Mariana Schreiber
14 de
março, 2014
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) feito com
exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda cobrado da classe
média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos
países do G20 – grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a
União Europeia.
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil
libras, 150 mil libras e 250 mil libras – renda média mensal de cerca de R$ 23
mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente
o 13º salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de
renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o
terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro que ganha mensalmente,
por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o
imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é
67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto país que
menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação aos demais
diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras (cerca de R$ 23 mil
por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de 72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países europeus, onde há
sistemas de bem estar social consolidados, mas estão presentes também em alguns
países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da renda das
pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres públicos. Na Índia,
cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na África do Sul, quando
consideradas as duas faixas de renda mais altas em análise.
O quanto sobra após o imposto de renda (em % da renda bruta)
Países/Renda anual | 250.000 libras |
150.000 libras
| 70.000 libras |
Arábia Saudita |
96,9
|
94,8
|
91,0
|
Rússia |
87,0
|
87,0
|
87,0
|
Brasil |
73,3
|
73,9
|
75,4
|
México |
70,6
|
71,0
|
72,1
|
Indonésia |
69,8
|
70,7
|
73,2
|
Coréia do Sul |
65,8
|
69,7
|
79,4
|
Argentina |
65,6
|
66,0
|
67,2
|
Turquia |
64,6
|
64,9
|
65,7
|
China |
62,1
|
66,8
|
75,2
|
África do Sul |
61,8
|
63,0
|
65,3
|
Alemanha |
60,6
|
64,2
|
71,1
|
Estados Unidos |
60,5
|
66,2
|
72,5
|
Austrália |
59,3
|
63,2
|
70,9
|
Japão |
58,7
|
65,4
|
75,3
|
Canadá |
58,1
|
61,2
|
69,7
|
França |
58,1
|
64,8
|
72,3
|
Reino Unido |
57,3
|
60,1
|
68,0
|
Índia |
54,9
|
58,5
|
60,0
|
Itália |
50,6
|
51,4
|
54,4
|
Média do G20 |
65,0
|
67,5
|
71,9
|
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que os
brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga tributária
brasileira – ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado em tributos e a
renda total do país (o PIB) - é mais alta do que a média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vão para os
governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de 35%, mostram
dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo, apenas os países da Europa
ocidental têm carga tributária maior – França e Itália são as campeãs, com mais
de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga tributária
brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja, tributos que
incidem sobre produção e comercialização – que no fim das contas são repassados
ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária
brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%.
Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais
para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais
pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz
ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo,
significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
O governo taxa mais a produção e o consumo porque esse tipo
de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado sobre a renda, observa o
presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi
Olenike.
"De tanto se preocupar em combater a sonegação, o
governo acaba criando injustiças tributárias", afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais administram
juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por isso, a forma como
arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e
educação públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder
público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao arrecadar os
tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação Getulio
Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini – indicador que mede a
concentração de renda – sobe após a arrecadação de impostos e recua após os
gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice era de
0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do recebimento de
benefícios sociais e tributos). O número recuava para 0,560 após o pagamento de
benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família, mas subia novamente
para 0,565 após considerar o pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os impactos dos
gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda, as despesas com saúde
e educação, já que a maioria dos beneficiários desses serviços são os mais
pobres. A partir de dados oficias sobre o uso desses serviços, os economistas
estimaram que esses gastos públicos reduziam o índice de Gini para 0,479 em
2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo arrecadar e
gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas num país tão
desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger, um dos autores da
pesquisa: "O tributo tem uma função de coesão social".
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis
para a questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que, em
países europeus, a queda da desigualdade é de mais de 30% após a intervenção do
Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a
redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da
taxação sobre renda, propriedade e herança. "Seria uma questão de justiça
tributária", diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas alíquotas de
Imposto de Renda – uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6 mil e R$ 13,7
mil e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que recebem acima
de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são
"marginais". Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é
tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
Quem ganha mais no Brasil?
111.893 recebem mais de R$ 20 mil por mês
23.554 recebem mais de R$ 45 mil por mês
11.851 recebem mais de R$ 75 mil por mês
Fonte: Censo 2010 (IBGE)
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo
ter mais alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação,
porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude.
Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país disseram ao Censo de 2010
receber mais de R$ 20 mil por mês.
O mais importante, defendem, é reduzir as possibilidades de
descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é possível abater do imposto
devido gastos privados com saúde e educação. Na prática, isso significa que o
Estado está subsidiando serviços privados justamente para a parcela da
população de maior renda, ou seja, que precisa menos. "É o bolsa
rico", diz Gaiger.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal deixará de
arrecadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e isenções desse tipo. Desse
total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com saúde e R$ 4,1 bilhão de
gastos com educação – somados equivalem a 13% do total dos gastos federais
previstos para as duas áreas neste ano (R$ 113,6 bilhões).
Impostos demais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga
tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
"O tamanho da carga tributária é uma escolha da
sociedade"
Samuel Pessoa, economista
"O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as
pessoas quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o
recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação e a
saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor", observa
Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante não é a
redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e simplificá-la, para
diminuir as desigualdades e reduzir os custos das empresas com burocracia.
Disponível em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140313_impostos_ricos_ms.shtml.
Acesso em 18 mar 2014.