Marina Pinhoni
06/08/2014
É no Shopping JK Iguatemi – reduto do comércio
de alto padrão e ponto de encontro da classe alta paulistana – que será
lançado, nesta quinta-feira, o livro “Um país chamado favela”, fruto de extenso
mapeamento realizado em comunidades de todo o Brasil.
“A escolha do local não foi aleatória”, afirma a EXAME.com
Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisa Data Popular, que
escreveu o livro em parceria com Celso Athayde, criador da Central Única das
Favelas (CUFA).
Segundo Meirelles, um dos principais objetivos da publicação
é justamente quebrar preconceitos e abrir canais de discussão sobre as mudanças
sociais e econômicas que aconteceram nas favelas brasileiras na última década.
“Queremos criar pontes entre a favela e o asfalto. Também convidaremos
todo mundo quando o livro for lançado nas comunidades”, diz o especialista.
Entre os dados que chamam a atenção no livro está o total de
pessoas que moram hoje em favelas: aproximadamente 12 milhões. O valor é maior
do que a população total do Rio Grande do Sul, quinto estado mais populoso do
Brasil.
De acordo com o pesquisador, 65% dos moradores de favelas
pertencem à classe média. Só este ano, o grupo deve movimentar 64,5 bilhões de
reais. Para se ter uma ideia da pujança, o valor é semelhante ao PIB da
Bolívia, que em 2013 registrou 30,6 bilhões de dólares (o equivalente a cerca
de 69 bilhões de reais). O salário médio dos moradores das comunidades também
subiu: de R$ 603, em 2003, para R$ 1.068, em 2013.
“O crescimento do emprego formal foi essencial para o
aumento da renda até aqui, mas é o empreendedorismo que vai levar a favela
além”, afirma Meirelles.
Como ainda há barreiras para o acesso de grandes empresas,
os moradores encontram nos pequenos negócios a oportunidade para atender à
grande demanda interna de consumo. Refeições para fora, padarias e salões de
beleza estão entre as opções mais recorrentes.
Apesar da melhora na qualidade de vida e no grau de
instrução, o pesquisador afirma que ainda faltam políticas públicas de inserção
social e melhora na infraestrutura. Segundo ele, “73% dos jovens da favela têm
escolaridade maior do que a dos seus pais, mas faltam cursos
profissionalizantes”, diz.
Felicidade
“Sabe o famoso refrão: ‘eu só quero é ser feliz, andar
tranquilamente na favela onde eu nasci'?
Ele se tornou uma realidade objetiva e concreta”, afirma Renato
Meirelles sobre o fato de que 94% dos moradores entrevistados declararam na
pesquisa que se consideram felizes.
Ao contrário do que se poderia imaginar, a maioria absoluta
das pessoas gosta e tem orgulho do local em que vive, e não tem vontade de sair
nem se o salário dobrasse, de acordo com o livro.
A presença da violência ainda é muito marcante, pois 55% das
pessoas entrevistadas consideram a favela em que vivem um pouco violenta, e
outros 18% muito violenta. As atividades ilegais do tráfico também são notadas
por 65% dos moradores. No entanto, há um otimismo revelado na crença de que o
problema tende a diminuir nos próximos meses.
"É fato que a maioria acredita que a comunidade está
melhor com presença das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), por exemplo,
mas isso está longe de ser considerado a solução", diz Meirelles.
Apesar de todos os problemas, um dos motivos primordiais
para a satisfação seria o bom relacionamento com as pessoas e a confiança que é
estabelecida no local.
“Todo mundo conhece todo mundo. As mães que trabalham, por
exemplo, não se preocupam em deixar os filhos com uma vizinha. É muito comum um
comerciante ‘vender fiado’, pois sabe que o cliente vai pagar”, afirma o
pesquisador.
Meirelles também acredita que o senso de convivência e
utilização do espaço é exercido de maneira mais intensa. “Todo lugar vira
lugar, na ausência de espaços para diversão e cultura", diz. "As
pessoas se reúnem nas lajes, nas praças, nas ruas”.
Disponível em
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/favelas-no-brasil-ja-sao-mais-populosas-que-o-estado-do-rs.
Acesso em 30 nov 2014.