terça-feira, 20 de agosto de 2013

Cliente mente, e muito. Não dá para confiar sempre nele

Renato Romeo
30/05/2013
Lembro-me como se fosse hoje de meu pai abrindo a porta de casa aos domingos pela manhã para atender os religiosos que iam batendo de casa em casa com a Bíblia debaixo do braço. Todo fim de semana era a mesma coisa — e olha que eram uns três ou quatro grupos diferentes.

A campainha tocava, e meu pai, todo sujo de farinha de trigo, tinha de largar a massa do nhoque para atender a porta. Ele ia num pé e voltava no outro. O italianão tinha um jeito infalível de se livrar desse pessoal. Ele dizia que era pai de santo e por isso, infelizmente, não podia pegar os folhetos que distribuíam nem ouvir a conversa. Romeo Pai voltava para a cozinha rindo da cara de espanto das pessoas.

Muitos me perguntam se dá para confiar sempre no que os clientes dizem. Lógico que não. Cliente mente, e muito. Somos craques em inventar desculpas esfarrapadas. Atire a primeira pedra quem nunca disse ter encontrado o mesmo artigo por um preço bem menor na concorrência apenas para conseguir um desconto na loja onde está acostumado a comprar. Ou quem já não inventou alguma história para não ser importunado, exatamente como meu pai fazia com os coitados dos missionários.

Seja qual for o motivo para faltar com a verdade, está nas mãos do vendedor não cair nesse tipo de conversa. Suponha que um cliente diga que não comprará de você. Óbvio que você vai perguntar o motivo. E normalmente o que vem como resposta são aquelas explicações do tipo "porque estou sem dinheiro", "o chefe mudou", "a matriz mandou cortar custos".

Pode até ser que haja alguma verdade nessas afirmações, mas é muito mais provável que sejam somente desculpas, socialmente aceitas, ditas apenas para você largar do pé da pessoa o mais rápido possível e ir embora logo.

É difícil dizer “não”. Somos condicionados desde criança a buscar a aprovação de nossos pais, fazendo aquilo que desejam — como comer torta de fígado com ervilhas. Ouvir um "não" e ser rejeitado dói, então não falamos a verdade, nem sob tortura, para evitar esse dissabor. O outro motivo é prático — para que ficar dando satisfações para quem você mal conhece? Dá muito trabalho.

Ao entender melhor esses mecanismos, você pode tentar redirecionar a conversa com o cliente para não perder a venda. Em vez de discordar do que foi dito, o que afugenta ainda mais a pessoa, se esforce para demonstrar compreensão em relação a algum aspecto da fala do cliente.

Por exemplo, se ele disser que seu produto está caro e por isso não vai mais comprar de sua empresa, diga: “Eu entendo sua preocupação em usar bem seu dinheiro”.  Em seguida, tente saber como ele avalia se fez um bom investimento toda vez que compra alguma coisa.

Assim, a pessoa fica confortável e não tem vontade de sair correndo. Esse é o  momento de entrar no assunto que realmente interessa. Pergunte se além da questão do preço há outras razões para o cliente estar descontente com os itens que você vende.

As pessoas, em geral, não estão preparadas para elaborar muitos detalhes a respeito de algo que não passa de desculpa e, em algum momento, voltam a ser honestas. Cabe ao vendedor ter perspicácia para perceber isso.


Disponível em http://exame.abril.com.br/revista-exame-pme/edicoes/0061/noticias/verdades-e-mentiras. Acesso em 15 ago 2013.

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