Para evitar as armadilhas em que cai boa parte dos empreendedores, a solução é planejar como gente grande, na visão de Silvina Ramal, professora da PUC e Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. No livro "Como transformar seu talento em um negócio de sucesso", recém-lançado pela Negócio Editora, Silvina mostra, passo-a-passo, como dimensionar um pequeno negócio e implementá-lo utilizando modernas ferramentas de gestão. Nesta entrevista ao Valor, a professora destaca alguns dos seus mais preciosos conselhos.
Valor: O que leva muitos empreendedores ao fracasso?
Silvina Ramal: A principal armadilha é a falta de planejamento. Muitos empreendedores começam um negócio sem conhecer o mercado onde vão trabalhar, sem entender a estrutura interna que precisam montar. Também não sabem planejar as suas finanças. O custo do negócio não é apenas o investimento inicial, ou seja, o dinheiro para montar a estrutura e legalizar a empresa. Às vezes o que representa o maior custo é financiar as operações.
Valor: Sem condições de financiamento, muitos empreendedores sucumbem. Há soluções alternativas para seguir adiante sem muitos recursos em mãos?
Ramal: A solução é iniciar o negócio com o mínimo de recursos possíveis. Aconselho sempre que as pessoas comecem trabalhando em casa, com material ou equipamentos emprestados. Uma vez um jovem me disse: adoraria ter um restaurante, mas não tenho dinheiro. Perguntei por que não fazia comida em casa para vender, e ele logo mudou de assunto. Mas o começo de um negócio tem que ser assim: investimento zero. Depois, aos poucos, à medida que a pessoa vai juntando capital, começa a montar uma estrutura.
Valor: 60% das micro e pequenas não sobrevivem mais do que três anos. Qual o diferencial das que ultrapassam esse período?
Ramal: Além de planejamento e muito cuidado com a parte financeira, os sócios das empresas que funcionam bem têm compromisso com seu negócio no longo prazo. Conheço muitos empreendedores que fecham a empresa na primeira oportunidade que aparece de trabalhar com carteira assinada. Outro motivo muito comum para as pequenas empresas fecharem é o desentendimento entre os sócios. Acontece que muitas pessoas escolhem sócios por amizade, por ser da família, e depois descobrem que não dá para trabalhar junto. Sócio tem que ser escolhido por competência profissional, e, além do mais, é preciso negociar muito com ele, ter muito claro o que será a responsabilidade de cada um, procurando antecipar e evitar possíveis conflitos.
Valor: Quais os seus conselhos a quem deseja montar um negócio na área de serviços, por exemplo?
Ramal: Planejar. Estudar o mercado. Ver quem compra os serviços que se quer prestar, quanto paga, se está satisfeito com a oferta do mercado, quais são as falhas e os pontos fortes da concorrência. Quem vai prestar um serviço, de alguma maneira tem que ter um diferencial. Se a empresa de serviços for igual às outras 300 que já existem no mercado, então é melhor nem abrir. Quando você não se diferencia aos olhos do cliente pela qualidade, só resta competir no preço. E competir no preço não interessa para ninguém, porque significa reduzir a margem de lucro.
Valor: Missão e visão são conceitos de grandes empresas. As pequenas precisam desenvolvê-los?
Ramal: É claro que precisam! A missão diz qual é a razão de a empresa existir. Ora, um pequeno negócio também precisa definir quem é. Idem para a visão, que diz para onde a empresa vai. Sem uma visão de futuro, não há como dar uma direção ao negócio, ele acabará se deixando levar pelo mercado. Quando sabemos onde queremos estar no futuro, qualquer atividade que fazemos ganha uma nova dimensão e significado, podemos direcionar as atividades e os investimentos.
Valor: De que forma se diferenciar estrategicamente em relação aos grandes?
Ramal: A pequena empresa tem algumas vantagens com relação às grandes. Por exemplo, a agilidade para mudar. Por exemplo, um pequeno restaurante pode mudar o cardápio de um dia para o outro. E na rede Mc Donald's, será que essa agilidade é possível? Acho difícil. Outra vantagem da pequena empresa é o conhecimento profundo do seu público. Um dono de armazém de bairro vai ter um relacionamento com seus clientes muito mais próximo que um grande supermercado.
Valor: Como uma pequena empresa deve administrar a sua imagem?
Ramal: Tomando muito cuidado, pois ela não tem uma marca forte por trás para dar-lhe respaldo. A própria postura profissional do sócio contribui para a imagem. Como ele se veste, como fala, como honra seus compromissos. Mas não é só ele: a equipe de funcionários também ajuda a construir a imagem. Existem algumas regras básicas que, se seguidas à risca, fazem uma pequena empresa ter uma excelente imagem no mercado. Ser pontual nos compromissos, entregar exatamente o que prometeu, nunca prometer o que não pode cumprir.
Valor: A pequena empresa deve fazer propaganda?
Ramal: O ideal é a propaganda atingir o público que realmente vai comprar o produto ou serviço. Site na internet hoje é obrigatório, para qualquer tipo de empresa. O que é importantíssimo é fazer relações públicas: produzir releases para jornais, ir a feiras do setor, participar nas associações do setor. É importante ser atuante na vida empresarial.
Valor: Qual a melhor forma de motivar os empregados?
Ramal: A vantagem de trabalhar numa pequena empresa é a chance de aprendizagem. Numa empresa pequena ele terá uma visão global do trabalho, terá autonomia mias rápido. Numa empresa maior, ele é apenas uma peça numa engrenagem. Em geral, o ambiente da pequena empresa é mais agradável, as pessoas constituem uma grande família, todos conhecem as famílias e os problemas dos outros. As grandes empresas são mais frias e impessoais. Além do mais, trabalhar em empresas grandes é para poucos. 90% da mão-de-obra brasileira está empregada em pequenas e médias empresas.
Valor: Os empreendedores montam um negócio muitas vezes pensando que vão ter prazer, mas ficam exaustos, 24 horas ligados no trabalho. Haverá tempo extra para fazer tudo que a senhora aconselha?
Ramal: Ele vai trabalhar 24 horas por dia mesmo. É preciso muito sacrifício ao iniciar um negócio. A questão é que ele pode aplicar as 24 horas com inteligência ou sem inteligência. Eu conheço empreendedores que trabalham 24 horas e não saem do lugar, porque ficam o dia inteiro "apagando incêndios", resolvendo emergências que poderiam ser evitadas com planejamento. Minha sugestão é que a pessoa invista duas a três horas diárias para estudar a gestão do seu negócio e aplicar o que vai aprender. Com o tempo, as 24 horas que trabalha vão render mais e também vão trazer melhores resultados.
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