Patricia Weiss
02 jan 2014
Há pelo menos uns 12 anos, um sábio inglês, muito respeitado
e admirado até hoje, disse: “No futuro, o comercial de TV ainda terá uma
importância fundamental, o entretenimento será parte do produto. Se o produto
não for comunicado nos entretendo, ele não nos interessará. Não é o fim do
comercial tradicional, se ele nos entreter. Será o fim de qualquer coisa se não
nos entreter.”
Estamos vivendo hoje com o máximo de intensidade,
aceleração, e natural despreparo, a realidade da potente intersecção entre o
marketing, a publicidade e o entretenimento. Principalmente em 2013, que
representou o ápice desse encontro de territórios, da inevitável convergência,
que há décadas é realidade fora do Brasil.
Ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil identificar o que é
advertising que entretém e o que é branded entertainment e branded content, sem
falar de native advertising, brand publishing, brand newsroom, etc.
Por mais nebuloso que isso pareça, é um fato que ainda
reverbera no Brasil como se fosse demorar para chegar em terras onde a
coexistência da mídia tradicional com as novas mídias se mantém.
No mundo todo, o consumidor não é mais passivo; é coautor da
ampla conversa social não linear - e altamente visual, que acontece ao redor
dos conteúdos distribuídos pelo modelo tradicional de broadcast. Ele produz
plenamente em uma cultura participativa e hiperconectada, vendo e interagindo
com os acontecimentos e conteúdos, simultaneamente, na hora, ao vivo. E em tempo
real.
Em 2013, vivemos um clímax da “era social” visual sem
fronteiras, como uma versão atualizada da “Sociedade do Espetáculo”,
preconizada no livro de Guy Debord em 1967: uma sociedade com abundância de
informações, imagens, hiperconsumista. Regida pela lógica totalitária do
“espetáculo”, onde a própria sociedade é o espetáculo, a relação social entre
as pessoas é mediada por imagens, e vive em ritmo de espetáculo. O “parecer
ser” vale mais do que “ser”, e o “parecer ter”, também.
É espetáculo porque tudo o que antes era vivido diretamente
pelas pessoas, tornou-se hoje, uma espécie de representação. Natural então, o
surgimento dos selfies.
Os microespetáculos representados por cada um de nós, em 140
caracteres, com fotos, grandes imagens e vídeos, muitos vídeos, circularam
pelos palcos de 2013, ano em que o Vine e depois o Instagram, foram as vedetes
das mídias sociais. Se 2012 foi o ano da foto, 2013 foi o ano do vídeo.
O contexto cultural mundial atual é um imenso desafio para
as marcas, que precisam reinventar as antigas formas de conexão com o
consumidor, modificar a gestão do ecossistema vital e do significado da marca.
E o marketing deve reprogramar radicalmente o seu mindset, a forma de enxergar
e atrair o consumidor, abandonando o pensamento convencional orientado à mídia
e à quantidade, centrado no que a marca pode ou não prometer e oferecer ao
mundo.
Há uma revolução criativa afetando a sociedade mundial;
todos os setores estão sendo impactados. No mundo acadêmico, na educação, no
mundo editorial, no showbiz do entretenimento, enfim, todas as indústrias estão
em processo irreversível de mudanças. Mesmo que alguns não queiram assumir.
Essa revolução foi extremamente sentida e acentuada em 2013,
e pode mudar o nome e o significado do marketing para sempre. Marketing agora
se chama storytelling.
Hoje, a promessa de uma marca, seus valores, seus produtos,
não interessam mais aos consumidores, se o rumo da história não mudar. O
marketing deve contar e efetivamente realizar histórias que conectam as
pessoas, como nunca antes.
Marcas agora devem ser, de forma amplificada, storytellers e
storydoers.
A sociedade pós-moderna respira e transpira o futuro em
todos os sentidos. A obsessiva necessidade humana de alcançar e viver no futuro
se materializou.
Bem-vindo ao “presentismo”, onde o colapso das narrativas
impera permeando a sociedade. Neste contexto de ampla dispersão da atenção
humana e fragmentação da linguagem universal, as narrativas estruturadas,
presentes no storytelling, histórias com começo, meio e fim que nos fazem mais
humanos desde sempre, se estabelecem como um bálsamo.
As corporações devem contar histórias que sejam maiores que
os seus produtos, com um conteúdo relevante, capaz de envolver, entreter e
engajar o consumidor, sendo naturalmente compartilhado, porque conseguiu
participar da tal conversa social que acontece ao redor das telas e dos
conteúdos. A conversa humana que acontece entre as pessoas, na vida delas.
Histórias onde o protagonista e herói deve ser sempre o
consumidor, e não a marca, fazendo sentido para a audiência, informando e
transmitindo o significado e valor da marca, de forma sutil e adequada, sem
forçar a venda de produto. Com o storytelling como a poderosa ferramenta de
marketing da atualidade, as marcas podem concretizar uma conversa, uma
experiência contagiante, um relacionamento com as pessoas, sem interromper a
vida delas.
Colocando o storytelling no centro da estratégia da marca,
não apenas em um evento, ou uma campanha. Aliás, perdendo a mentalidade de campanha,
de peças, de plataformas. Porque não é assim que o ser humano se relaciona com
os fatos.
E o mundo mudou, as pessoas mudaram e não querem nem
campanha, nem promessas, nem histórias egocêntricas centradas na marca.
O sucesso de “Dove Real Beauty Sketches” materializa isso
A história mais vista, comentada e compartilhada do mundo
ano passado (163 milhões de views em dois meses). Uma história criada pela
Ogilvy Brasil - não uma campanha, caso você que lê aqui tenha cogitado mudar o
nome.
Uma poderosa ideia e solução criativa que ajudou a humanizar
mais a marca Dove e contagiou as pessoas por vários motivos: focou na
audiência, como protagonista e heroína, tocou uma questão humana e relevante,
reunindo na história o Consumer Insight e o Brand Truth, a verdade da marca,
seu propósito. Com maestria, transferindo autenticidade, transparência e
originalidade para o conteúdo.
O branded film de Dove mostrou a marca somente no final. Um
case de sucesso que representa, como alguns outros mencionados abaixo, o quanto
2013 foi um ano único e, definitivamente, divisor de águas para um novo tempo,
em que o entretenimento é a linguagem fundamental.
Como acontece com a marca mais bem-sucedida como storyteller
e storydoer até hoje, Red Bull
Qualquer manifestação dessa marca é uma história que
entretém. O produto funciona até como um canal de comunicação, uma mídia. O
entretenimento faz parte da essência e alma dessa marca, da história
consistente que conta e entrega.
Red Bull é muito mais que uma media company ou brand
publisher, que publica conteúdos próprios e autênticos há tantos anos.
Red Bull é uma entertainment brand, uma marca de
entretenimento, absolutamente coerente com a sua vocação, e profundamente
sintonizada com a sua audiência, seu contexto e o que mais interessa a ela.
Enquanto Red Bull entretém e dá asas à audiência, vende o produto.
Reinterpretando e reinventando o significado da marca e o
“território” de atuação do negócio
A Coca-Cola redimensionou seu propósito e papel na vida das
pessoas indo além da categoria de bebidas, da indústria em que atua,
fortalecendo a reputação da marca.
O negócio da Coca-Cola hoje é story factory, em vez de
beverages factory. Muito mais do que gerenciar seus produtos, a sua marca, ela
compartilha histórias humanas interessantes que aproximam as pessoas mais
distantes.
Histórias criadas para as pessoas participarem e
colaborarem, abrindo mão do controle sobre o quanto aquele potente conteúdo
pode afetar e contagiar o ser humano no Brasil, na Índia, no Paquistão.
Afinal, que história é essa de “contar histórias”?
Um fato tem 20 vezes mais chance de ser lembrado, se estiver
ancorado em uma história. A arte de contar histórias é presente na vida do ser
humano desde o seu nascimento. Histórias têm o poder de capturar e reter a
nossa atenção, transmitindo conhecimento, valores e conceitos desde o berço,
literalmente.
Somos naturalmente acostumados e ávidos por histórias. Em
todo o mundo é assim. Sempre foi e será porque é cientificamente comprovado.
Storytelling, a arte de contar histórias, pertence somente ao universo humano.
Quando “sonhamos acordados” durante o dia, a nossa
imaginação e fantasia fluem como história. Quando sonhamos enquanto dormimos,
acontece também em formato de história, com direitos inconscientes a um enredo
com vários personagens, antagonistas (porque o protagonista, na maioria das
vezes, somos nós), começo, meio e fim, desafios, derrotas, vitórias, embates,
clímax – pelo menos um – e superação. Uma verdadeira jornada do herói, como nos
contou Joseph Campbell.
Sem falar que acordamos com uma forte sensação de que
estávamos realmente em um filme ficcional.
Grandes histórias são compartilhadas porque são
interessantes. Quando conectam, são viralizadas. Podem contagiar o ser humano
“infectando” mentes com ideias.
Como contou o autor do livro “The Storytelling Animal – How
stories make us human”, de Jonathan Gottschall, em 2012.
Somos infectados quando nos transportamos emocionalmente,
através daquele universo, nos perdendo imersos na história contada, e logo
depois, nos reencontrando, mas impregnados por ela.
No mundo corporativo, as histórias funcionam como um
eficiente “veículo” de mensagens que podem nos infectar, derrubando nossas
defesas e resistências ao que é comercial, a nossa imunidade intelectual e
emocional.
O storytelling foi o grande tema em 2013, reconhecido e
aplicado no mundo, como uma poderosa ferramenta vital para o negócio. O novo
marketing se chama storytelling.
A verdadeira beleza interior não precisa ser evidente, e nem
excessiva, no branded entertainment
As marcas Intel e Toshiba deram aula em 2013 sobre como
respeitar o território do entretenimento, sem intrusão, por meio do imenso
talento para contar histórias da agência americana Pereira & O’Dell
(responsável também pela criação das emocionantes histórias de Skype),
comandada pelo brasileiro PJ Pereira.
A história ficcional do protagonista Alex rompeu de vez com
as fronteiras da publicidade e do entretenimento. Tanto que até um merecido
Emmy Award ela ganhou. Totalmente centrada na audiência. Contemporânea,
universal, social e participativa, um verdadeiro case de transmedia
storytteling. “The Beauty Inside” não era uma campanha. Humanizou as duas
marcas e conversou com as pessoas.
Nem todo conteúdo é rei
Com a crescente e definitiva força da social web em 2013,
incorporar storytelling e planejamento ao content marketing será mandatório em
2014. Uma das questões mais em pauta no ano que passou, mundo afora, foi a
urgente necessidade do content marketing se tornar mais estratégico, útil,
qualificado e personalizado.
Em tempos de conversa social visual, com a crescente produção
e consumo de video content, o risco de criar ruído e “poluir” com conteúdos
pouco relevantes e focados na marca é enorme. Atenção total porque esse tipo de
poluição pode ser tão intrusiva e ineficiente quanto um tradicional filme de
30’’, que interrompe a programação da TV, incomodando a audiência, com
exposição excessiva de produto.
Não é todo branded content que tem história e funciona. Por
isso, o branded content em 2014 deverá ser muito mais estratégico e incorporar
de vez o storytelling.
Hoje, o conteúdo só é rei se contar uma história que conecta
e cria conversa colaborativa, nada impositiva, com o protagonismo da audiência
e o entretenimento como linguagem.
Em 2014, o brand publishing ganhará maior dimensão, visto
que as marcas investirão cada vez mais em desenvolvimento de conteúdo próprio e
original, gerando mais parcerias com os publishers impressos e online.
Ouviremos falar de outros content studios - como a Vice montou para atender a
demanda das marcas, que desenvolverão seus conteúdos com maior independência,
através também de estruturas internas no marketing (in-house).
Teremos uma mesma sensação em 2014: ainda não sabemos
identificar quando a história contada é uma publicidade que entretém e quando é
um branded content. Isso não é um problema. Pelo contrário. Os filmes da
campanha de Dodge Durango, os da campanha de Old Spice, o elástico filme com
Van Damme para Volvo, seriam filmes publicitários compondo uma campanha. Como
são filmes de publicidade que entretém enquanto vendem produtos, são vídeos
vencedores, distribuídos e compartilhados na internet. Os cases emocionantes de
Chipotle, da agência CAA, e “Dumb ways to die”, da McCann Melbourne, contam
histórias contagiantes que nos entretém enquanto transmitem uma mensagem e o propósito
das marcas/anunciantes.
Na verdade, a fronteira que separa a publicidade do branded
content é bem mais real e forte nas nossas cabeças, no nosso mindset de
publicitários e anunciantes. O que importa é se criamos uma relevante história
que realmente conectará e construirá conversa com a audiência.
Por onde começar a história?
Comece sempre pela audiência. Não pela marca. Tenha a
história no coração de todas as manifestações da marca. Evite o branded content
“too branded”. Não force com a marca, nem com a venda de produto. Fuja da
intrusão. Como o consumidor faz.
Porque as palavras envolvimento e engajamento substituíram
de vez as palavras interrupção e intrusão. A linguagem é o entretenimento. O
meio é a história. O fim? A conversa, o relacionamento.
Sir John Hegarty, criativo e um dos fundadores da agência
BBH, estava coberto de razão. It’s all about entertainment.
Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/ponto_de_vista/2014/01/02/O-novo-significado-do-marketing-e-o-futuro-do-branded-content?utm_campaign=mkt_branded&utm_source=facebook&utm_medium=facebook#ixzz2pGnjr8xu.
Acesso em 02 jan 2014.