João do Carmo
9 de dezembro de 2013
Empresas de pesquisa especializadas em detectar hábitos de
consumidores vão mudar o modelo usado para classificar os domicílios que
compõem suas bases de dados e ele mostra que a camada mais pobre da população é
maior do que imaginavam. Formada pelas classes D e E, essa parcela equivale a
37,3% dos domicílios no país e não 18,2%, segundo a metodologia atual.
Ao todo, 180 companhias reunidas na Associação Brasileira de
Empresas de Pesquisa (Abep) deverão aposentar o atual Critério Brasil e passar
a usar um modelo mais amplo, que considera, além de posse de bens, acesso a
rede de água, esgoto e rua pavimentada.
A partir de janeiro de 2015, as pesquisas já poderão ser
divulgadas de acordo com o novo modelo. Ele foi desenvolvido pelos professores
especializados em marketing Wagner A. Kamakura, da Rice University, e José
Afonso Mazzon, da FEA/USP. Os professores dividem a população em sete estratos
(ou classes) socioeconômicos.
Na parte mais alta da pirâmide (classe A), que abriga as
famílias mais abastadas, a rede de esgoto está disponível para 80,2%. Na base,
ocupado pela classe E, o esgoto tratado serve apenas a 9,5% dos lares.
Considerando-se todo o país, nas contas de Kamakura e Mazzin, apenas 52,4% dos
lares têm acesso a uma rede pública de esgoto.
A nova metodologia também considera aspectos
geodemográficos: um domícilio com dois adultos e três crianças em um bairro
nobre de Brasília guarda diferenças importantes em relação a um localizado em
Jequié, na Bahia.
“O critério hoje é bom, mas vai ser melhorado”, diz Marcelo
Alves, chefe da área de estatísticas de pesquisas de varejo e consumo da
Nielsen, referindo-se ao Critério Brasil, atual modelo adotado por empresas de
pesquisas no país.
A amostra atual da Nielsen, visitada quinzenalmente por seu
pessoal de campo, contém 8,7 mil domicílios. E no início de 2014, como todos os
anos, a empresa visitará 50 mil famílias para fazer a atualização da amostra.
Com a nova metodologia em mãos, Alves vai poder reclassificar sua base de
dados.
Assim, quando a Nielsen e demais associadas da Abep
iniciarem em janeiro de 2015 suas pesquisas, sob o novo modelo, conseguirão
fazer comparações em relação a 2014. As comparações com 2013 e anos anteriores
não serão automáticas, já que a base estará classificada de forma diferente.
Mas se algum cliente pedir uma série histórica maior, há fórmulas que permitem
esse tipo de comparação.
No Ibope, a nova metodologia será usada nas pesquisas de
hábitos de consumo e eleitorais, a partir de janeiro de 2015.
A nova divisão da população ainda não está pronta — um grupo
de estudos da Abep está finalizando os ajustes; mas o presidente da Abep, Luis
Pilli, avalia que a parte inferior da pirâmide populacional – os estratos 5, 6
e 7 ou o que se convencionou chamar de classes C2, D e E – “será maior do que é
hoje”. Considerando-se essas três classes, a parte mais “pobre” do país
equivaleria a quase 58% dos domicílios. Pelo Critério Brasil, essa fatia seria
de 41,4% e pelo modelo usado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), do
governo federal, de 51%.
Pili observa que “estamos vendo uma diminuição das classes
de menor renda, talvez em velocidade inferior do que gostaríamos. Mas [na nova
classificação] vamos ter mais gente nesse estrato inferior.” Mazzon, da
FEA/USP, observa que o tamanho da população pobre no país é maior do que se
imagina e a “nova classe média não é tão grande assim, como se costuma
divulgar.”
Com a adoção da nova metodologia ao longo do próximo ano, a
partir de janeiro de 2015 as empresas de pesquisa podem começar a divulgar
dados com base no novo modelo. A Abep trabalhava com a ideia de que seria
possível estrear a nova classificação em janeiro de 2014, mas nem todas as
empresas conseguiriam fazer a mudança ao mesmo tempo. Optou-se, então, por uma
transição mais lenta.
Kamakura e Mazzon, conforme publicou o Valor em fevereiro de
2012, elaboraram uma nova divisão socioeconômica da população brasileira a
partir dos dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, de 2009, do Instituto
Brasileira de Geografia e Estatística (POF/IBGE). E seu plano era oferecer o
novo modelo às empresas de pesquisa, sem custo.
Os professores usaram 104 mil domicílios no modelo, que
considera 35 indicadores – desde o número de aparelhos de TV em cores,
computadores pessoais e automóveis, até nível de educação e ocupação do chefe
da casa, passando pelo número de empregados domésticos. Indicadores como acesso
a esgoto, água tratada e ruas pavimentadas também são considerados.
O Critério Brasil, usado atualmente pelas associadas da
Abep, se baseia em levantamento feito pelo Ibope em 9 regiões metropolitanas
(Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador,
Recife, Fortaleza, Distrito Federal). Essa amostra, de 11 mil domicílios,
servia de base para medir audiência de canais de TV.
Na opinião de Kamakura e Mazzon – que publicaram o livro
“Estratificação Socioeconômica e Consumo no Brasil” (Editora Blucher), em
agosto – o Critério Brasil servia para época anterior a 2003, quando teve
início a migração de milhões de brasileiros da base da pirâmide para o meio
dela.
Fabricantes de bens de consumo final planejavam a produção,
vendas e marketing, tendo em vista o consumidor de maior renda – e a classe
média acabava comprando porque aspirava as mesmas coisas que a classe alta
podia comprar. Com a expansão da classe média, uma nova massa de consumidores
ganhou importância e precisa ser mapeada de forma mais detalhada, observa
Mazzon.
Os dois professores também enviaram seu trabalho à
Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no ano passado, quando o governo
Dilma Rousseff discutia com economistas e sociólogos como definir o real
tamanho da classe média no país. A metodologia dos professores, embora de fácil
aplicação, foi rejeitada pela SAE, que preferiu adotar um único critério – o da
renda – para dividir a população.
Um grupo de estudo da Abep, formado por represetantes de
Ibope, Nielsen, Data Folha e Ipsos, está definindo o que os técnicos chamam de
“ponto de corte” para determinar em qual faixa socioeconômica os domicílios se
enquadram. As discussões devem terminar entre janeiro e fevereiro.
O trabalho de Kamakura e Mazzon, publicado no International
Journal of Research in Marketing no ano passado (IJRM), foi escolhido o melhor
estudo sobre marketing em países emergentes de 2012 pelo Marketing Science
Institute (MSI), que recebeu 104 artigos sobre o tema.
Disponível em
http://varejo.espm.br/9586/populacao-pobre-e-maior-do-que-se-pensa. Acesso em
09 dez 2013.