Daniel Barros
17/04/2014
Na fabricante de bens de consumo anglo-holandesa
Unilever, a equipe de marketing da marca de sabão Omo tem uma coordenadora que
foi ginasta da seleção olímpica brasileira, artista do Cirque du Soleil e
analista de marketing da marca de pilhas Duracell no Panamá.
Ao lado dela senta uma gerente que se formou em nutrição,
resolveu estudar psicologia e foi trabalhar em marketing. Profissionais com
formações igualmente ecléticas são encontrados em vários outros setores da
empresa, reflexo de sua política de contratação.
“Nosso processo de seleção tenta ser o menos restritivo
possível”, diz Eduardo Reis, vice-presidente de recursos humanos da companhia
no Brasil. A obsessão tem um bom motivo. O objetivo da Unilever é contratar e
formar funcionários com alta capacidade de se adaptar.
Para oxigenar a gestão, seus profissionais mudam
constantemente de área. Os mais jovens não passam mais de dois anos numa
função. A empresa de tecnologia IBM também joga nesse time.
O centro de pesquisas da empresa no Brasil só contrata gente
com mestrado ou doutorado, mas os profissionais precisam ser capazes de
trabalhar em projetos que vão desde o uso de tecnologia em agricultura até a
aplicação do big data em saúde e educação — versatilidade incomum na academia.
O próprio diretor do centro, Ulisses Mello, é geólogo de
formação e trabalhou anos na Petrobras antes de ingressar na IBM.
A preferência por esse perfil de profissional é resultado da
transformação em curso na economia mundial. “Em velocidades distintas, os países
estão migrando para um modelo econômico com base no conhecimento”, diz Jorge
Arbache, economista da Universidade de Brasília especializado em capital
humano.
O exemplo mais perfeito dessa transição está nos Estados
Unidos. Hoje, a Apple é a maior empresa americana, posto que já foi ocupado
pela montadora GM ou pela petroleira Exxon. A força da Apple não está em sua
capacidade de manufatura, mas em seu poder de inovação, design e marketing —
a empresa, aliás, terceiriza a maior
parte de sua produção na Ásia.
Em maior ou menor medida, encontrar os profissionais mais
aptos para essa nova fase da economia é um desafio mundial. A consultoria PwC
entrevista periodicamente mais de 1 000 presidentes de grandes empresas globais
para saber quais são os maiores entraves ao crescimento dos negócios.
Em 2009, 46% deles apontaram a falta de mão de obra adequada
como um problema, percentual que pulou para 63% neste ano. No fim de 2013, os
Estados Unidos, que convivem com um índice de desocupação de 6,7%, tinham
milhões de vagas não preenchidas, sinal do descasamento entre os trabalhadores
disponíveis e o que as empresas buscam.
Como o Brasil está posicionado para essa nova corrida
global? Estamos mal. Uma pesquisa divulgada no começo de abril, fruto de uma
parceria entre a PwC e a rede social LinkedIn, analisou o nível de adaptação da
mão de obra em 11 países.
Trata-se de um conceito pouco usual, mas nem por isso menos
importante: ele mede a capacidade das pessoas de mudar ao longo da carreira e
encontrar o melhor posto de trabalho. A premissa é que pessoas certas nos
lugares certos são mais produtivas.
No ranking final, o Brasil aparece em nono lugar, à frente
apenas dos outros dois emergentes do estudo, Índia e China, mas bem distante
dos primeiros colocados, Holanda e Reino Unido.
Com base nos perfis de 277 milhões de pessoas presentes no
LinkedIn e de um banco de dados de 2 600 empresas de todas as partes, a
pesquisa analisou cinco indicadores, do percentual de trabalhadores que já
mudaram de setor (um parâmetro para o grau de adaptação a novos desafios) ao
tempo que as vagas de emprego ficam em aberto (uma medida da falta de mão de
obra adequada).
O Brasil não brilha em nenhum dos itens, mas vai
especialmente mal no quesito que mede o número de funções ocupadas ao longo da
carreira. Em média, o brasileiro com perfil no LinkedIn passou por 3,4 posições
em uma ou mais empresas ao longo de sua carreira, enquanto o holandês e o
australiano passaram por 4,5. Nesse ponto, a cultura parece ter uma grande
influência.
“Ao analisar os dados da pesquisa, percebe-se que a
tendência do brasileiro é buscar a estabilidade. A grande procura por concursos
públicos confirma essa característica”, diz Osvaldo Barbosa de Oliveira,
presidente do LinkedIn no Brasil. O psicólogo holandês Geert Hofstede
desenvolveu na década de 80 um ranking de fatores que distinguem as culturas
nacionais.
No levantamento, o brasileiro diz privilegiar a segurança,
diferentemente de australianos, americanos, britânicos e holandeses. “As
conclusões de Hofstede ainda são válidas porque fatores culturais demoram
décadas para ser modificados”, diz Paulo Sabbag, professor de administração da
FGV de São Paulo.
Problemas estruturais
Uma das razões do baixo poder de adaptação dos trabalhadores
brasileiros é o histórico problema da educação no país. É algo que começa na
pré-escola e não melhora até a graduação.
Menos de 1% dos brasileiros conseguem alcançar os dois
níveis mais altos de conhecimento em matemática no Pisa, exame internacional
que a OCDE, o clube dos países ricos, faz com adolescentes a cada três anos. A
média dos países desenvolvidos é 12%.
Cerca de 80% dos advogados brasileiros recém-formados são
reprovados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e 60% dos médicos
não passaram na prova do Conselho Regional de Medicina de São Paulo em 2013.
“Uns fingem que ensinam, outros fingem que aprendem, e a mão
de obra brasileira vai ficando com um número cada vez maior de diplomas, mas
cada vez menos qualificada”, afirma o filósofo e economista Eduardo Giannetti
da Fonseca.
E mesmo nossos profissionais mais preparados esbarram em
dificuldades adicionais. A legislação trabalhista brasileira restringe práticas
bem estabelecidas no mundo desenvolvido, como trabalhar em casa ou ter uma
jornada flexível.
Nos mercados mais dinâmicos, os trabalhadores tendem a ser
protegidos mais com o reforço do seguro-desemprego do que com leis que engessam
a criação de vagas. “Essas limitações diminuem consideravelmente a
produtividade de nossa força de trabalho”, afirma o economista André Portela,
da Fundação Getulio Vargas.
O Reino Unido, um dos destaques na pesquisa, não por
coincidência é o terceiro numa lista de 43 países que avalia as legislações
trabalhistas mais flexíveis. O Brasil é o penúltimo colocado.
Para Andreas Schleicher, diretor da área de educação da
OCDE, o mais determinante no desenvolvimento de novas habilidades é quanto as
empresas investem no aprendizado de seus profissionais, outra área em que o
Brasil poderia fazer mais, principalmente entre as médias e pequenas empresas.
“Na hora de cortar gastos, o primeiro item da lista é o
treinamento”, diz Betania Tanure, consultora de recursos humanos e professora
do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC-MG. Grandes companhias,
como Unilever e IBM, conseguem driblar essas dificuldades impostas pela
realidade brasileira.
Contratam e retêm os profissionais com o perfil adequado a
esse novo momento da economia. Um dos grandes desafios do país para as próximas
décadas é exatamente este: aumentar o número de Marílias, Eduardos e Ulisses,
os profissionais da foto que abre esta reportagem.
Disponível em
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1063/noticias/a-cara-do-novo-emprego?page=1&utm_campaign=news-diaria.html&utm_medium=e-mail&utm_source=newsletter.
Acesso em 17 abr 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário