Não. Fiz então um road show e fui falar com essas empresas
internacionais, me apresentar – a Landor e a Addison –, propondo uma parceria,
uma joint-venture, disse que achava que poderia ser uma boa candidata a
parceira delas no Brasil, um mercado promissor. Fiz associação com a Addison e
realizamos alguns projetos juntos como Vésper, entre outros. Foram dois ou três
anos e aprendemos muito. Depois me associei à Landor – e fizemos projetos para
Embraer e Gerdau. Cresci muito e comecei a questionar: cadê as marcas
brasileiras? Por que não somos um país global?
E a pergunta permanece atual. Por quê?
Pois é. Cadê as marcas brasileiras? Existe um contexto.
Nunca há uma razão só para as coisas serem como são. Há um contexto econômico e
outro cultural, ambos muito fortes. O contexto econômico é que o Brasil era um
país muito fechado, uma economia com muitas barreiras. A gente esquece. Há 15
anos não se podia comprar nada – som, TV, enfim. Agora podemos comprar qualquer
marca. A globalização não havia passado pelo Brasil ainda. Ser um país
globalizado, com força global, veio pós-Brics, um marco, e com a revolução
digital. Quando voltei ao Brasil sempre ouvia: “Olha essa marca lá de fora,
vamos fazer algo parecido?”. Hoje isso acabou.
As marcas de fora vieram com tudo. E as brasileiras não
“foram” com tudo?
Não chegamos às 100 mais valiosas do mundo. Os rankings são
bons para lançar alguns critérios no mercado. O que não existe e acredito ser
esta a próxima evolução do branding é uma estratégia de como medir o valor de
uma marca. Como isso pode entrar em um balanço. A forma de gerir patrimônio
hoje ainda é antiga, em cima de valor de troca. Se você hoje olhar o balanço da
Nike, consta o valor em contrato da Nike, que é infinitamente inferior ao valor
da marca Nike de fato. Ela só entra para o balanço contábil se é vendida. Eu
acredito que é uma visão que precisa evoluir. O intangível é difícil de ser
avaliado se não tiver “valor de troca”. Rankings servem em momentos de troca,
venda, aquisição. Saímos de um século XX – em que fizemos produtos – e entramos
no século XXI com outras premissas, do intangível, da comunicação virtual, do
valor do planeta, do carbono. São novas questões e que justificam o valor do
branding. Não se pode mais viver da premissa apenas da venda de um produto. O
valor vai além da troca. O branding tem que criar valor para todos os
stakeholders – diferente do marketing, cujo objetivo é fazer venda para seu
consumidor: canal, preço, promoção. Gestão de marca é diferente de gestão de
comunicação, do negócio. É um tripé que precisa estar bem azeitado.
O que mudou no branding, ao longo do tempo?
Hoje o nosso cliente é todo o time executivo da empresa.
Todo o trabalho é feito para o CEO da empresa com os diretores-executivos. Há
vários encontros. É uma reflexão pesada sobre qual é o papel da marca no seu
negócio. Ocupamos um espaço muito diferente de quando éramos terceirizados por
agências de publicidade. Acredito que a gestão da marca tem que estar no centro
do negócio. Não acho que o branding esteja valorizado da forma que acredito,
mas conquistamos esse território e a parceria com os gestores do negócio, que é
muito importante. Marca tem cultura envolvida, valores, o que o gestor acredita,
sua visão de mundo.
Como é a sua metodologia e como foi mudando, evoluindo?
Como sempre fomos independentes, sempre fomos focados em
aprender e desenvolver a metodologia. Isso sempre foi uma questão muito forte.
E o design thinking ajuda muito. É uma metodologia de processos. A “onda” do
design thinking vinculada à inovação tem muito a ver com branding também. O bom
design tem um processo de trabalho muito forte: análise, conhecimento do
consumidor, conhecimento do seu objetivo e desenvolvimento de cenários e
melhorias. Acredito muito – e dentro da visão do branding – que é algo que tem
que durar, ter longo prazo. Nenhum designer nunca fez uma marca para acabar em
dois ou três anos. E há marcas que duram 100 anos. Temos isso na nossa
essência. Perguntam muito por que o branding veio para o design. Creio em dois
pilares fortes para responder isso: a questão do design thinking e a
longevidade da marca – que é diferente da propaganda, que é mais cíclica,
pontual, com discurso de venda. Fomos também evoluindo nosso time: hoje temos
um time de estratégia muito pesado – de estrategistas. Isso agrega muito. As
pessoas vieram de marketing, de estratégia, de negócios. E temos uma
bibliografia muito profunda sobre branding. Fiz diversos cursos de
especialização – em Kellogg e em Harvard, por exemplo. Minha formação inicial
em antropologia foi muito importante e estudei filosofia durante anos. Não há
design, afinal de contas, que não esteja inserido em uma cultura.
O que é novo na sua área?
Acredito que o que há de novo e muito forte é trabalhar
juntos. É o working in progress com o cliente. Não trabalhamos para o cliente,
trabalhamos com o cliente, construímos juntos. Em geral faço seis reuniões com
o time executivo e costumo dizer que é sempre uma construção e desconstrução,
construção e desconstrução. Não trazemos nada pronto, construímos juntos. Temos
uma metodologia e o cliente entende do negócio. Isso é muito potente. Porque no
final do dia o cliente se sente dono do processo.
Como implementar, mudar a cultura de uma empresa?
Há dois stakeholders muito importantes nos processos: os
colaboradores. Faz-se show-cases de lançamento de marca para os funcionários.
Apresentações, palco, muitas pessoas. Empresas que acreditam conseguem com isso
transformações internas muito grandes, as pessoas saem totalmente engajadas. É
uma mudança forte, para dentro – transformar a cultura da empresa com uma
proposta de valor. Que valores se quer para uma marca? A Apple quer desafiar o
status quo. É preciso uma cultura de inovação, focada em criação e design para
conseguir isso, na dimensão interna. E tem a dimensão externa – como fazer
dessa proposta de valor um discurso de venda. O posicionamento. Não adianta
prometer e não cumprir. É o segundo desafio: cumprir sua promessa.
Como você vê a construção – ou a falta de – da marca Brasil?
Acho que a marca Brasil tem muitas associações boas,
positivas. Tem crédito, um goodwill bom, um campo associativo que tem uma
ressonância na aspiração das pessoas globalmente. O estilo de vida, a alegria,
a simpatia do brasileiro. Só que toda marca tem uma dimensão emocional e uma
racional. Não acredito em “love brands” à toa. Elas precisam estar muito bem
embasadas em uma entrega. Não adianta não ter uma entrega racional que faça
também um contraponto à entrega emocional. Emocionalmente há um campo
associativo positivo, mas racionalmente a entrega é pobreza, violência, falta
de infraestrutura, corrupção. A marca é um duelo entre o que se promete e o que
se cumpre. Isso corrói o crédito positivo. A Varig tinha um crédito emocional
muito bom das pessoas – que foi sendo gasto e não sobrou nada. Apenas dívidas.
E não há branding que salve?
Não, o branding ajuda a construir valor.
O Rio de Janeiro, como marca, vem sendo bem trabalhado?
As duas capas da Economist que tiveram o Brasil como tema
são bem simbólicas. Fico triste de estarmos sempre nessa marca que não
acontece. É um país que vai e volta. Promessa quebrada em suas expectativas. É
muito ruim. Por outro lado nunca voltamos para o mesmo lugar, estamos sempre
andando um pouco, não é um caminho reto. Andamos 10, voltamos 3, andamos 3,
voltamos 1. Andamos bastante. O Rio e o Brasil andaram bastante, deram passos
de volta, mas não voltaram à estaca zero. No caminho, vamos implodindo certos
viadutos. E é bom quando implode, porque não há mais caminho de volta.
Você tem marcas que trabalham há muito tempo com você. A
Vale, por exemplo?
A Vale foi meu primeiro cliente brasileiro, há 20 anos. Hoje
fazemos só comunicação com investidores. O branding vem muito nessa esfera de investimento,
de bolsa, de capital pulverizado, mais gente investindo, ócios da sociedade.
Coca-Cola, Itaú, Procter & Gamble também são clientes. O que acho bacana é
trabalharmos com clientes grandes, internacionais, que já têm instrumental de
gestão de marca muito forte vindo de fora, clientes nacionais em que
implementamos gestão de marca e clientes de médio e pequeno porte – a nova
geração de marcas brasileiras, que cresce com essa visão de gestão de valor.
Quem pode fazer branding?
Acho muito positivo que existam muitas empresas oferecendo o
serviço de branding. Não acho que virou moda, mas é uma necessidade e de longo
prazo. Como todo mercado, é muito grande, com empresas de perfis diferentes.
Disponível em http://propmark.uol.com.br/mercado/46773:a-forca-do-branding-na-era-do-intangivel.
Acesso em 25 dez 2013.