Correio Braziliense
“Escreva uma carta, meu amor. E diga alguma coisa,
por favor. Diga que você não me esqueceu. E que o seu coração ainda é meu…”,
soava a voz de Roberto Carlos no rádio de dona Marlene Bezerra. O romantismo do rei inspirava colocar em prática a principal forma de
comunicação entre os apaixonados da época: cartas e telegramas. Os tempos
mudaram, claro, mas as declarações escritas continuam a inflamar
relacionamentos. Do papel para o e-mail. Do telefone ao Skype. Do recado de
geladeira aos 140 caracteres do Twitter. A geração com mais de 65 anos — que
acompanhou meio que assustada essa transição — agora não se acanha com as
novidades tecnológicas e avisa que está definitivamente on-line.
Dona Marlene tem 76 anos e é muito grata ao
surgimento da internet. Em 1952, Geraldo Dantas apareceu na porta da escola e
conquistou a menina de 17 anos. Os pais não gostavam do romance. A filha era
nova demais para namorar. Mudaram-se para o Rio de Janeiro. As inúmeras cartas
trocadas demoravam, algumas se perdiam, não chegavam. Os telefonemas com hora
marcada ficaram cada vez mais raros e difíceis. Seguiram a vida. Casaram com
outros amores sem nunca esquecer o que ficou no passado. Talvez ele já tivesse
morrido, pensava.
Mais de 60 anos depois, viúva do primeiro casamento
e divorciada do segundo, ela se aprontava para dormir depois de chegar de uma
festa. De costas para a TV, arrumava a cama quando ouviu uma voz do passado.
Pensou por alguns instantes se poderia ser ele. Virou-se para a tela e
reconheceu de imediato a voz e o semblante. Era, mais calvo, grisalho e ainda
charmoso, Geraldo em um programa de entrevistas do Amazonas. Estava na hora de
recuperar um amor perdido no tempo. Emocionada, dona Marlene mandou um e-mail
para a produção da emissora para saber o paradeiro do amado. Deu certo. Ele
ainda lembrava muito bem daqueles olhos castanhos de Marlene. “Aí, a internet
funcionou a toda bala!”, conta.
Ele em Manaus, ela em Petrópolis (RJ). Conectados
pelo mundo virtual. Foram revelações, poemas, lembranças enviadas por e-mail e
algumas vezes por ano trocadas pessoalmente no principal ponto de encontro do
casal: Brasília — onde mora a filha de Geraldo. As conversas ficaram
frequentes, como dona Marlene mesmo diz. Foi preciso comprar um notebook para
ter mais liberdade. E então, virtualmente amaram-se, perdoaram-se e,
principalmente, aprumaram-se com fervor.
Contudo, o último e-mail foi enviado em 24 de
dezembro de 2010. Geraldo dizia estar tranquilo para a cirurgia de vesícula do
dia seguinte. E Marlene preparava as malas para voar ao encontro do namorado.
Ele não resistiu e morreu aos 88 anos, antes que ela pudesse chegar. “Nunca é
tarde.
Infelizmente o tempo foi curto, mas vivido
intensamente. E graças à internet, que matava distâncias e saudades, vivi
grandes momentos deste grande e caloroso amor”, diz. Por mais alguns segundos,
aproveita para destacar a importância da tecnologia para unir as pessoas,
independentemente da idade.
Os preferidos
E este não é um caso único. Pode acontecer com os
mais de 14 milhões de idosos brasileiros — o equivalente a duas vezes a
população do Paraguai —, que cada vez mais conhecem os encantos da web. Dos
internautas acima de 60 anos, 90% são homens e gastam mais de cinco horas
on-line semanalmente, de acordo com a pesquisa da empresa de soluções em
segurança Panda Security. O estudo, realizado em dezembro com 16.850 pessoas,
revela que 98% deles navegam para checar os e-mails, 67% procuram atividades de
lazer, 64% leem notícias e 58% usam serviços bancários. Por enquanto, as redes
sociais ainda não estão entre os preferidos. Mas existem os adeptos: 28% têm
perfil na rede e 11% participam de fóruns ou blogs.
E esse número vai aumentar. A população idosa
cresce, e muito, no Brasil. Segundo dados do Censo 2010, divulgado na semana
passada, o segmento passou a representar de 3,3%, em 1991, para 4,3% em 2000 e
5,8% em 2010. No Centro-Oeste, o percentual de crianças em 1991 era de 11,5% —
e caiu para 7,6% no último ano. A expectativa é de que, em 2025, a população
idosa brasileira seja de 35 milhões de pessoas — 21 milhões a mais do que neste
momento.
O ex-presidente da Associação Internacional de
Gerontologia e Geriatria Renato Maia acredita que este número ainda seja superado
por causa das novas condições de vida da população. “O conceito de velhice
mudou. O passado foi um período em que, as pessoas mais velhas eram afastadas
das atividades sociais. Hoje, os idosos estão mobilizados a participar
ativamente da sociedade”, explica. O médico acredita que com mais acesso a
educação, cultura e renda, os idosos se deram conta de que os anos a mais que
ganharam devem ser vividos intensamente. O computador incentiva a ideia e é uma
nova oportunidade de conhecimento e relacionamento, uma estratégia poderosa que
essa geração de internautas estão sabendo aproveitar muito bem.
As mães e os PCs
A Intel realizou uma enquete on-line com 1,5 mil
internautas brasileiros em abril deste ano. Pelo menos 39% disseram que as mães
querem ter um computador novo — e só para elas. O principal motivo para o uso
de 33% é a possibilidade de manter a conectividade com toda a família e o de
29,6% é por causa do trabalho. Apenas 15,1% são capazes de utilizar todas as
ferramentas do computador e da rede. Mas 11,2% gostam de jogar e têm perfil nas
redes sociais. Já 27,3% dizem que elas pedem ajuda só de vez em quando.