Paula Adamo Idoeta
2 de
maio, 2014
Muitas dessas profissões ainda nem existem, mas a pergunta
tem mobilizado especialistas em educação e mercado de trabalho – em busca de
aperfeiçoamentos nos sistemas de ensino atuais.
E cresce entre analistas a percepção de que muitas
habilidades cruciais não serão técnicas, mas, sim, sociais e emocionais:
resiliência, curiosidade, colaboração, pensamento crítico e capacidade de
resolução de problemas, por exemplo.
"Com o acesso abundante ao conteúdo, o que a pessoa
precisa é saber escolher, separar fatos de opiniões, saber navegar em meio a
muitas informações não filtradas", explica Denis Mizne, diretor-executivo
da fundação educacional Lemann.
"Daí a importância do pensamento crítico. E a
resiliência tem a ver com um mundo menos previsível. Se não sei que profissões
existirão, preciso me adaptar."
Mas como ensinar habilidades desse tipo, sem descuidar do
conteúdo escolar? E será que muitas delas têm sido pouco exercitadas pelas
últimas gerações?
Para a professora Carmen Migueles, especialista em educação
e desenvolvimento organizacional da EBAPE-FGV, parte das novas gerações –
crescidas na internet – "perdeu o contato com o sacrifício e a capacidade
de vencer obstáculos".
"Eles entram no mercado de trabalho achando que serão
recebidos em um palco iluminado pronto para eles", opina a professora à
BBC Brasil. "Mas o sucesso é algo que se consegue em meio às
dificuldades."
Segundo ela, essas habilidades socioemocionais – chamadas
também de "soft skills" ou habilidades não cognitivas – foram citadas
por todas as empresas quando questionadas sobre o que queriam em seus
funcionários, em pesquisas feitas pelo MBA da FGV no Rio.
"É um cultivo de virtudes, como paciência,
solidariedade e entendimento de diferenças em uma sociedade
multicultural", diz ela. "Isso ajuda, por exemplo, a lidar com o
choque de culturas quando uma empresa é comprada por uma estrangeira."
Debate
As habilidades das gerações futuras foram debatidas
recentemente em eventos nacionais e internacionais: no seminário Educar Para as
Competências do Século 21, em março, no Brasil, e na Conferência de Educação
Privada, realizada em abril em San Francisco (EUA) pela International Finance
Corporation, ligada ao Banco Mundial. Um dos participantes da conferência
internacional foi o especialista americano Brian Waniewski.
Habilidades socioemocionais consideradas importantes para
profissionais do futuro
Criatividade
Espírito colaborativo
Pensamento crítico
Resiliência
Habilidades de comunicação
Experiências para estimulá-las
Com jogos que envolvam superação de desafios, pensamento
crítico e colaboração; há experiências educacionais envolvendo desde jogos de
tabuleiro até videogames.
Levando aos alunos debates sobre estudos de casos reais e
práticos e estimulando o questionamento da utilidade do conteúdo aprendido.
Estimulando atividades que envolvam criação e criatividade;
na infância, blocos de montar, programas de design e programação e lápis de cor
ajudam nessa tarefa
"Um dos fatores mais importantes é aprender a aprender
– e a curiosidade não é algo que seja muito estimulado pelos sistemas
educacionais atuais", diz ele à BBC Brasil. "O mercado de trabalho se
move mais rápido do que o educacional."
Mas já existem diversos experimentos em curso para ensinar e
mensurar essas habilidades. Um deles é do próprio Waniewski, ex-diretor do
Institute of Play, empresa que desenvolve métodos de ensino baseados em jogos.
Na prática
Waniewski argumenta que o uso de jogos na sala de aula ajuda
a simular a resolução de problemas na vida real. "Você progride de um
nível para outro, supera desafios e é um agente proativo", diz.
A mesma lógica vale para levar casos concretos e questões da
vida real – por exemplo, problemas da comunidade - para o debate entre alunos,
em vez de focar apenas o conteúdo teórico.
"Isso passa por tirar o aluno de seu papel e colocá-lo
para desenvolver problemas complexos e em equipe", diz Migueles.
Ainda que isso já seja estimulado em alguns cursos
superiores ou pós-graduações, ainda é algo incipiente nas escolas, diz sua
colega na FGV-SP, a professora de economia Priscilla Tavares.
"Hoje aprende-se muito mais o conteúdo do que o que
fazer com ele", opina, citando o exemplo do logaritmo, elemento matemático
comumente usado por profissionais de finanças. "Mas, quando aprendemos
logaritmo, não aprendemos para que ele pode ser aplicado."
A dica, aí, é que os alunos tentem estudar não apenas para
passar na prova, mas buscar entender a aplicação prática do conteúdo e como
relacioná-los a outras disciplinas aprendidas.
"Muita gente trata o debate como se fosse preciso
escolher entre ensinar essas habilidades e o conteúdo tradicional, como
matemática e português", afirma Mizne, da Fundação Lemann. "Mas os
alunos precisam das duas coisas – e essas habilidades ajudam no aprendizado do
conteúdo."
A tecnologia também colabora. Um grupo do Laboratório de
Media do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) dedica-se a desenvolver
métodos de aprendizado criativo.
Uma de suas maiores apostas é uma linguagem de programação
chamada Scratch (disponível no site http://scratch.mit.edu/), que estimula o
aprendizado de programação mas também "estratégias para resolução de
problemas, design de projetos e ideias de comunicação".
E pais podem estimular os filhos a desenvolver essas
habilidades desde cedo, diz Resnick, com brincadeiras que envolvam design e
criação, como blocos de montar, desenhos e jogos.
Experimentos
Aqui no Brasil, o Instituto Ayrton Senna e a OCDE
(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) fizeram um estudo,
recém-divulgado, com 24,6 mil alunos da rede estadual do Rio de Janeiro, com
uma ferramenta desenvolvida para a medição de competências socioemocionais.
Algumas das conclusões são de que ter em casa mais de uma
estante de livros aumenta em 40% a chance de uma criança ser mais aberta a
novas experiências; e que estimular habilidades como planejamento e o
protagonismo entre os alunos melhora seu desempenho em matemática e português,
respectivamente.
"Notamos que as escolas em geral já praticam essas
habilidades em seu cotidiano, mas de maneira não intencional", explica à
BBC Brasil Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto
Ayrton Senna. "Se as escolas conseguirem trabalhar esses valores, eles
serão potencializados."
E eles podem ser potencializados por atividades esportivas e
culturais, pela incorporação de jogos que colaborem no aprendizado das
diferentes disciplinas e pelo estímulo à pesquisa entre os alunos, agrega
Ramos.
O Instituto agora testa a incorporação dessas habilidades no
currículo escolar do Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio – incluindo
treinamento de professores, projetos interdisciplinares envolvendo capacidades
socioemocionais e estímulo a que os alunos elaborem "projetos de
vida", com planos para o futuro.
"A vantagem é que essas habilidades não cognitivas se
desenvolvem ao longo da vida, basta criar um ambiente adequado para isso",
diz Ramos.
Para Resnick, do MIT, mais do que ajudar na busca de
empregos, o estímulo dessas habilidades ajudará os jovens do futuro a serem
"uma parte mais ativa da sociedade, pessoas que pensam melhor, inovam e
são e capazes de articular suas ideias. E todo o mundo precisa disso".
Disponível em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140429_habilidades_empregos_futuro_pai.shtml?ocid=socialflow_facebook.
Acesso em 02 mai 2014.