Vicente Vilardaga
09/12/2013
Um paradoxo ronda a economia dos Estados Unidos.
Cinco anos após a crise financeira que ameaçou levá-lo à lona, o país ainda se
recupera timidamente. O desemprego continua perto de 7% — altíssimo para os
padrões americanos. E o PIB avança no máximo 3% ao ano.
Os consumidores continuam assustados. As empresas nunca
investiram tão pouco — o que, por sua vez, derruba ainda mais a economia. Mas é
aí que surge o paradoxo. A “América corporativa” nunca esteve em melhor forma.
As bolsas atingiram recordes em novembro.
O lucro das companhias chegou a 12,5% do produto interno
bruto americano, também um recorde. E
sobra dinheiro. Um levantamento da consultoria Economatica revela que o
caixa das empresas abertas americanas chegou a 1,5 trilhão de dólares em 2013 —
ante 1,1 trilhão de dólares em 2009. O que diabos está acontecendo com a maior
economia do mundo?
A “incerteza” em relação ao futuro da economia americana é o
culpado mais frequentemente citado para explicar o fenômeno descrito acima. De
fato, mudanças abruptas nas regras do jogo econômico, crises e más notícias
afetam decisões de investimento. Mas essa sempre pareceu uma explicação capenga
para o caso americano.
O temor de uma hecatombe ficou no passado, e a economia, mal
ou bem, avança. Mas o investimento teima em não voltar, e as empresas seguem
acumulando caixa como se estivessem se preparando para o fim dos tempos. Coube
ao economista britânico Andrew Smithers o mérito de trazer mais perspicácia à discussão.
Ele acaba de lançar o livro The Road to Recovery: How and
Why Economic Policy Must Change (algo como “O caminho para a recuperação — como
e por que a política econômica precisa mudar”). Ele defende que a principal
causa da demora na recuperação da economia desde a crise de 2008 é a miopia
corporativa que se alastrou pelos países ricos, especialmente Estados Unidos e
Inglaterra. A culpa, para resumir, é do bônus.
Os excessos da remuneração variável foram, como se sabe,
responsabilizados pelo comportamento desvairado de executivos de bancos que
quebraram na crise de 2008. Seu incentivo era fazer apostas pesadas para ganhar
uma bolada ao fim do ano. Se desse errado, perderiam no máximo o emprego. Para
eles, portanto, o incentivo era arriscar o máximo possível para aproveitar os
bons anos.
Smithers é o primeiro a ver nessa lógica a culpa também pela
anemia econômica dos últimos anos. Para ele, quanto mais uma empresa paga em
bônus atrelados ao desempenho de suas¬ ações, menos interesse seus executivos
têm em investir o dinheiro que está no caixa. E mais a economia sofre.
O bônus atrelado à variação das ações surgiu para resolver
um problema: executivos e acionistas pensavam diferente, e por razões
financeiras. Executivos tinham incentivos para se dar bem no curto prazo, mesmo
que, para isso, fosse preciso sacrificar o futuro da empresa e dos acionistas.
Pagando em ações, segue a tese, o executivo é obrigado a pensar como acionista.
A moda pegou. Até 1970, apenas 1% da remuneração de um executivo era baseada em
ações. O percentual chegou a 70%.
No Brasil, a média é de 50%, segundo a consultoria Hay
Group. Quanto melhor a empresa for na bolsa, mais dinheiro essa turma ganha.
Smithers alega que esse “alinhamento” faz com que a cúpula das companhias
abertas se transforme em escrava do curto prazo — e, no fim das contas, tome
decisões que prejudicam o acionista no longo prazo. Ou seja, o contrário do que
o tal “alinhamento” propunha.
Recompra de ações
O investimento das empresas em novos projetos acaba se
tornando a maior vítima. As companhias americanas nunca gastaram tão pouco na
compra de máquinas e equipamentos. Investir em inovação e construir novas
fábricas esvazia o caixa e só traz retorno depois de alguns anos. Investir,
portanto, é mau negócio para quem está preocupado com o preço da ação hoje. Com
o caixa abarrotado, as empresas têm usado parte do dinheiro para recomprar
ações — também em escala inédita.
De acordo com Smithers, no início dos anos 70 as empresas
devolviam aos acionistas (em forma de dividendos ou recompra de ações) 1 dólar
para cada 15 investidos. Hoje, devolvem 1 dólar a cada 2 investidos. A
multinacional General Electric, por exemplo, nunca teve tanto dinheiro em caixa
— são 130 bilhões de dólares. E seus investimentos caíram todos os anos desde
2009. Em compensação, é uma campeã de recompras.
Em fevereiro de 2012, a empresa anunciou uma ampliação de 10
bilhões em seu programa de recompras para 2013, para 35 bilhões de dólares. A
combinação das duas medidas tem como efeito prático a valorização das ações. É
bom para o mercado acionário, é bom para os executivos. Mas, como o
investimento de hoje é o lucro de amanhã, o efeito desse jogo para o futuro das
empresas — e da economia — é deletério.
No Brasil, onde também há uma queda dos investimentos, os
possíveis efeitos da cultura do bônus são muito menores. Isso acontece porque a
representatividade das empresas de capital aberto é relativamente pequena e há
um grande número de empresas familiares e estatais.
Um estudo publicado em 2013 por três pesquisadores das
universidades de Nova York e Harvard revela que as empresas fechadas investem,
em média, duas vezes mais do que as companhias abertas, justamente porque não
têm a preocupação de elevar o valor de suas ações no curto prazo.
Assim, podem investir enquanto as outras colocam o pé no
freio. Em tese, é a melhor maneira de gerar o lucro do futuro. As famílias
Cargill e MacMil¬lan, que controlam a gigante americana do agronegócio Cargill,
reinvestem na empresa 80% de seus dividendos. A companhia tem capital fechado.
No Brasil, o maior exemplo dessa
dinâmica tem sido a Odebrecht. Controlada pela família desde a sua fundação,
nos anos 40, a empresa vai investir 17 bilhões de reais em 2013, 30% mais que
no ano passado.
Recentemente, fez uma aposta de 19 bilhões de reais ao
ganhar o leilão de concessão do aeroporto do Galeão (junto com um sócio de
Singapura) e também ganhou a concessão da rodovia BR-163. Até 2015 serão 53
bilhões de reais de investimento.
Como conciliar investimentos de longo prazo com o
imprescindível papel do mercado de capitais numa economia moderna? É um debate
tão antigo quanto insolúvel. Smithers propõe criar novas formas de unir os
interesses de acionistas e executivos, incluindo nos critérios para o pagamento
de bônus metas de investimento, por exemplo.
O problema será convencer o acionista, eufórico com o atual
preço das ações, de que o sucesso de hoje pode significar seu próprio fracasso
amanhã. O maior viciado em ganhos de curto prazo, afinal, é ele.
Disponível em
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1055/noticias/muita-grana-pouca-acao?page=1&utm_campaign=news-diaria.html&utm_medium=e-mail&utm_source=newsletter.
Acesso em 12 dez 2013.