Marina Gazzoni
30 de junho de 2013
As atenções da equipe de desenvolvimento de produtos da
Whirlpool, dona das marcas Cônsul e Brastemp, se voltaram para o administrador
Lucas Gambin, de 26 anos, na última quinta-feira. Em uma
"cozinha-teste" no meio da fábrica da empresa, em Joinville (SC), ele
foi instigado a acionar o forno, selecionar a temperatura, escolher uma receita
em uma tela sensível ao toque, que reunirá os comandos do primeiro fogão
"smart" da Brastemp, que chegará ao varejo em outubro. Cada movimento
de Gambin foi filmado e observado por designers e engenheiros da Whirlpool que
assistiam ao teste por meio de um espelho falso.
Experiências como essa fazem parte de uma série de testes
que as empresas aplicam para identificar o que querem os consumidores e buscar
inspiração para criar ou aprimorar produtos. Os investimentos das empresas em
estatísticas sobre hábitos de consumo, visitas à casa das pessoas e até na
criação de laboratórios para observar os clientes usando seus produtos são
crescentes. Em 2012, o mercado de pesquisas cresceu 10% no Brasil e faturou R$
2 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas
(Abep).
"A corrida da inovação das empresas reflete na área de
pesquisas. As empresas querem saber tudo sobre o consumidor para lançar
produtos mais assertivos e otimizar os recursos aplicados no seu
desenvolvimento", disse o vice-presidente da Abep, Fernando Ribeiro.
A Whirlpool, por exemplo, tem 23 laboratórios de pesquisa e
desenvolvimento de produtos no Brasil - um deles dedicado exclusivamente a
experiências com consumidores. Para testar o novo fogão da empresa, o
laboratório recebeu cerca de 100 pessoas. Foi uma espécie de "test
drive" para ver se as inovações, de fato, atendem o consumidor e são
compreendidas e valorizadas por eles.
Foi observando a interação das pessoas com o produto que a
empresa identificou que precisa melhorar a sensibilidade da tela "touch
screen" e fazer ajustes no desenho do fogão. Gambin perdeu alguns minutos
até entender que não precisava selecionar a temperatura para gratinar o forno
-e não foi o único. A Whirlpool, então, passou a trabalhar em ajustes para
deixar o manejo do produto mais fácil e claro ao usuário. "É quase
impossível ter um protótipo sem ajustes. Em 90% dos casos, temos de refinar o
produto e em 10% chegamos a mudar tudo", disse o gerente de experience
design da Whirlpool, Mario Martuscello.
Oportunidades. A observação dos hábitos dos consumidores é,
muitas vezes, o ponto de partida para as inovações. "A maioria dos
insights para a criação de produtos vem de pesquisas na casa das pessoas",
disse o diretor de Inteligência de Mercado da P&G Brasil, Patrick Aedo. Um
exemplo é a ampola de hidratação da marca Head&Shoulder, criada depois que
a empresa ouviu do próprio cliente a reclamação de que o xampu anticaspa
ressecava o cabelo.
A P&G realiza mundialmente 40 pesquisas diárias para
entender o consumidor, um esforço que faz parte do investimento anual de US$ 2
bilhões para desenvolvimento de produtos no mundo. No Brasil, todos os 800
funcionários da área administrativa precisam participar de um teste na casa do
consumidor por ano. O próprio presidente da P&G Brasil, Alberto Carvalho,
saiu em uma espécie de "maratona" por domicílios brasileiros de
diferentes cidades e classes sociais logo que assumiu o comando da unidade
brasileira, em dezembro de 2012.
O desafio das empresas é entender o que o cliente quer quando
muitas vezes nem ele consegue expressar. "Nenhum consumidor vai dizer 'eu
quero uma Smart TV', antes de existir a tecnologia. Mas vimos que ele passou a
usar a TV e o computador ao mesmo tempo, então, a indústria entendeu que ele
queria conectividade na TV", explicou o diretor de marketing da LG no
Brasil, Pablo Vidal.
A lógica é a mesma que pauta a inovação há muito tempo e que
se explica bem em uma das frases célebres de Henry Ford: "Se eu
perguntasse aos clientes o que eles queriam eles diriam: um cavalo mais
veloz".
Às empresas, fica o trabalho de decifrar o desejo e lançar
algo que atende essa necessidade. "No caso da indústria de tecnologia, uma
aposta que não é bem aceita pelo consumidor pode tirar uma empresa do
mercado", disse Vidal. "É por isso que pesquisamos, e muito, o que o
consumidor quer e como ele reage às inovações."
Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,empresas-fazem-big-brother-dos-consumidores-,1048551,0.htm.
Acesso em 03 jul 2013.