Valor Econômico
09/04/2012
Sônia Gonçalves diz que não sabe "como vai ser o
amanhã". Na dúvida, guarda uma parte do dinheiro que recebe por seu
trabalho regular como faxineira em escritórios e pelos "bicos" em
residências depois do expediente e em seu dia de folga. A poupança vai
engordando, mas vez ou outra, quando "a situação aperta", ela tira R$
100 da caderneta para fechar o mês sem dívidas, "já que é complicado fazer
poupança e pagar contas recebendo salário mínimo".
Para fazer seu pé de meia, ela não pede assessoria ao
gerente do banco, pois tem muito tempo "para pensar na vida e fazer
contas" durante a hora que passa dentro do ônibus para cruzar São Paulo e
chegar ao seu trabalho. "Guardo R$ 100, R$ 50, depende de quanto dá no
mês", conta Sônia. "Às vezes não dá, mas sempre tento guardar um
pouco porque sei que não gasto mais do que ganho".
A paulistana Sônia, 53 anos, faz parte de um grupo de 4,2
milhões de brasileiros acima de 18 anos pertencentes à classe D que diz ter
"algum dinheiro guardado para eventuais imprevistos", segundo dados
levantados pelo instituto Data Popular a pedido do Valor. Esse grupo de 4,2
milhões representa 21% dos adultos da classe D que vivem em áreas urbanas.
A segurança financeira é o principal foco de 43,1% dessas
pessoas, seguida por realizar um sonho de consumo (29,5%), compras à vista
(17%) e investir e obter rendimento (10,4%). A estimativa foi feita com base na
análise de dados obtidos em um estudo realizado no último trimestre de 2011 com
cerca de 18 mil entrevistados de todos os estados brasileiros.
Mauro Halfeld, professor de Finanças da Universidade Federal
do Paraná e autor de livros sobre investimentos, relata que sempre escutou
questionamentos sobre como pessoas que ganham um salário mínimo conseguem
economizar. "Conheço gente com renda mensal de R$ 40 mil que está sempre
endividada e pessoas muito simples que fazem hora extra, trabalham nos fins de
semana e conseguem economizar. É uma questão de disciplina", diz.
A pesquisa do Data Popular ajuda, portanto, a desfazer o
mito de que para poupar é preciso ganhar bem. Para Halfeld, o resultado do
levantamento pode ser explicado pelo fato de as pessoas terem hoje mais acesso
a informações sobre finanças pessoais. "Quase ninguém falava disso dez
anos atrás", afirma.
Assim como Sônia, a empregada doméstica Maria Aparecida da
Silva, 42 anos, começou a poupar e foi longe: há cerca de dez anos, comprou uma
casa em sua cidade natal, Jurema, em Pernambuco. Hoje tem um salário bruto de
R$ 900, dos quais de R$ 200 a R$ 300 são direcionados mensalmente à caderneta
de poupança. Seu objetivo é comprar uma segunda casa, desta vez em São Paulo.
"Estou morando com a minha irmã, mas quero morar na minha própria
casa".
A dedicação em sua vida financeira é reflexo de seu esforço
pessoal. Maria Aparecida, que passou a infância colhendo grãos de café, não
sabia ler quando se mudou para São Paulo, em 1999. Um dia, começou a relacionar
as letras e sílabas aos nomes dos personagens das novelas, na tentativa de ler
revistas de celebridades. Foi quando percebeu que entendia algumas palavras. A
patroa notou seu interesse e decidiu ajuda-lá. Um ano depois, estava lendo até
dois livros por semana. Hoje, cursa a 7ª série do ensino fundamental. "Não
imaginava que um dia aprenderia a ler ou que compraria uma casa", relata
Maria. "Por mais que ganhe pouco, consigo comprar muito do que
quero", acrescenta.
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Cetelem BGN,
empresa do grupo BNP Paribas, realizada em conjunto com a Ipsos Public Affairs,
mostra que há um grupo de pessoas da classe D que administra suas finanças de
maneira cautelosa e tem mais acesso a bens e serviços que antes eram privilégio
apenas das classes mais altas, como planos de previdência privada e de saúde.
Marcelo Neri, pesquisador do Centro de Políticas Sociais da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que os "sonhos de consumo" da
classe D são, basicamente, serviços de empresas privadas que podem substituir
os serviços públicos de baixa qualidade. "O que é subir na vida para a
classe D? É ter uma vida melhor não só em termos materiais, como também ter
mais segurança", diz Neri.
A pesquisa da Cetelem BGN, chamada O Observador 2012, mostra
que as classes D e E gastaram, em novembro de 2011, R$ 59 com previdência
privada (média por família), mais que a classe C (R$ 51). A cifra indica um
avanço em relação a 2010, quando a classe D não investiu em previdência
complementar. Houve também um aumento nos gastos com seguros, em igual período,
que passaram de R$ 5 para R$ 21. O estudo foi feito com base em 1.500
entrevistas domiciliares com 334 famílias das classes A e B, 810 da classe C e 356
das classes D e E.
Segundo Marcelo Neri, da FGV, essas classes vêm sendo
beneficiadas nos últimos anos pelo reajuste do salário mínimo. Neste ano, o
consumo das classes D e E deve ser estimulado pelo aumento de 14,13% do mínimo.
O coordenador do Comitê do Critério Brasil na Abep
(Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa), Luis Pilli, ressalta que a
classe D constitui hoje 15,2% dos domicílios do país, porém nas capitais do
Nordeste esse percentual sobe para cerca de 25%. "A típica família da
classe D tem uma renda familiar que ronda os R$ 710, ainda direciona cerca de
30% do orçamento para alimentação, possui aparelho de televisão, geladeira, mas
dificilmente tem um carro. Em parte desses lares, já há máquina de lavar",
diz.
A expectativa dos pesquisadores é de que a classe D, que
desde 2005 tem diminuído de forma consistente, continue a recuar nos próximos
anos, com o crescimento da chamada nova classe média, formada pela classe C.
Miriam Nascimento Prates, que trabalha desde os 15 anos de
idade como empregada doméstica, é uma das brasileiras que recentemente subiu na
pirâmide social. "De três anos para cá, minha vida melhorou, embora não do
jeito que gostaria", relata a faxineira de 43 anos, mãe de três filhos.
"Pretendo montar meu próprio negócio, um restaurante", diz.
Hoje, Miriam conta com uma renda bruta mensal de R$ 1,6 mil.
Em sua casa própria, em um bairro da zona sul de São Paulo afastado da região
central, há dois aparelhos de televisão, TV a cabo, máquina de lavar e um
computador "que não funciona direito".
Depois de 22 anos sem viajar "nem mesmo para o litoral
sul de São Paulo", Miriam relata emocionada que, em meados do ano passado,
foi à Bahia. "Tenho muitos sonhos. Um dia, quero comprar uma casa com
piscina. Mas, antes de tudo, tenho a preocupação em manter meu atual padrão de
vida", afirma.
Disponível em
http://www.valor.com.br/financas/2605776/vez-da-classe-d?utm_source=newsletter_manha&utm_medium=09042012&utm_term=vez+da+classe+d&utm_campaign=informativo&NewsNid=2604754.
Acesso em 05 jun 2013.
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