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terça-feira, 4 de junho de 2013

Da periferia das cidades para o grande público

Rodrigo Carneiro
29/03/2012
Sempre foi assim. À margem, a periferia das grandes cidades concebe seus próprios modos de expressão artística. Diante das adversidades do dia a dia, cria e os desenvolve. Eles, então, ultrapassam a linha da pobreza e, digamos, ascendem socialmente; chegando à indústria cultural - que tenta codificá-los. Amplificada, a voz dos excluídos causa desejo e repulsa em um novo público, para, no final do processo, ser assimilada, domesticada, na visão dos mais alarmistas, pelo sistema. No caso da música, isso é de uma clareza exemplar.

Afinal, o samba, reconhecido pela Unesco como patrimônio imaterial da humanidade, em 2005, originário do recôncavo baiano, levado à região da Praça Onze, no centro do Rio de Janeiro, e, devido à especulação imobiliária, aos morros da Guanabara, só começou a ser levado a sério nos grandes salões com a chancela do maestro e compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959). No ano de 1940, em parceria com o regente britânico, naturalizado americano, Leopold Stokowski, Villa-Lobos promoveu um registro fonográfico à bordo do navio S.S. Uruguai, com as participações de Donga, Pixinguinha, Cartola, João da Baiana e Zé Espinguela.

Até então, o samba era visto com reservas e alvo constante de preconceito. Cartola, vale lembrar, lavava carros quando foi reencontrado pelo jornalista Sérgio Porto em 1956. Compositor de sucessos gravados por Carmen Miranda, Mário Reis, Francisco Alves e Silvio Caldas durante a década de 1930, o poeta de "As Rosas Não Falam" sumira do cenário e só foi estrear como intérprete de suas composições em 1974.

Outros gêneros também protagonizaram ciclo de absorção semelhante no Brasil. O punk rock, o rap e o funk carioca são alguns deles. "Todas estas expressões surgiram entre as pessoas de baixa renda, trabalhadoras e moradoras nos bairros mais pobres. São manifestações de autoestima dentro de uma sociedade tão discriminadora quanto a nossa", diz João Batista de Jesus Felix, doutor em antropologia social pela USP.

Os primeiros ecos da versão brasileira do punk, que nasceu nos EUA, em meados dos anos 1970, e explodiu mundialmente com a cena inglesa, foram ouvidos em afastados bairros paulistanos e em cidades vizinhas de tradição operária como Osasco e a região do Grande ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul). Vivendo os momentos finais de horrendas duas décadas de ditadura militar, subdesenvolvimento econômico e uma inflação de dimensões continentais, o Brasil era punk, aliás, pré-punk.

"Se o punk não tivesse sido inventado no exterior, nós o inventaríamos aqui", diz Clemente Nascimento, fundador dos Inocentes, músico da Plebe Rude e curador do festival O Fim do Mundo, Enfim, que acontece entre hoje e domingo no Sesc Pompeia, em SP. "Já de início as bandas se preocuparam em fazer som próprio e praticamente ninguém fazia cover. Isso foi fundamental para que criássemos a nossa identidade".

A movimentação fez barulho. Logo, a estética punk da garotada suburbana seria incorporada na produção do pós-punk paulistano - Mercenárias, Voluntários da Pátria, Smack, entre outros -, na sonoridade dos demais Estados, na faixa "Punk da Periferia", composta e gravada por Gilberto Gil no disco "Extra", de 1983, e até mesmo em um dos álbuns mais significativos e bem-sucedidos comercialmente dos Titãs, "Cabeça Dinossauro", de 1986.

"Não ter medo da rua aguça a criatividade. Nesse sentido, a periferia está mais do que exposta ao que acontece no mundo", diz Marco Butcher, fundador, nos anos 1990, do Thee Butchers' Orchestra, e hoje envolvido em projetos como Jesus & the Groupies, The Uncle Butcher e Thee Kaipirinas. O músico Kiko Dinucci, de trabalhos como Metá Metá e Passo Torto, concorda com Butcher. "Desde os primórdios da música popular no Brasil há a fusão de gêneros estrangeiros, o que se dá de forma aculturada. A arte periférica sempre existirá e sempre será espontânea, de acordo com as influências, externas ou não, que as rodeiam", diz Dinucci.

Dividindo espaço com punks na estação São Bento do metrô e nas Grandes Galerias, na rua 24 de maio, ambas no centro de São Paulo, em meados dos nos 1980, os primeiros adeptos do hip hop no Brasil também vinham da periferia - assim como toda aquela cultura originária dos guetos negros e latinos nova-iorquinos que tem como elementos de formação o DJ, a dança de rua, o MC e o grafite. Em solo brasileiro, os pioneiros do gênero - gente como Mister Théo, Thaíde & DJ Hum, Ndee Naldinho e Racionais MCs - foram iniciados nos chamados bailes black, promovidos por equipes de disc-jóqueis. Ainda mais associado aos desvalidos, o rap, a manifestação musical do hip hop, trazia a informação do sample, onde se compõe a partir de uma base já existente. Além de uma contundente infinidade de temas narrativos.

De seus passos iniciais até os dias de hoje, o hip hop passou por momentos de obscuridade e holofotes midiáticos. Segundo Jesus Felix, autor de estudos acadêmicos como "Chic Show e Zimbabwe e a Construção da Identidade nos Bailes Black Paulistanos" e "Hip Hop: Cultura e Política no Contexto Paulistano", o período atual é o de visibilidade. E reafirmação do caráter contestador.

"Recentemente, Emicida participou do 'Conexão Repórter', do SBT. As cenas externas foram todas gravadas no bairro onde ele nasceu, o Jardim Novo, no extremo norte de São Paulo. Já o Criolo, no 'Esquenta', da Rede Globo, fez questão de reafirmar sua condição de negro. Também defendeu os interesses dos oprimidos", diz o antropólogo. "E tem o Thaíde, que é um dos apresentadores de 'A Liga', na Band. Os espaços midiáticos estão sendo ocupados. O que eu considero extremamente positivo."

O funk carioca, que no definitivo refrão de "Som de Preto", sucesso de Amilcka e Chocolate, "é som de preto, de favelado, mas quando toca ninguém fica parado", suscita paixões extremadas desde os anos 1980. Hoje, o pancadão, como também é conhecido, é trilha sonora tanto de festas ao ar livre - que têm sido reprimidas pela polícia nas comunidades carentes - quanto das casas noturnas destinadas ao público abastado. Isso em todo o país. Lulu Santos, Xuxa e Regina Casé já se declaram entusiastas. Enquanto setores da Secretaria de Segurança carioca dirigia atenções ao segmento "proibidão" do funk - sim, o elogio à marginalidade também faz parte do agito. No jogo de amor e ódio, uma lei estadual, de 2009, diz: o pancadão é movimento cultural do Rio.

Tudo acontece na periferia, atentava uma das músicas do Ratos de Porão, no álbum "Crucificados pelo Sistema", de 1984. A máxima punk hardcore crossover do RDP continua valendo em 2012. Afinal, neste exato momento, algo, do ponto de vista artístico, está sendo desenvolvido n'alguma localidade negligenciada pelas autoridades. Algo legítimo que será absorvido em seguida. É o inevitável.


Disponível em http://www.valor.com.br/cultura/2592460/da-periferia-das-cidades-para-o-grande-publico?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=29032012&utm_term=da+periferia+das+cidades+para+o+grande+publico&utm_campaign=informativo&NewsNid=2589792. Acesso em 02 jun 2013.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Anote aí 44: Softwares; Cosméticos; Mulheres; Varejo; Periferia

CASAGRANDE, Marcelo. Controle total Softwares compactos que reúnem ferramentas de controle fiscal, financeiro e administrativo podem ser aliados dos empresários, além de gerarem economia para as empresas. Gestão & Negócios, nº 27, pp. 36-37. 


AGUILHAR, Ligia. Um setor de ganhos limpos e perfumados Cosméticos não sabem o que é crise e são bom nicho para empreender. Indústria de higiene pessoal do Brasil é a terceira do mundo. O Estado de S. Paulo, 16 de janeiro de 2011, Caderno Oportunidades, p. 3.


LAFUENTE, Florencia. Muito mais que rostinhos bonitos As mulheres representam o grupo econômico mais importante do planeta. Uma força de trabalho de 1 bilhão de pessoas, responsável pela maior parte do gasto mundical anual em bens e serviços. Sofisticadas e exigentes, as consumidoras lideram as decisões de compra em praticamente todos os setores, segundo esta reportagem. HSM Management, ano 14, volume 1, nº 84, janeiro/fevereiro de 2011, pp. 64-71.


TAUHATA, Sergio. Varejo fora da caixa Você não vai mais vender. É o consumidor quem vai comprar. A tecnologia coloca o poder nas mãos do cliente. Seja ágil, maleável, honesto, útil, interativo, cooperativo, encantador, lúdico, altruísta. Ufa” É bom ir se acostumando com as tendências que despontaram no principal evento mundial sobre o assunto, o NRF Retail’s Big Show. Pequenas Empresas & Grandes Negócios, nº 265, fevereiro de 2011, pp. 34-39.


VIEIRA, Marcia. Mulheres são mais satisfeitas com o corpo na periferia Estudo feito no Rio mostra que, enquanto nas classes mais altas o objetivo é ser magra, nas favelas o modelo é bem mais curvilíneo. O Estado de S. Paulo, 13 de fevereiro de 2011, Caderno Cidades/Metrópole, p. C8.    

terça-feira, 6 de julho de 2010

Ele mergulhou na base da pirâmide

Ticiana Werneck

Por quinze anos, o baiano André Torretta atuou como publicitário em projetos desenvolvidos junto à Classe C. Como estrategista político trabalhou em campanhas presidenciais na Argentina, Bolívia e Brasil, onde fez mais de 50 campanhas eleitorais. No final, reuniu uma expertise singular quando o assunto são as classes C, D e E. Juntou tudo isso num livro. Em “Mergulho na Base da Pirâmide – Uma nova oportunidade para sua empresa” (Editoras Saraiva e Virgília), ele traça um retrato da “nova classe média brasileira”, ou seja, 100 milhões de brasileiros, exatamente 53,8% da população.
“Nos últimos anos, muito tem se falado a respeito das classes C, D e E, mas, na verdade, se conhece muito pouco o mundo em que essas pessoas vivem”, afirma Torretta. Essa falta de conhecimento pode esconder oportunidades. O livro traz um estudo que revela que 17 multinacionais investiram 10 bilhões de dólares em projetos desenvolvidos em países emergentes da África, Ásia e América Latina – entre eles o Brasil. Porém, 66% das ações para a base da pirâmide fracassaram. “Isso aconteceu porque tentou-se aplicar os mesmos modelos de negócios, comunicação e pesquisa utilizados com sucesso em países de primeiro mundo e em mercados desenvolvidos. Se as empresas persistirem no erro e ignorarem a realidade da base da pirâmide, continuarão a gastar dinheiro à toa e a perder boas oportunidades de negócios”, defende.

Prefaciado por Mano Brown, vocalista do grupo de rap paulista Racionais MC’s, o livro traz ainda resultados de diversas pesquisas conduzidas por Torretta cujos métodos de abordagem do público se diferem dos convencionais, transformando os próprios moradores das periferias em pesquisadores – os chamados “antenas”. A eles, Torretta perguntou: “O que acha bonito?”. Sim, bonito. “A idéia era descobrir se afinal o que é bonito para alguém da classe média/alta é necessariamente bonito para alguém da baixa renda”, explica o autor. A princípio, os antenas declararam que nunca haviam parado para pensar no assunto. “Existe uma sobreposição entre o que é bonito e a possibilidade de consumo. O que é muito caro, muito distante, essas pessoas não conseguem admitir como bonito”, diz Torretta. A beleza também está no que ele pode comprar. “Acho que as propagandas da hora são das Casas Bahia porque você pode pagar em 10, 15 vezes”, foi um dos depoimentos recebidos.

Para compor a resposta, Torretta pediu que fotografassem ou trouxessem recursos visuais apontando seus gostos. Apareceram muitas fotos de ambientes internos amplos, casas grandes, em contraponto a suas casas, geralmente muito pequenas, onde várias pessoas dormem em um mesmo cômodo. Também muitas fotos de “carrões”, em contraposição à falta óbvia de conforto do transporte coletivo.

O livro traz também outros resultados curiosos de relatórios de observação em periferias de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador, como “Lan House” e “Baladas” que decifram hábitos de consumo e de lazer, preferências, aspirações, formas de comunicação e a realidade desta camada da população. “Hoje, a maioria das empresas encontra problemas quando quer atravessar a última fronteira econômica. Por isso, estes relatórios de observação ajudam a derrubar mitos, expõem a falta de conhecimento das empresas sobre o Brasil e revelam diferenças fundamentais que separam o topo e a base da pirâmide”, argumenta.

NOVAREJO: O que mais mudou em relação às categorias de produto que essa camada da população compra?
André Torretta: A grande mudança que vemos no consumo na base da pirâmide é a migração para outras famílias de produtos, o que decorreu da maior renda. Por exemplo: ela está deixando de consumir extrato de tomate para consumir molho de tomate, deixando de consumir suco em pó para consumir suco pronto. Cada vez que sobe a renda assistimos a mudanças de hábitos de compra.

NOVAREJO: O que esse consumidor valoriza em termos de experiência de compra?
André Torretta: Esse novo consumidor está muito mais exigente. Nos supermercados ele exige empacotadores, não gosta de pegar filas e de ser mal atendido. Já que agora ele "está podendo" ele virou consumidor. Por isso mesmo quer o mesmo tratamento daqueles que vivem no topo da pirâmide.

NOVAREJO: Quais aspirações emocionais estão presentes nas compras dessa camada?
André Torretta: Essa população compra roupas e usa marcas famosas para se sentir "dentro da sociedade”, para se sentir incluída. Vale lembrar que até muito pouco tempo atrás esta população não podia comprar marcas famosas.

NOVAREJO: Para compor o livro, você pesquisou as periferias das capitais brasileiras. O que descobriu de mais intrigante?
André Torretta: Que as periferias são muito, mais muito diferentes umas das outras. A música que toca na periferia de Recife é diferente da tocada em Salvador, que é diferente da Fortaleza, extremamente diferente de Porto Alegre. Descobri que enquanto a classe média alta globalizada gosta de estar conectada com o mundo, a base da pirâmide gosta de estar conectada com suas próprias comunidades.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Jovens da periferia gastam mais em aparência do que em educação, diz pesquisa

Uol Educação

Pesquisa realizada na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) constata que os jovens da periferia preferem gastar seu dinheiro com a aparência a investi-lo em educação ou saúde, por exemplo. Segundo o estudo, essa é uma forma que esses adolescentes encontraram para fugir dos preconceitos e serem aceitos por seu grupo social e pela sociedade.

A cientista social Paula Nascimento da Silva estudou 160 jovens da periferia de São Paulo. Eles discutiram temas como educação, família, saúde e violência, entre outros. Quando perguntados sobre o que comprariam se tivessem R$ 500, predominou a resposta de que iriam gastar com a aparência, em produtos como roupas, tênis, produtos de cabelo e cosméticos, apesar de também terem aparecido respostas como "vou ajudar a família", "vou ajudar nas contas da casa" etc.

O jovem da periferia, segundo o estudo, geralmente não tem emprego formal: a maioria faz bicos eventuais em atividades ilegais, diferente do jovem de classe média e alta, que não tem grande dificuldade para conseguir trabalho e estágios. A pesquisadora indaga: "por que esses jovens arriscam a vida para ganhar dinheiro e gastam com coisas aparentemente supérfluas"? A resposta encontrada é a de que eles são estigmatizados como marginais. Ignora-se a vitimização desses jovens, que é muito maior do que a encontrada em outros setores da sociedade.

Como exemplo, ela cita a taxa de homicídios violentos: a taxa da população geral é de cerca de 48 casos para 1.000 mortes. Já na periferia de São Paulo, ela sobe para 106 casos entre os jovens do sexo masculino. Assim, o consumo ligado à aparência traz resultados mais rápidos do que gastos com segurança, saúde ou educação, que trazem resultados "muito distantes". A tentativa de mudar a aparência é um meio de fugir desse estigma negativo que existe em relação ao jovem da periferia.

Ao invés de construir uma formação, o adolescente tenta aparentar algo que a sociedade aceita e valoriza. Paula esclarece que "esse jovem é frágil e tem necessidade de reconhecimento e aceitação, que se dá pelo que ele tem materialmente, pois vivemos numa sociedade de consumo". Paula conclui que falta ao poder público não apenas conscientizar esse jovem para que ele use seus recursos em algo mais construtivo, mas construir melhores condições de educação, saúde, alimentação e moradia. Com informações da Agência USP.