Fernando Murad
04/04/2012
O surgimento da internet derrubou barreiras e colocou a
relação entre pessoas, marcas e empresas em um novo patamar. Como toda
revolução, a digital também deixou arestas a serem aparadas. Uma delas é a
coleta e utilização dos dados dos internautas e do histórico de navegação pelas
páginas da web com fins comerciais. A questão coloca frente a frente o direito
fundamental à privacidade e à intimidade e a possibilidade de melhorar a
eficiência da comunicação online.
Polêmico, o assunto é tema de um projeto de lei nos Estados
Unidos que pretende garantir o direito individual do consumidor de controlar
que tipo de informação poderá ser coletada e a transparência quanto ao uso da
informação obtida. A União Europeia já criou uma lei específica, embora muitos
Estados-membros ainda não tenham transposto as novas diretrizes para a sua
legislação nacional.
Já no Brasil, a política de privacidade aplicada pelas
empresas pontocom será discutida em uma audiência pública na Comissão de Defesa
do Consumidor da Câmara dos Deputados, ainda sem data definida. O pedido foi
feito pelo deputado Paulo Pimenta (PT/RS) a partir da unificação dos termos de
compromisso do Google, em vigor desde 1.º de março, que criou um regulamento
único para substituir os mais de 60 conjuntos de regras existentes.
O poder de fogo que as informações coletadas dão às empresas
é inquestionável. Segundo uma pesquisa da Blinq Media, de fevereiro de 2011,
anúncios segmentados potencializam o compartilhamento da mensagem e as taxas de
cliques. “As taxas de cliques para campanhas no Facebook foram de 7,5 vezes
maiores para anúncios segmentados com características demográficas e
informações de interesse do usuário do que para os anúncios não segmentados”,
aponta Leonardo Longo, gerente de mídia digital da Ambev. Mas qual o limite
para a obtenção e uso destas informações?
“O controle deve estar nas mãos dos usuários. Cada um
deveria poder modular o quanto e com quem quer compartilhar de acordo com seu
desejo. O usuário tem o direito de saber que tipo de informação é coletada,
assim como também as ferramentas para tirar esses dados do serviço no momento
em que for conveniente. É importante frisar que todo site tem uma política de
privacidade. E o usuário, por muitas vezes, simplesmente ignora que tipo de
informação é coletada, por exemplo, quando ele cria um login para comentar uma
matéria. O Google, em seu compromisso com a transparência com os usuários, unificou
seus mais de 60 termos de privacidade, além de tornar o texto mais fácil de ser
entendido para que o usuário possa realmente acompanhar e saber como seus dados
são usados. E nesse texto, o usuário poderá ler e compreender que ele tem à sua
disposição controles de privacidade que permitem escolher qual informação quer
compartilhar. É preciso deixar claro também que o Google não compartilha
informação com terceiros nem vende dados, como empresas de crédito e de
assinaturas de serviço constantemente fazem. E, mais do que tudo isso, que os
usuários têm a liberdade de retirar todos os seus dados do Google, usando o
Data Liberation Front. Na internet, a concorrência está sempre a um clique de
distância. Mais do que serviços relevantes, as empresas precisam permitir que o
usuário escolha como seus dados serão usados. São eles que desenham o limite.”
“As empresas não podem se valer de práticas de obtenção de
dados de forma obscura. A maioria dos usuários do Google, Facebook, Twitter,
quando disponibiliza seus dados, jamais imagina que essas informações serão
objeto de negócio no mercado publicitário. Não há uma política de
esclarecimentos por parte dessas empresas. Essas relações precisam ser
transparentes, de forma a permitir que o usuário que desejar receber anúncios
dirigidos em suas caixas de e-mail, possa ter esse serviço, mas, por outro
lado, preserve os usuários que não queiram que suas informações sejam
comercializadas no mercado publicitário, ou nem sequer mapeadas ou rastreadas.
O consumidor, ou internauta, precisa ser protegido, pois é a parte mais fraca
da relação de consumo. Hoje, o que ocorre é que todas as informações, inclusive
palavras-chave do e-mail, são rastreadas, para montagem de perfis, bancos de
dados, e essas informações e rastros de navegação dos usuários, lançadas no
mercado, geram bilhões. Entretanto, o argumento das empresas para vasculhar até
e-mails dos usuários é de que poderão oferecer uma melhor navegação e oferecer
produtos do interesse dos usuários. Mas escondem o grande comércio que existe
com a aquisição dessas informações. Além disso, as empresas buscam também coibir
ações judiciais de usuários, como o Google, por exemplo, que impede ações fora
da Comarca de Santa Clara, na Califórnia. Esse tipo de restrição judicial
também colide com as leis do nosso País.”
“Há uma lacuna normativa e regulatória com relação à
proteção de dados no Brasil. Não existe uma lei específica estabelecendo
princípios, normas e responsabilidades, tampouco uma autoridade competente para
fiscalizá-lo e evitar abusos. Um cenário extremante complicado se levarmos em
conta a potencialização da coleta e perfilação dos dados possibilitada pela
internet e pelas novas ferramentas tecnológicas, utilizadas tanto pelas
empresas quanto pelo poder público. Nesse quadro, o consumidor se torna ainda
mais vulnerável, com poucas chances de ver concretizado seu direito fundamental
à privacidade e à intimidade garantido pela Constituição. A ele resta a
dependência das políticas de privacidade das empresas, ora inexistentes, ora em
completo descompasso com outros diplomas legais, como o Código de Defesa do
Consumidor. Não há compromisso das empresas com o tratamento qualitativo,
responsável, seguro e autorizado dos dados. Isso fica evidente se atentarmos
para a quantidade de publicidade massiva e direcionada, veiculada pelos meios
eletrônicos diariamente. E traz consequências sérias, como a discriminação e o
monitoramento no mercado de consumo. Nesse sentido, preocupa muito a grande
concentração de serviços diferentes nas mãos do mesmo fornecedor, como é o caso
de Google, Facebook e outras (poucas e) grandes empresas. O cruzamento dos
dados pessoais é catalizado, torna-se inevitável e fatalmente trará danos aos
consumidores.”
“O principal limitador é a falta de transparência na coleta
dos dados, assim como a falta de segurança e confidencialidade com que são
tratados. Esse receio referente à privacidade ocorre, muitas vezes, pelo fato
de os veículos deixarem as informações ‘vazarem’, como quando o Facebook
permitiu o acesso a informações pessoais de seus usuários devido a um bug. Na
União Europeia, foi desenvolvida uma lei que visa dar aos consumidores mais
informações sobre os dados armazenados sobre eles, sendo que, antes de ser
solicitado o seu consentimento, os usuários devem ser informados sobre o uso
dos dados recolhidos. Porém, em maio de 2011 a Comissão Europeia já considerava
processar 24 países por ainda não terem transposto para o direito nacional as
novas diretrizes. Para que isso ocorra bem no Brasil, haverá a necessidade de
um esforço conjunto das empresas com o governo. Além da necessidade da
transparência, é preciso reforçar que a utilização dos dados está longe de ser
considerada uma invasão de privacidade, pois é a utilização com inteligência
dos rastros deixados pelos usuários em um banco de dados anônimo e que contém
uma diversidade enorme de variáveis. O intuito é a correta interpretação dessas
variáveis, onde é possível agrupar em perfis os consumidores que navegam por
determinada plataforma ou que visualizam determinado conteúdo na internet,
entre outros. Se bem utilizados, o próprio internauta sairá ganhando com a
utilização dos dados.”
Disponível em http://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/em_perspectiva/2012/04/04/Invasao-de-privacidade.html.
Acesso em 03 out 2013.
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