segunda-feira, 7 de junho de 2010

Esse obscuro objeto de desejo do cliente

Ana Clara Cenamo

Os americanos chamam de hidden agenda aquilo que é preciso descobrir e trazer à tona para então atender o desejo mais oculto e obscuro do nosso cliente ou prospect. O que será?

Alguém aqui se lembra deste filme de Luis Bunuel? De 1977, O filme conta a história de um homem de 50 anos que se apaixona por uma mulher bem mais jovem que se recusa a ter relações sexuais com ele, matendo–o completamente obcecado por ela.

É um filme denso e todo psicológico, como é todo filme de Bunuel, e que me marcou a adolescência. Sempre penso no sugestivo título do filme quando me vejo frente a uma situação onde há um desejo oculto, algo que sabemos estar lá, mas que é impossível de ser revelado à primeira vista: esse obscuro objeto do desejo.

Parto deste título para pensar a relação que vivemos dia–a–dia no atendimento de clientes, especialmente na área de comunicação e MKT.

Existe sempre um obscuro objeto de desejo, uma mulher amada e desejada, mas que não se entrega, no desejo inconsciente de nossos clientes que nos procuram para ajudá–los a descobrir o que e como fazer para conquistá–la.

Este obscuro objeto é indefinido para o próprio desejante/cliente, que tem na agência/atendimento a figura daquele que pode escutá–lo e ajudá–lo a decifrar/traduzir seu desejo em ato – criação.

Não é mero acaso eu tentar aqui juntar meus conhecimentos de psicanálise com minha prática em MKT/atendimento.

Desde que participei de um curso de New Business na McCann SP, ministrado pelo publicitário Kevin Allan, da unidade de New Business de Miami, onde ouvi pela primeira vez o uso do conceito “Hidden Agenda”, comecei e tecer teoricamente a junção de alguns conceitos psicanalíticos com a prática publicitária do dia–a–dia.

A “Hidden Agenda”, segundo Allan, é aquilo que devemos descobrir, revelar, trazer à tona para descobrir como e o que fazer para satisfazer o desejo mais oculto e “obscuro” do nosso cliente ou prospect. A “Hidden agenda” é a chave do mistério, aquilo que se descoberto, decifrado e traduzido (em uma solução criativa/estratégica), deixará nosso cliente absolutamente satisfeito, pois assim “a mulher poderá ser conquistada”.

Hidden Agenda é tudo que não permite que nosso cliente durma à noite, que lhe perturba os sonhos e que nem ele mesmo sabe dizer o que é.

Cabe a nós, à semelhança de um psicanalista que auxilia seus pacientes no “garimpo” inconsciente, auxiliar nossos clientes no “garimpo” de seus desejos, medos, expectativas e necessidades (tudo isto condensado no conceito de Hidden Agenda) mais íntimas em relação a seu negócio, para que, a partir de sua revelação, possamos (cliente e agência) efetivamente ajudá–los a encontrar uma solução.

Mas nada disso é assim fácil como parece.

Atender um cliente requer arte. Nem vou me ater aqui a que temos que deixar de lado a velha, desgastada e estereotipada imagem que se tem do atendimento “leva e traz”. Esqueça.

Falo do atendimento que escuta, interpreta, decifra e traduz aquilo que realmente é necessário e objetivo para determinado cliente/marca.

E esta prática se faz no dia–a– dia, no “leva e traz”, e é construída.

O relacionamento entre Atendimento/Cliente é muito semelhante ao que se dá entre um psicanalista e seus pacientes. Há uma relação de confiança e afeto que se estabelece segundo o que o velho e bom Freud “explicou” como sendo a transferência e esta é a base de tudo.

Um bom atendimento é aquele que sabe sustentar a transferência com seu cliente e a partir desta é capaz de escutar e compreender/revelar os desejos ocultos do cliente para trazê–los à tona e assim orientar a comunicação almejada.

Se esta relação não se estabelece ou estabelece–se negativamente (a velha e boa história que todos nós conhecemos das relações que “não rolam”) disso originam–se muitos cases de contas perdidas “sabe–se lá porquê”.

Não basta achar que o cliente “vai ou não vai com a cara deste ou daquele”. Ser um bom atendimento é uma arte, disse lá atrás.

Arte porque requer que sejamos um campo neutro e de múltiplas possibilidades para podermos originar diversas combinações e não só variações do mesmo tema, estáticas (pensemos nos casos estereotipados que conhecemos por aí).

Arte porque requer que saibamos escutar além das palavras e isto é habilidade rara e exige no mínimo um árduo caminho de autoconhecimento profundo daquele que se propõe a tal tarefa.

Arte principalmente porque temos que nos despir de preconceitos, teorias prévias, soluções pré–definidas para podermos estar abertos a conceber algo completamente novo, atemporal e talvez totalmente contrário a tudo que havíamos concebido antes.
Enfim, temos que ser um pouco como arqueólogos e tentar traduzir textos ainda irreconhecíveis ou enigmas, propostos por nossos clientes, que, tal qual a esfinge egípcia, nos colocam frente a um: “Decifra–me ou devoro–te”.

E acho melhor aprendermos a decifrar, pois o preço a pagar pode ser alto demais: aquela boa conta, seu emprego, sua credibilidade no mercado…

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