Marcos Hiller
23 de outubro de 2013
Só no Brasil fogão tem tampa. No sul do Brasil, uma parcela
da população come pizza com maionese. No Rio de Janeiro, se tem o hábito de
colocar catchup na pizza. Peça catchup numa pizzaria tradicional da cidade de
São Paulo para você ver a olhada de repressão que o garçom te dará. Em algumas
regiões do Nordeste se tem o costume de comer catchup no meio do feijão com
arroz. Só no Brasil, alguns carros modelo SUV, como a EcoSport, por exemplo,
possuem aquele pneu do step afixado na traseira do veículo à mostra para os
demais motoristas da rua verem e, geralmente, envolvidos com capas estilizadas
ou até personalizadas.
Só no Brasil máquina de lavar tem a abertura na parte
superior e, geralmente com tampa de vidro, para a dona de casa brasileira poder
ver a roupa revirando pra lá e pra cá, limpando e lavando. Há quem diga que uma
parcela de pessoas que usam dentadura no estado de Mato Grosso do Sul tem o
costume de colocar aparelho dentário na dentadura, justamente para que o fato
de possuir aparelho tente negar a existência de uma prótese dentária. No
Brasil, a cor do luto é o preto e no Japão a cor do luto é o branco (vi isso
outro dia numa cena de funeral em um dos filmes do Bruce Lee).
Todos esses fatos, por mais esquisitos e até mesmo
pitorescos que possam parecer, se dão fortemente por conta de um elemento
chamado cultura. Estudar marketing, comunicação, branding e práticas do consumo
em geral nos requer cada vez mais, na contemporaneidade, que compreendamos a
cultura do consumidor. E o que é a cultura? Nada mais é do que esse acervo de
conhecimentos que modela e modula boa parte das relações entre as pessoas.
Cultura é aquele elemento central formado por uma mistura de questões sociais,
econômicas, políticas de um determinado grupo.
É na cultura onde encontramos as respostas mais profundas
para desafios e dilemas do processo de marketing hoje em dia. Ferramentas
mercadológicas, teoremas de Paretto, cinco forças de Porter, teorias de
estratégia competitiva, os exaustivos quatro “pês” de marketing, entre outros
modelos são fundamentais para entender os processos de marketing e consumo em
dia? Acho que sim. Mas quer compreender um pouco mais a fundo as verdadeiras
motivações, desejos e comportamentos das pessoas? Vá estudar a cultura. Tire o
snorkel e coloque o tubo de oxigênio. Mergulhe. E nada melhor do que se ancorar
em outras áreas do conhecimento.
Vamos com outro exemplo! Recentemente um amigo que trabalha
na área de pesquisa de mercado da Kibon/Unilever me disse que fizeram algumas
seções de pesquisa, por meio da técnica de grupo focal (ou focus group, como
habitualmente se fala no mercado), com grupos de crianças para se detectar
novas cores de picolé que a Kibon deveria lançar no Brasil. E após as
discussões com a criançada, quais foram as cores preferidas? Rosa? Laranja?
Vermelho? Verde? Amarelo? Azul? Quem respondeu alguma dessas, errou. A cor
favorita da molecada foi o preto. Sim, um picolé de cor preta. Absolutamente
imprevisível e inusitado. E se lançarmos um picolé preto seria um tremendo
sucesso? Eu não apostaria nisso. E justamente por isso que esse negócio chamado
pesquisa é tão fascinante.
Mas por que o preto? Confesso que não sei a razão exata.
Precisaria me aprofundar um pouco mais para encontrar respostas críveis. Mas
acredito que a razão do porquê o preto foi a cor vencedora não esteja no
marketing, mas sim na antropologia, na sociologia, na psicologia, na semiótica.
No chamado Neuromarketing talvez? Eu acho que também não. Aliás, não quero soar
como uma percepção leviana, mas eu acho que misturar Marketing com Medicina é
forçar um pouco a barra. Pra mim, mergulhar nas ciências sociais e ler autores
como Nestor Garcia Canclini, Jesus Martín Barbero, Gilles Lipovetsky, Gisela
Castro, Rose de Melo Rocha e Maria Aparecida Baccega tem me dado respostas
bastante lúcidas para todos esses dilemas e complexidades das relações entre
pessoas e marcas. Aliás, estudar mais a fundo o porquê de o preto ter sido a
cor favorita das crianças na pesquisa talvez nos traga evidências sobre por que
a meninas piram hoje em dia nessas bonecas vestidas de vampiras e monstros.
Isso particularmente me inquieta.
Muito de minha visão nesse despretensioso texto é fruto de
um curso de mestrado que estou para concluir hoje na ESPM/SP na área de
comunicação e práticas do consumo. Estudamos o consumo não como consumismo, não
como uma mera relação de troca entre bens e valores monetários. Discutimos o
consumo não à luz de teorias clássicas de comportamento do consumidor, como a
de Abraham Maslow e tantos outros. Pensamos o consumo como uma apropriação
social, sinérgica e simbólica. Consumir hoje em dia é estar na sociedade.
Consumir é se inscrever em algo. Consumimos o tempo todo, desde um maço de
cigarros que compramos na esquina até mesmo uma lata de Coca-Cola que seguramos
na mão ou uma telenovela a que assistimos. Consumimos sempre. Negar o consumo é
negar que vivemos em sociedade.
Ah, por que diabos só no Brasil fogão tem tampa? Oras, por
conta de uma questão cultural. Mais que isso: para a dona de casa brasileira, e
só para a brasileira, por mais que a cozinha não esteja com aquele brilho
impecável, o ato sígnico de se abaixar uma tampa de fogão significa: “Pronto!
Missão cumprida! Posso curtir minha novela e meu maridão”.
Disponível em
http://www.administradores.com.br/artigos/marketing/quer-entender-o-consumo-estude-a-cultura/73788/.
Acesso em 29 out 2013.
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