Demetrius Paparounis
16 dec 2013
Se você precisa criar ou comunicar um produto para a classe
C, um conselho: passe alguns dias na companhia do seu público-alvo. Pessoalmente!
Pesquisas são ótimas, claro, mas o contato pessoal traz
insights que dificilmente você terá simplesmente assistindo à pesquisa atrás da
parede de vidro – muito menos ouvindo o relatório numa sala de reuniões. Claro
que é preciso tomar muito cuidado com o viés pessoal, mas viver um pouco a vida
estrangeira dos mais pobres ajuda muito a diminuir o sotaque dos nossos
produtos e das nossas campanhas.
Durante os dez anos em que atuei no segmento de revistas
populares, tive a chance de conhecer inúmeras famílias de leitores. Essa
experiência formou em mim a convicção de que a boa comunicação para a classe C
geralmente precisa incluir generosas doses de didatismo - sobretudo se o
produto ou a campanha falam de algo novo na vida dos mais pobres. Algo que os pais
do seu público não tiveram a chance de conhecer.
Certa vez, visitando uma família de leitores na Bahia, uma
história me marcou. A família tinha acabado de fazer sua primeira viagem de
avião, comprada num pacote que incluía hotel. Depois de todas as dúvidas e
inseguranças de quem voa pela primeira vez, eles chegaram ao quarto do hotel e
viram aquela plaquinha pendurada do lado de dentro da porta com os dizeres:
“Por favor, arrume o quarto”. No dia seguinte, antes de sair para passear, a
hóspede de primeira viagem obedeceu àquela antipática placa e deixou tudo
arrumadinho. Teria aproveitado melhor o serviço do hotel se quem lhe vendeu a
viagem não viesse de um mundo onde as crianças se hospedam em hotéis desde o
berço.
Recentemente, outras duas histórias me chamaram a atenção.
Num colégio estadual que visitei em São Paulo, uma mãe me contou que a escola
estava pedindo dinheiro para “a PM” pintar as paredes. “Eu não dou”, ela
reclamava. “Nunca vi um carro da PM na frente da escola, agora eles querem
dinheiro?” Simplesmente, ela não sabia que, em escolas públicas, existe a
Associação de Pais e Mestres. Na roça onde ela cresceu não havia esse luxo. E
depois ninguém achou importante explicar isso a ela.
A outra história aconteceu na última Black Friday com uma
cabeleireira que eu conheço. Atraída pelos baixos preços, ela passou horas na
fila de um hipermercado para comprar um tablet para o filho de 9 anos. “A única
coisa que eu sabia era que precisava ter Android e wi-fi”, ela me contou,
repetindo a exigência do filho.
Comprou um de duzentos e poucos reais, deu ao filho, mas, em
vez de alegria, teve um fim de semana frustrante. O problema não foi com o
aparelho em si – aliás, muito bom pelo preço -, mas a falta de uma informação
básica. Ela não sabia que não dá para ligar o cabo de internet do computador
diretamente no tablet. Na família dela, assim como na da maioria dos
brasileiros, ninguém nunca tinha ouvido falar o que significa um roteador. E o
presente passou o fim de semana inútil como aqueles brinquedos que vinham sem
pilha na nossa infância.
Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/ponto_de_vista/2013/12/16/Seja-didatico-ao-falar-com-a-classe-C.html.
Acesso em 19 dez 2013.