Paula Furlan
O crédito cresceu, a população bancarizada tem aumentado a
cada dia e o novo consumidor emergente passa a conviver com elementos antes
desconhecidos – e impeditivos – para o seu perfil socioeconômico. Lidar com
essa nova situação pode ser um desafio para o equilíbrio financeiro dos
brasileiros
Nos últimos anos, a ampliação do crédito fácil fez com que
os consumidores passassem a contrair empréstimos de variados tipos sem qualquer
preparação para o consumo consciente. Um estudo recente do Banco Central (BC)
revelou que o endividamento já compromete 44,82% da renda das famílias
brasileiras.
O Procon de Campinas dá a seguinte definição ao
superendividamento impelido pela forte propaganda e facilidades oferecidas
pelas empresas na concessão de crédito: “Diante da assertiva de que o povo é
guiado pelo poder das imagens, o marketing agressivo força a venda dos produtos
e envolve o consumidor de tal forma que fica difícil fugir do chamativo
empresarial; a situação piora na medida em que as camadas sociais mais
desprovidas de recursos se submetem à publicidade enganosa, por exemplo, quando
aceitam a oferta de pagamento parcial do cartão de crédito, imaginando obtenção
de vantagens; as facilidades para empréstimos consignados, pensando na
conquista de juros baixos para o dinheiro que será aplicado na compra de
produtos supérfluos, mas que se vai perceber já tarde”.
Para evitar que o cenário se torne ainda pior, uma proposta
de atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi apresentada no
Senado Federal. Entre outros pontos, o projeto de lei (PLS 283/2012) estabelece
que as instituições financeiras serão corresponsáveis pelo superendividamento
do consumidor no empréstimo consignado, no caso de descumprimento dos limites,
devendo até mesmo rever os prazos de pagamento e reduzir juros e multas.
De acordo com o advogado da área cível do escritório Peixoto
e Cury Advogados, Leonardo Furlaneto, a fiscalização das instituições
financeiras é primordial para que abusos sejam evitados. “De forma frequente o
consumidor é levado ao erro, na maioria das vezes por ignorância e completo
desconhecimento, devido à veiculação recorrente de propagandas que oferecem
crédito fácil. Os aposentados, por exemplo, são alvos de verdadeiras
perseguições por profissionais comissionados – chamados de “pastinhas” –, que
oferecem o consignado. Na pressa para aproveitar o suposto bom negócio, o
consumidor se precipita”, afirma.
O texto do PLS 283/2012 também prevê que o consumidor
poderá, em até sete dias, desistir da contratação de crédito consignado, a
partir da data de celebração ou do recebimento da cópia do contrato, sem
necessidade de indicar o motivo. Na opinião do advogado Leonardo Furlaneto, “as
alterações estabelecidas privilegiam aos princípios da função social do
contrato, da boa-fé objetiva, da vulnerabilidade do consumidor e da onerosidade
excessiva, protegendo a pessoa física contra cláusulas abusivas", diz.
Para o especialista, o mais importante ainda é investir na
educação financeira das famílias brasileiras. “Pelo histórico que temos, é
evidente que o mais sábio a se fazer é a criação de planos de educação e
inteligência financeira à população, além de eficaz fiscalização das
instituições financeiras para cumprimento da lei. Assim, certamente o governo e
o judiciário não seriam tão instados a se manifestarem acerca dos negócios
entre particulares. É preciso criar e difundir a cultura de educação e não de
remediação”, orienta Furlaneto.
O direito francês, através do “Code de La Consommation”, que
cria regras especiais de acesso ao crédito, busca a “recuperação do devedor”,
através do reescalonamento de pagamentos, remissão do débito, redução ou
supressão de taxas de juros, etc. A solução da demanda principia-se por estudo
a cargo de comissão administrativa e pode chegar ao juiz que tem poderes para
suspender eventuais execuções.
Quem são os endividados do Brasil?
Um levantamento feito pelo GuiaBolso.com, com os cerca de 10
mil usuários cadastrados na plataforma no segundo trimestre de 2013, aponta que
31% dos usuários da classe C gastam tudo aquilo que recebem, sem criar uma
reserva que possa recorrer em casos inesperados, como doenças na família ou
desemprego. Apenas 15% dos usuários da classe C possuem algum tipo de poupança,
enquanto apenas 2% são realmente investidores, com reserva financeira superior
a três meses de salário.
Nas classes A e B os números não são muito diferentes, com
49% dos usuários com dívidas que comprometem um valor superior a um terço da
receita mensal, enquanto outros 28% gastam tudo o que recebem. Por outro lado,
as classes A e B têm um porcentual maior de poupadores e investidores,
respectivamente 16% e 7%.
A parcela dos usuários que realmente chama a atenção é
formada pelas classes D, E e F. Mesmo com a renda menor, apenas 36% deles têm
dívidas superiores a um terço da receita mensal, enquanto 41% gastam tudo o que
recebem mensalmente.
Considerando toda a base, 55% dos usuários estão “em
apuros”, ou seja, passam constantemente por falta de dinheiro e precisam quitar
dívidas maiores que um terço da renda, enquanto 33% estão “no limite”, gastando
tudo o que recebem. “Isso representa 88% das pessoas com problemas no
orçamento”, define o executivo.
Disponível em http://consumidormoderno.uol.com.br/hot-news/superendividamento-afinal-a-culpa-e-de-quem.
Acesso em 24 out 2013.