Paula Pereira
10/07/2013
O setor industrial brasileiro ainda dá passos lentos rumo à
inovação. Os dados das duas últimas Pintecs (Pesquisa de Inovação Tecnológica),
elaboradas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),
demonstraram um aumento no percentual de indústrias que inovaram e na taxa
geral de inovação. No período 2003-2005 foi de 34,4% e, em 2006-2008, subiu
para 38,6%. No contexto mundial, o país também ganhou posições, pelo menos no
ranking do Global Competitiveness Index (GCI), publicado pelo Fórum Econômico
Mundial. Dados relativos aos períodos entre os anos de 2010-2011 e 2012-2013
mostram que no primeiro período o Brasil ocupava o 58º lugar e no segundo o
48º. Parte dos avanços se deve aos programas de incentivo à inovação do governo
federal e de governos estaduais que oferecem oportunidades para que pequenas,
médias e grandes empresas inovem, mas ainda é baixa a taxa de adesão de
empreendedores.
Há inúmeros fatores que contribuem para a taxa de inovação
ser ainda pouco expressiva no país. Para a professora Anapatrícia Vilha, da
Universidade Federal do ABC e doutora em política científica e tecnológica pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) alguns desses fatores são: a baixa
qualificação de profissionais, burocracia local, alta carga tributária, hiato
entre empresas e universidades e a cultura empresarial calcada numa visão de
curto prazo; o que gera baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento
(P&D). Rolf Sitta, diretor tecnológico do Ciesp (Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo) diz que para a inovação se difundir é preciso um ambiente
econômico estável que valorize o setor produtivo, políticas de desenvolvimento,
gestão pública planejada e um estado menos burocrático. “Tecnologia existe e
está em constante desenvolvimento, faltam políticas claras e aplicáveis”,
explica ele.
As variáveis macroeconômicas – câmbio, juros, inflação –,
que também são apontadas como fatores de influência nos baixos índices de
inovatividade da indústria brasileira são relevantes, mas insuficientes para explicar
o atual desempenho, segundo Glauco Arbix, presidente da Finep – Agência
Brasileira de Inovação (antiga Financiadora de Estudos e Projetos), uma das
principais agências de fomento do país. O importante, para ele, é o Brasil
aumentar a produtividade da economia, o que se faz com tecnologia e inovação.
Mas Arbix se mostra otimista, e diz que acredita que a estrutura industrial
brasileira está mudando e que um número crescente de empresas passou a
internalizar a inovação em suas estratégias crescimento.
A inovação é apontada como fator essencial ao
desenvolvimento das indústrias. Num mercado crescente e competitivo, é
responsável pela oferta de novos produtos e empregos, aumento dos lucros e pela
conquista de novos mercados. Embora comumente associada à criação de um
produto, a inovação pode ser aplicada a processos que permitam a redução dos
custos de produção e aumento da competitividade de forma sustentável. Há também
empresas que atraem novos clientes trabalhando com novas formas de visibilidade
da marca por meio da inovação em marketing, por exemplo.
A aproximação com instituições e universidades, segundo Rolf
Sitta, é um bom caminho e importantíssimo para garantir as etapas de P&D.
“Os organismos de fomento são indispensáveis ao sucesso. Assim como os
convênios, os meios de aquisição deste conhecimento e a participação do governo
são imprescindíveis para criar as bases estruturais de inovação” afirma Sitta.
A taxa de inovação varia conforme o setor industrial e o
porte das empresas. A última Pintec (2008) mostrou que o setor que mais inovou
foi o da indústria de transformação, com taxas de 83,2% da indústria de
automóveis, camionetas, utilitários, caminhões e ônibus; 63,7% dos produtos
farmoquímicos e farmacêuticos; 63,5% de outros produtos eletrônicos e ópticos;
58,1% dos produtos químicos; 54,6% equipamentos e comunicação; 53,8% dos
equipamentos de informática e periféricos; 51% máquinas e equipamentos e 49%
componentes eletrônicos. Dentre todos esses, Sitta destaca o setor automotivo e
o de energias renováveis, embora considere que a inovação está de modo geral em
todos os setores.
Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022
De olho no cenário da inovação na indústria nacional, a CNI
(Confederação Nacional da Indústria) elaborou o Mapa Estratégico da Indústria
para o período de 2013 a 2022, no qual apresenta ações que precisam ser
trabalhadas para melhorar o crescimento econômico do país. O Mapa é resultado
da colaboração de mais de 500 representantes empresariais para definir ações
que impulsionem o crescimento das indústrias brasileiras. As projeções feitas
para 2022, ano em que o Brasil comemorará 200 anos de independência, são
bastante otimistas. Espera-se que, até 2022, das indústrias extrativas e de
transformação que inovam, cerca de 30% delas tenham utilizado incentivos
públicos de financiamento para exercer alguma atividade inovadora (Figura 1).
Segundo o IBGE (2008), o percentual de empresas que inovam
com o uso de financiamentos ainda é muito baixo. Apenas 16,2% das empresas de
grande porte, com mais de 500 funcionários fazem uso deste recurso e se forem
consideradas as empresas de pequeno e médio porte, apenas 1,1%. Uma das razões
do baixo acesso de empresas menores a financiamento é a falta de conhecimento
sobre como usufruir das leis de incentivo.
Figura 1: Percentual de indústrias extrativas e de
transformação que usam investimentos públicos para inovação
Arbix afirma que “mesmo com o ritmo lento da economia nos
últimos dois anos, os pedidos de financiamento para inovação seguiram em ritmo
crescente”. Para ele, existe uma forte relação entre o investimento público e
privado no Brasil. “Já se sabe, por exemplo, que cada R$ 1 de apoio público da
Finep concedido para o investimento em inovação empresarial gera um R$ 1 a mais
de investimento empresarial sem incentivo governamental por meio da Agência”.
Embora poucas empresas busquem esses recursos, as que o
fazem têm mostrado eficiência em seu crescimento. Os apoios da Finep não são os
únicos no país, mas têm sido fundamentais para algumas empresas. Os programas
que a agência oferece e executa são bastante diversificados, conseguindo
atender a diferentes setores e firmas de estruturas bastante diferenciadas.
Arbix lembra que “a Finep financiou desde o embrião da TV digital no Brasil até
estudos e desenvolvimentos emneurociência – hoje uma referência mundial –, e
que incluem o objetivo de colocar um paraplégico para dar o pontapé inicial da
Copa do Mundo de 2014”.
Entre as empresas que contaram com algum investimento em
inovação via Finep estão a Embraer, Natura, WEG, Embraco, Braskem, Marcopolo,
CTC, Bematech, Serttel, Daccord, Pentop do Brasil, Armtec, sendo algumas delas
reverenciadas como modelos a serem seguidos por conseguirem inovar, colocando
produtos diferenciados no mercado interno, mas também por exportarem.
As leis e regulamentos de incentivo são outro tópico
avaliado pelo estudo da CNI. Avanços precisam ser feitos nesse quesito, pois
impactam diretamente na capacidade de inovação das empresas. A demora na
regulamentação de acesso à biodiversidade brasileira é um exemplo. Outro fator
limitante diz respeito à propriedade intelectual na qual os processos de
concessão de patentes poderiam ser mais ágeis e simples, ao mesmo tempo em que
se reconhece a necessidade de estimular a interação entre indústrias e centros
de pesquisa.
O Mapa aponta alguns setores de tecnologias emergentes, tais
como o de biotecnologia, automação e robótica e tecnologia da informação e
comunicação. A mudança no perfil socioeconômico, com aumento da classe
econômica C, que hoje corresponde a 55% da população brasileira, também é vista
como fator que aumentará o mercado consumidor interno. O investimento em
inovação impulsiona a produtividade para atender o mercado consumidor e
incentiva melhores práticas de sustentabilidade, já que introduz modelos que
agridem menos o meio ambiente.
As indústrias, conforme seu porte e setor de atuação,
possuem diferentes necessidades a serem atendidas ao pensarem em modificar sua
organização, investirem na criação de um novo produto ou estratégia de
marketing. Daí a importância de haver agendas que estimulem seu desenvolvimento
ao mesmo tempo em que compreendam suas prioridades. As pequenas empresas têm
necessidades imediatas e a inovação pode estar distante da realidade delas,
pois o que precisam,a curto prazo, é baixar preço para se tornarem
competitivas. “Empresas de pequeno porte têm recursos limitados, uma gestão que
se confunde entre a gestão de um patrimônio pessoal e empresarial. Com exceção
das empresas de base tecnológica, que já nasceram com DNA voltado para
inovação, as pequenas e médias pensam a inovação em decorrência das parcerias
que elas podem fazer com seus fornecedores e seus clientes”, comenta a
professora Anapatrícia Vilha.
Ações de incentivo à inovação
Parcerias entre empresas privadas e atores externos, como
universidades, centros de pesquisa e tecnologia, são uma boa estratégia para
promover a inovação, mas ainda é preciso intensificar o diálogo entre essas
empresas e ações governamentais para colocar o Brasil em posição de destaque.
Muitos organismos têm programas de incentivo à inovação, seja através da
disponibilização de recursos financeiros, seja na forma de
assistência/consultoria à empresa interessada. A Finep com programas
setorizados ou não, o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) e o Banco do
Nordeste através do Programa de Financiamento à Inovação-FNE são exemplos de
organismos financiadores de inovação. As fundações estaduais de amparo à
pesquisa também oferecem programas para estimular projetos inovadores, em
modelos que unem empresas e instituições de ensino e pesquisa. Cabe aos
diversos setores da economia uma articulação para que as empresas associadas
consigam usufruir desses incentivos, como o Programa de Inovação da Fiesp,
Ciesp e Senai que busca atender às necessidades das empresas locais para se
tornarem mais competitivas.
O presidente da Finep lembra que a agência apoia a inovação
em todos os setores industriais e também no setor de serviços. Segundo ele os
principais instrumentos para apoio a empresas são o crédito e a subvenção
econômica. “Temos atualmente 210 operações de crédito ativas e 292 operações de
subvenção econômica. Somadas as demais formas de apoio – projetos cooperativos
com ICTs e investimento via fundos –, apoiamos um total de 700 projetos,
correspondendo a em torno de 750 empresas beneficiadas, considerando que alguns
projetos beneficiam mais de uma empresa e apenas em torno de 7,5% das empresas
possuem mais de um projeto apoiado”.
A distribuição desses canais de apoio por tamanho das firmas
ficaria assim: em torno de 23% são grandes, 35% médias, e 42% pequenas. Em
relação às operações de crédito, Arbix ressalta que dentro do quadro
regulatório atual, há uma predominância de grandes e médias empresas e explica
que as pequenas ficam em desvantagem por apresentarem mais dificuldades de
garantia para suas operações de crédito.
Em março deste ano,foi lançado o Plano Inova Empresa, o qual
aloca R$ 32,9 bilhões para a inovação e representa a prioridade dada pelo
governo brasileiro à geração de tecnologia em áreas estratégicas, com destaque
para a elevação do investimento em P&D das empresas. O objetivo é aumentar
a produtividade e a competitividade da economia. A Finep e o BNDES são os
principais executores do Plano, que foi elaborado a partir de uma articulação
inédita no governo, envolvendo 12 ministérios, empresas públicas e agências.
Segundo o presidente da Finep“o Plano está sustentado em
quatro pilares: Foco em inovação; Prioridade nos setores definidos pelo Brasil
Maior; Integração dos Instrumentos de crédito, subvenção, cooperativo
não-reembolsável e investimento em participação; e Descentralização do crédito
e da subvenção para micro, pequenas e médias empresas”.
Ele explica que os diversos instrumentos para financiamento
à disposição da Finep são capazes de cumprir funções distintas, a exemplo do
uso do poder de compra do Estado para fortalecimento de setores menos
desenvolvidos. A oferta de programas integrados seria, em sua opinião, “a
melhor forma de atender assertivamente às reais necessidades dos planos de
investimento das empresas”.
Modelo de Inovação Aberta
Algumas empresas buscam soluções para seus problemas e novas
oportunidades de invenção ampliando a relação com atores externos, como
clientes, fornecedores, universidades e instituições de pesquisa. Este modelo,
conhecido como Inovação Aberta, tem se mostrado um meio eficaz para a inovação
industrial.
Um exemplo bem sucedido deste modelo é da empresa de
cosméticos Natura que, desde 2006, desenvolve o programa Natura Campus firmando
parceria com universidades e centros de pesquisa e tecnologia. O sucesso do
programa, associado ao forte investimento em pesquisa e desenvolvimento, fez
com que a empresa ficasse em 2º lugar no Prêmio Finep de Inovação 2012, na
categoria Grande empresa. No mesmo ano, a revista Forbes posicionou a Natura em
8º lugar na lista das 50 empresas que mais inovam no mundo.
A empresa é também um exemplo de inovação tecnológica,
mercadológica e organizacional. A partir do uso sustentável da biodiversidade,
ela conseguiu alavancar tecnologicamente seus produtos orquestrando toda uma
rede de fornecedores primários (extrativistas da Amazônia) e secundários
(fornecedores de óleos naturais). “Ela combina com sua estratégia de parcerias
externas e tem uma interface muito estreita com universidades e empresas de
outros setores industriais, lidando com tecnologia de fronteira no campo da
petroquímica, da nanotecnologia e da biotecnologia e marca um serviço
diferenciado num mercado que não estava até então preocupado com o uso
sustentável de artigos naturais”, comenta Anapatrícia Vilha.
Disponível em
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=90&id=1113.
Acesso em 10 jul 2013.