Camilla Ginesi
15/08/2013
Os empreendedores costumam estabelecer
prioridades na hora de reinvestir os lucros de suas empresas — conceder
benefícios para o pessoal e investir em infraestrutura estão entre as principais.
Em meio a tantas necessidades urgentes, é comum que a grana para projetos
experimentais, como a criação de um novo produto ou serviço, fique curta.
Uma alternativa para colocar ideias novas em prática é usar
os sites de crowdfunding, que permitem que várias pessoas e empresas financiem
juntas um projeto contribuindo com certas quantias em dinheiro, numa espécie de
vaquinha. Essa forma de financiamento coletivo vem se popularizando desde 2009,
quando o site americano Kickstarter foi lançado.
Antes limitado a projetos sociais e culturais, agora o
crowdfunding está se disseminando entre donos de pequenas e médias empresas no
Brasil. Um dos maiores sites do gênero no país, o Catarse intermediou em 2012
quase 300 projetos — juntos, eles receberam pouco mais de 4 milhões de reais.
A seguir, mostramos como o dinheiro arrecadado por meio de
sites de crowdfunding pode ser útil para alcançar quatro objetivos — conseguir
recursos sem contrair dívidas, construir uma rede de parceiros, testar a
aceitação de produtos e serviços e posicionar a empresa a respeito de uma
causa.
Conseguir dinheiro sem fazer dívida
Muitos donos de pequenas e médias empresas que estão à
procura de capital para um novo projeto não pretendem contrair dívidas com
bancos. É o caso de Carolina Piccin, de 34 anos, sócia da MateriaBrasil,
consultoria ambiental de São Paulo que deve faturar 4 milhões de reais neste
ano.
“Tínhamos um projeto engavetado há meses”, diz ela.
“Acabávamos adiando sua execução porque os estudos da consultoria consomem boa
parte dos investimentos.” Em abril deste ano, Carolina decidiu criar uma
vaquinha no site Catarse. Sua ideia era colocar na internet um banco de dados
que já existia fisicamente, em que é reunida mais de uma centena de
fornecedores de material de construção e artigos de decoração cuja fabricação
tem atestado de baixo impacto ambiental.
Em pouco mais de um mês, 235 pessoas e empresas doaram mais
de 33.000 reais — e a ideia saiu do papel. “O banco de dados foi chamado de
Materioteca”, diz Carolina. “No site, qualquer pessoa pode encontrar produtos
certificados e seus fornecedores”, diz Carolina. A iniciativa ajudou a
MateriaBrasil a se tornar mais conhecida — e atraiu novos clientes, como
Embraer e Goodyear, que conheceram a empresa por meio do novo site.
Carolina optou por financiar o site da Materioteca num
serviço de crowdfunding porque ela mesma já tinha ajudado seis outros projetos.
Um deles foi o do matemático Filipe Moura, de 30 anos, um dos fundadores da
paulistana Metamáquina, que fabrica impressoras 3D. A Metamáquina foi uma das
primeiras empresas no Brasil fundada com dinheiro de financiamento coletivo.
Os sócios, que não tinham capital próprio para criar a
empresa, conseguiram mais de 30.000 reais no Catarse em março do ano passado.
“Neste ano, deveremos vender 300 impressoras 3D e chegar a um faturamento
próximo a 1 milhão de reais”, diz Moura.
Para Cassio Spina, diretor da Anjos do Brasil, associação
que reúne investidores em empresas nascentes, os sites de crowdfunding podem
ser mais bem aproveitados por empresas que, assim como a MateriaBrasil e a
Metamáquina, têm projetos que podem mostrar resultado em pouco tempo. “Os
doadores se interessam mais por iniciativas que já estão em fase de execução”,
afirma Spina.
Construir uma rede de parceiros
Quem inscreve um projeto num site de crowdfunding recebe
dinheiro de 130 pessoas e empresas diferentes, em média. Se o autor da
proposta for um empreendedor, uma parte dos apoiadores tende a ser de clientes
e fornecedores que já conhecem a empresa. Há, ainda, uma parcela dos doadores
que investem no projeto tão somente por gostar daquela ideia.
Está aí uma das maiores oportunidades para pequenas e médias
empresas que usam serviços de crowdfunding — criar uma rede de novos parceiros.
“Empreendedores costumam ser mais metódicos ao explicar como vão utilizar os
recursos, o que aumenta as chances de ganhar a adesão dos doadores”, diz Spina.
Algumas ações podem ajudar quem pretende criar uma rede de
contatos por meio dos projetos de crowdfunding. Uma delas é divulgar o projeto
em redes sociais e blogs. “É um bom termômetro para saber se as pessoas acham a
ideia boa”, diz Caio Tendolini, um dos responsáveis por selecionar os projetos
em que a fabricante de bebidas energéticas Red Bull investe por meio do
Catarse.
“Um bom projeto
costuma angariar um grande número de simpatizantes que, mesmo sem muito
dinheiro para doar, fazem campanha pela ideia.”
Testar produtos e serviços
Vaquinhas virtuais têm papel fundamental na casa de shows
paulistana Cine Joia, fundada em 2011 por Marcelo Beraldo e Facundo Guerra, de
39 anos, André Juliani, de 38, e Lúcio Ribeiro, de 48. Há dois anos, acontecem
no Cine Joia shows financiados em sites de crowdfunding, como Playbook e
Queremos!, especializados em eventos musicais.
Funciona assim: uma data é reservada na agenda do artista e,
se o dinheiro necessário para trazê-lo for conseguido em uma semana, o show é
confirmado. “Os fãs se engajam para valer”, afirma Alessandro Sophia, sócio da
Playbook. “Alguns deles podem receber recompensas, como visitas ao camarim e
fotos com o artista.”
Criado para receber shows de artistas pouco conhecidos para,
no máximo, 1 500 pessoas, o Cine Joia costuma usar bastante o crowdfunding para
se certificar que uma atração vai mesmo gerar bons resultados. “Para uma casa
pequena, como a nossa, saber se haverá pagantes suficientes é muito importante”,
diz Beraldo.
Os mais de 120 shows agendados para 2013 deverão render
receitas próximas a 10 milhões de reais — 60% mais do que em 2012. Todos os 12
shows anunciados em sites de crowdfunding até hoje conseguiram o dinheiro
necessário para acontecer, algo em torno de 40 000 reais por concerto.
A paulistana Amanda Ramos, de 21 anos, foi no último show
que aconteceu por causa de uma vaquinha. A atração era o cantor inglês Paul
Banks, do Interpol. Foi a primeira vez que Amanda ajudou a financiar um show. “Posso
dizer, com orgulho, que ajudei a trazer um ídolo para o Brasil”, diz ela.
Posicionar-se sobre uma causa
Lançar projetos que dependem do dinheiro alheio para sair do
papel pode ser uma boa maneira de reforçar posições de uma pequena ou média
empresa sobre determinadas causas. Os sócios do Cine Joia evidenciam uma de
suas missões cada vez que propõem novos shows — a de aumentar a oferta de
turnês que estão à margem do circuito comercial.
“Essa postura costuma ser
bem-vista pelos clientes e ajuda a empresa a angariar mais simpatizantes”,
afirma Diego Reeberg, sócio do Catarse. “Ao convidar os clientes a participar
ativamente da execução de um novo projeto, é como se os empreendedores
reafirmassem a todo momento que a opinião dos que estão de fora é muito
importante para quem dirige a empresa.”
Como aproveitar o crowdfunding
O que não pode deixar de ser feito para o projeto de sua
empresa dar certo...
Antes
Definir quanto o projeto vai custar. Se o valor total for
superior a 60.000 reais, é o caso de dividi-lo em etapas. É preciso levar em
conta nessa fase que todos os apoiadores deverão receber uma recompensa pela
ajuda. Se o dinheiro for usado para criar uma nova versão de determinado
produto, os doadores podem receber um exemplar antes do lançamento.
Durante
Colocar em prática um plano de divulgação. É muito comum que
alguns apoiadores concentrem doações logo nos primeiros dias — e que depois o
projeto fique esquecido. Vários recursos podem funcionar para movimentar a
página da vaquinha. Um vídeo apresentando a ideia é essencial. Também funciona
fazer campanhas de divulgação em redes sociais e blogs.
Depois
Organizar uma lista com todos os apoiadores e mantê-los
atualizados sobre o andamento do projeto. Muitos doadores podem se zangar caso
não vejam os resultados de sua contribuição se convertendo em algo prático. Não
prestar contas pode fazer com que a empresa sofra efeitos negativos — e o que
era para ser um projeto colaborativo pode se tornar uma crise.
...e que recompensas podem ser obtidas ao apoiar projetos de
terceiros.
Marketing
Alguns dos donos de projetos costumam reservar às empresas
apoiadoras um espaço para que exponham suas marcas. O mais comum é incluir no
projeto o logotipo das empresas que deram grandes quantias em dinheiro — uma
forma de identificá-las como apoiadoras. No novo site da MateriaBrasil, há um
selo do Asas, instituto criado pela Red Bull para investir em negócios sociais.
Retorno
Devolver parte do dinheiro ao apoiador não é incomum. Donos
de projetos que conseguem um rápido retorno muitas vezes até devolvem tudo.
Isso acontece com quem ajuda a financiar shows em sites como Queremos! e
Playbook. Nos casos em que a bilheteria é mais do que suficiente para bancar o
show e garantir a margem da casa, os financiadores costumam receber o pagamento
antecipado de volta.
Sociedade
O financiamento coletivo que dá aos apoiadores o direito de
se tornar sócios da empresa ainda não é comum no Brasil, mas alguns sites já
estudam lançar serviços dessa natureza. É recomendável que os empreendedores
que optem por esse modelo de recompensa procurem apoio jurídico, já que tornar
doadores sócios pode ser interpretado como uma espécie de oferta pública de cotas
da empresa.
Disponível em
http://exame.abril.com.br/revista-exame-pme/edicoes/0064/noticias/vaquinha-pela-internet?page=1&utm_campaign=news-diaria.html&utm_medium=e-mail&utm_source=newsletter.
Acesso em 15 ago 2013.