Lucas Amorim
Uma conversa sobre os negócios comandados pelo
gaúcho Eduardo Kunst, presidente da Artecola, pode parecer um bocado caótica.
Ele discorre com a mesma desenvoltura sobre assuntos tão distintos quanto a
construção de casas populares feitas de plástico e tecnologias para encravar
cristais Swarovski em sandálias Havaianas. Por trás dessa aparente falta de
foco está uma estratégia que mudou o perfil de uma companhia que até seis anos
atrás fabricava uma infinidade de variações de produtos para um único mercado:
eram cerca de 2 000 tipos de cola e outros componentes fornecidos a fabricantes
de sapatos. Hoje, a Artecola produz inacreditáveis 5 000 itens, vendidos para
setores que vão da construção civil à indústria automobilística. Em muitos
desses mercados, sua participação é quase marginal. É o que acontece, por
exemplo, com as botas industriais que levam em sua produção o mesmo material
utilizado na blindagem de automóveis. A Artecola, uma das poucas fabricantes
desse tipo de equipamento no mundo, vende apenas 3 000 pares por ano, a um
valor equivalente a 500 reais cada um. Isoladamente, esse resultado pode
parecer - e de fato é - pouco expressivo. Mas foi graças à multiplicação de
milhares de produtos de nicho, como as botas industriais, que as vendas da
empresa cresceram 55% desde 2006, atingindo 280 milhões de reais no ano passado
(veja quadro). "Hoje, não fazemos produtos padronizados para chegar à
liderança", diz Kunst, de 42 anos, neto do fundador da companhia.
"Somos especialistas."
Vender milhares de produtos e serviços
especializados em pequenos lotes - e ganhar muito com a soma de pequenas
escalas - é uma estratégia típica dos tempos de internet. Em 2006, o jornalista
americano Chris Anderson, editor da revista Wired, transformou-a em tendência ao
cunhar o termo "cauda longa" para designá-la. Para compor o conceito,
Anderson inspirou-se no fato de que, graças à internet, a soma dos milhares de
produtos de nicho que não chegam às prateleiras dos supermercados ou às telas
de cinema se transformou num mercado em si mesmo - tão relevante quanto o dos
produtos de massa. "Um número muitíssimo grande (os produtos que se situam
na cauda longa) multiplicado por um número relativamente pequeno (os volumes de
venda de cada um) ainda é igual a um número muito grande", diz Anderson em
seu livro A Cauda Longa. "Os grandes sucessos são a exceção, não a regra.
Entretanto, vemos indústrias inteiras respirando esse ar rarefeito."
No caso da Artecola, a adoção dessa estratégia
precedeu os impactos causados pela internet - e surgiu como solução para um
problema que abateu a companhia no final dos anos 90. Na época, a invasão de
produtos chineses no mercado brasileiro devastou a indústria de calçados do
interior gaúcho, até então a principal cliente da Artecola. A ideia de expandir
sua atuação para outros setores nasceu depois que Kunst, então diretor
comercial da companhia, fez um curso de globalização na Universidade da
Califórnia. Lá aprendeu que ingressar simultaneamente em diversos nichos - e se
tornar lanterninha por convicção - poderia ser a saída para que pequenas
empresas locais não fossem esmagadas por concorrentes poderosos. Quando voltou
ao Rio Grande do Sul, Kunst convenceu o pai, Renato, então presidente da
companhia, a iniciar uma transformação. Até 2000, 90% da receita da Artecola
vinha de componentes para calçados. A empresa fazia solados, tintas, vernizes e
até sapatos para exportação. Boa parte desses produtos, que integravam o
portfólio desde a década de 60, deixou de ser fabricada de uma só vez naquele mesmo
ano. Restaram apenas os adesivos e os laminados (as peças plásticas que dão
forma aos calçados). Com pequenas alterações, esses itens podiam ser empregados
nos mais diversos setores, como indústria automotiva e construção civil. Num
primeiro momento, as vendas caíram 15%. "Não foi fácil, mas precisávamos
de uma mudança radical", diz Kunst.
PARA
INGRESSAR NESSA cauda longa em setores novos, os executivos da Artecola tiveram
de montar uma nova estrutura de inovação. No início da década de 2000, a
companhia tinha apenas um centro de pesquisa e desenvolvimento, localizado em
sua sede, em Campo Bom, na Grande Porto Alegre. Hoje, são seis unidades (cada
uma delas especializada em um setor diferente), que empregam cerca de 80
pesquisadores e exigiram investimentos de 5 milhões de reais em 2009. Para
monitorar a abertura de cada um dos novos centros, a empresa criou em 2007 um
comitê de inovação liderado por José Antonio Martins, um dos cinco integrantes
de seu conselho de administração e ex-vice-presidente da fabricante de ônibus
Marcopolo. Todos os meses, Martins se reúne com Kunst e seu pai (hoje
presidente do conselho) para avaliar os projetos considerados mais promissores.
Em geral, são submetidos 100 projetos por ano e aprovados 60 - tão diferentes
como uma linha de plásticos para construção que utiliza fibras naturais de
cana-de-açúcar e um adesivo spray para fixar pisos e azulejos. Hoje, além das
pesquisas internas, os laboratórios gerenciam parcerias com fabricantes de
plásticos e adesivos da Alemanha, da França, da Itália e da Suíça, e ainda com
outras dez universidades e centros de pesquisa brasileiros, como a Universidade
Federal de São Carlos, no interior de São Paulo. Essa estrutura permite o
lançamento de cerca de 300 produtos todos os anos. Alguns deles são fabricados
para um único cliente e por tempo determinado, como no caso de uma variedade de
cola capaz de fixar cristais Swarovski em sandálias Havaianas, desenvolvida
para a Alpargatas em 2003.
O
ingresso em alguns nichos só foi possível com uma estratégia de expansão
cuidadosamente mapeada, que resultou na aquisição de oito empresas
especializadas nos últimos quatro anos - no Brasil, na Argentina, no Chile, na
Colômbia, no México e no Peru. Para farejar os potenciais alvos, a Artecola
criou em 2006 uma área de novos negócios, que mantém permanentemente dois
executivos em viagem pelo Brasil e pela América Latina em busca de empresas e
novas áreas de negócio. Nesse processo de internacionalização e diversificação,
a companhia contou com a consultoria informal de Nestor Perini, presidente da
Lupatech, fabricante gaúcha de válvulas para as indústrias de petróleo e
automotiva, que desde 1990 atua fora do país. "Mostrei ao Renato e ao
Eduardo que era importante manter os executivos das empresas compradas, porque
eles conhecem a fundo os mercados locais", diz Perini. Em 2009, a Artecola
apareceu em nono lugar no ranking das empresas mais internacionalizadas do
Brasil, de acordo com a Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. "A
Artecola teve sucesso porque escolheu a região certa, a América Latina, em vez
de se aventurar em mercados muito mais competitivos, como o europeu e o
americano", diz o americano Jase Ramsey, professor da Dom Cabral e
coordenador do estudo.
Uma
das aquisições feitas pela Artecola resultou no ingresso da empresa num de seus
mais novos negócios - o de casas com base de aço e paredes de plástico.
"Como as casas são mais flexíveis do que as tradicionais de tijolo e
concreto, têm grande chance de emplacar em países expostos a terremotos",
afirma Kunst. Segundo ele, a Artecola já está negociando a venda de 3 000
unidades para a reconstrução da cidade chilena de Concepción, atingida por um
intenso tremor de terra em março. É com projetos como esse que a companhia
pretende alcançar um faturamento de 750 milhões de reais até 2015.
"Queremos ser um dos maiores exemplos de que focar os nichos po de ser,
sim, um grande negócio", diz.
Uma
empresa, 5 000 produtos
Como
a Artecola criou uma nova estrutura de inovação
MAIS
PESQUISA
2006: Havia apenas um centro de pesquisa em
Campo Bom, no Rio Grande do Sul
HOJE: São seis centros de pesquisa e
desenvolvimento no Brasil, no México e no Chile. Além disso, conta com 15
universidades e empresas parceiras de inovação no Brasil, na França, na Itália,
na Suíça e na Alemanha
MAIS
ESPECIALIZAÇÃO
2006: Nove fábricas especializadas em
produtos para calçados e para a indústria automobilística
HOJE: 13 unidades que atuam em calçados,
automóveis, construção civil, papel e embalagens
MAIS
PRODUTOS
2006: Cerca de 2 000
HOJE: São 5 000, como adesivos para uma
linha de sandálias Havaianas com cristais Swarovski, casas de plástico e botas
de proteção usadas por bombeiros nos Estados Unidos
RESULTADO
(faturamento em reais)
2006: 180 milhões
2009: 280 milhões
Fonte:
empresa