Mostrando postagens com marcador Kellaway. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Kellaway. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Os chatos se saem melhor em quase todas as profissões

Lucy Kellaway
04/06/2012
 
Poucos dias atrás, Jeff Immelt enviou uma mensagem para todos os 300.000 funcionários da General Electric oferecendo algumas dicas para suas leituras de verão. "Leio entre 50 e 70 livros por ano... divididos entre história, romances e negócios", escreveu o presidente da GE. Ele passou a discutir dois títulos antes de terminar com um pedido: "Quero saber o que vocês estão lendo para que eu possa ficar mais esperto".

A única explicação para essa curiosa efusão do homem mais importante do "mainstream" corporativo dos Estados Unidos é que ele está tentando sinalizar à sua força de trabalho que ele não é um chato.

Infelizmente, o texto da mensagem mostra o contrário. Se há uma coisa que une as pessoas interessantes é que elas não mantêm uma lista do número de livros que leem para se vangloriar disso.

A tentativa de Immelt de parecer interessante não é só canhestra, como também está errada. Se você fosse o presidente da GE, não precisaria parecer interessante. As coisas podem correr com muito mais tranquilidade se você não é.

Há algum tempo atrás, um estudo de Stephen Kaplan, da Chicago Booth School of Business, mostrou que os bons presidentes-executivos (CEOs) tendem a ser tediosos. Eles são teimosos, eficientes, bons nos detalhes e felizes por trabalharem muito. Na semana passada, o mesmo assunto foi abordado pelo escritor Joel Stein em um blog para a "Harvard Business Review", no qual ele afirmou que o ato de ser tedioso é um segredo da grande liderança.

Apesar do fato de o professor Kaplan e Stein estarem envolvidos com algo evidentemente grande, muitos leitores da "Harvard Business Review" responderam ao artigo com hostilidade: eles simplesmente não conseguiram aceitar a ideia de que os bons leitores são chatos. O principal ponto, acho eu, é que eles pensam que ser chato significa uma coisa ruim e não conseguem perceber que pode significar ser algo bom. Na verdade, o que os chatos precisam é de uma mudança drástica de imagem que os mostrem como trabalhadores e cidadãos de valores admiráveis. As pessoas tediosas não são apenas mais bem-sucedidas que as pessoas interessantes, elas podem ser mais felizes (porque são mais simples) e agradáveis (porque se metem menos em encrencas).

Os chatos se saem melhor em quase todas as ocupações: nos negócios, na atividade bancária, consultoria, direito, contabilidade, medicina. Na verdade, tal é a vantagem que eles têm sobre as pessoas interessantes, que mesmo em áreas em que há uma demanda voraz por personalidade - como na política -, os chatos ainda tendem a chegar ao topo. É por isso que não nos cansamos do prefeito de Londres Boris Johnson: ele é o único homem público que não nos chateia.

Acho que preciso dizer o que significa chato para mim - e o que não é. Ser chato não significa ser estúpido. Você pode ser chato e brilhante. Ser chato é ser limitado. As pessoas chatas são muito interessadas em uma ou duas coisas, dificilmente se interessam por outras coisas.

Elas também dão muita atenção aos detalhes. Elas são muito boas no que Jim Collins chama de "lavar o queijo fresco". Elas são previsíveis- um traço útil e subvalorizado. E os chatos são relativamente felizes por fazerem coisas chatas, o que também é uma dádiva dos céus, visto que a maior parte de nossa vida no trabalho envolve fazer coisas cansativas e pequenas repetidas vezes.

Se alguém precisa de qualquer evidência da bagunça em que nos envolvemos quando colocamos pessoas interessantes no comando, é só olhar para o setor editorial. Essa indústria sempre foi espantosamente ineficiente e está agora de joelhos. Por quê? Porque as pessoas que trabalham com editoração não são chatas o suficiente. Elas gostam de livros e ideias e são um caso perdido na administração de qualquer coisa.

Para ajudar nessa recaracterização de marca é preciso alguns modelos de Notável Chatice. Felizmente, consigo me lembrar de dois bons exemplos - John D. Rockefeller e Bill Gates - que provam que você pode ser um chato e mesmo assim mudar o mundo. Rockefeller, até onde se sabe, tinha um lado chato bem desenvolvido: era devoto da Igreja Batista e um homem de família que, na casa dos 80 anos, escreveu versos doces e nada sofisticados sobre o fim de sua vida, com a frase "E Deus foi bom para mim todos os dias". Até mesmo Bill Gates, apesar de ser muito fascinante e espantosamente versado em assuntos como desenvolvimento e computação, seria, de outro modo, um "chato de galochas", incapaz de manter uma conversa fútil e com um senso de humor atrofiado.

Portanto, o que podem fazer as pessoas que tiveram a grande infelicidade de nascer interessantes? Elas podem tentar o setor editorial, é claro, se é que sobrou algum emprego lá. Ou podem dar aulas, escrever, dirigir filmes ou se tornarem poetas e filósofos. Melhor ainda: elas podem se casar com outras pessoas chatas bem-sucedidas para bancar suas atividades não-remuneradas ou, se tudo mais falhar, elas podem se enfiar em algum canto e ler o maior número possível de livros que puderem.

Disponível em http://www.valor.com.br/carreira/2689858/os-chatos-se-saem-melhor-em-quase-todas-profissoes?utm_source=newsletter_tarde&utm_medium=04062012&utm_term=os+chatos+se+saem+melhor+em+quase+todas+profissoes&utm_campaign=informativo&NewsNid=2689092. Acesso em 03 out 2013.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Como arruinar a relação com clientes e funcionários

Lucy Kellaway

Em junho de 2003, um vice-presidente do conselho de administração do JP Morgan enviou um e-mail para todos os que trabalhavam para ele. "Arrumem um tempo para ligar para os clientes e digam a eles que vocês os amam... eles nunca esquecerão essa ligação", escreveu. Se qualquer um desses subalternos seguiu o conselho de Jimmy Lee, tenho certeza de que os clientes não se esqueceram. Uma declaração não solicitada de amor da parte de um banqueiro de investimentos é o tipo de coisa que se aloja de uma maneira desconfortável na memória por um longo período de tempo.

Nos anos que se seguiram, sempre pensei com nostalgia no memorando de Lee. Nada do que vi desde então chegou perto em termos de má construção da relação entre um cliente e seus consultores profissionais.

Até a semana passada - quando um leitor me enviou o calendário de 2010 da Deloitte, que está sobre as mesas de seus auditores e consultores no Reino Unido. A página frontal diz: "Um cliente por dia", frase que é repetida em todas as demais páginas.

O slogan mais familiar, "um (chocolate) Mars por dia ajuda você a trabalhar, descansar e se divertir" é perfeitamente lógico. Pode não ser totalmente verdade, mas pelo menos incita a pessoa a rasgar a embalagem e comer a barra de chocolate de uma só vez. Mas "um cliente por dia" não faz sentido, especialmente num negócio em que as pessoas sempre trabalham com o mesmo cliente durante meses a fio.

Dentro do calendário, o mês de janeiro mostra uma fotografia de uma maçã fresca ao lado das palavras "mantendo um relacionamento saudável". Isso é ainda mais embaraçoso. Será que os auditores geralmente têm relações pouco saudáveis com seus clientes, a menos que de outra forma sejam aconselhados por um calendário? Segundo o Google, uma relação prejudicial à saúde envolve violência doméstica, traição e vício. Eu não tinha ideia de que a vida numa empresa de auditoria poderia ser tão excitante.

A dica do mês de fevereiro é: "É bom falar, mas é ainda melhor ouvir". A fotografia é de um telefone fora do gancho, dando a impressão de que o consultor deu uma fugidinha para tomar o café enquanto o cliente fica esperando sem desconfiar de nada. Perguntei a um amigo com muita experiência na contratação de consultores se ouvir é de fato melhor do que falar. Ele sacudiu a cabeça negativamente. "Estou pagando, portanto gostaria que eles pudessem me dizer alguma coisa que me fosse útil."

Maio traz a fotografia de uma melancia comida pela metade. Uma frase diz: "Algo para você por os dentes". Não gosto de pensar no que está implícito aqui. É uma sugestão de que os funcionários da Deloitte deveriam morder seus clientes?

Na folha do mês de junho, há dois papagaios num poleiro com ares amigáveis. "Um problema para repartir". A imagem aqui é desconcertante, uma vez que os papagaios apenas repetem o que ouvem, sem entender uma palavra sequer.

De uma maneira preocupante, o mês de agosto mostra um canivete, mas outubro é ainda mais infeliz. Sobre a fotografia de uma abóbora estão as palavras: "Dê a eles uma gostosura". É muito importante que os auditores evitem essa história de Halloween, uma vez que nem travessuras nem gostosuras são admissíveis na era pós-Enron.

A folhinha de novembro trás fogos de artifício. "Lembre-se, lembre-se", diz a frase correspondente. Lembrar do quê? Que um bando de traidores tentou explodir o Parlamento britânico há 400 anos? Por quê os auditores precisam se lembrar disso? Não seria melhor eles se lembrarem das IFRS, as normas internacionais de contabilidade?

No geral, o calendário motivacional é por vezes patético, idiota, imprudente e completamente equivocado. Enquanto o esforço do JP Morgan foi totalmente horripilante e um embuste, pelo menos era possível entender o que ele pretendia: era uma tentativa de tornar os banqueiros mais agradáveis para seus clientes. O esforço da Deloitte é mais assustador porque evidentemente envolveu muito planejamento e despesas, e ficará sobre as mesas dos funcionários durante um ano, encorajando-os a ignorar as quatro coisas que importam nas relações com um cliente: experiência, domínio do ofício, diligência e pontualidade.

O que me aflige mais sobre o calendário é que os perpetradores de besteiras continuam repetindo suas ofensas, não importa o rigor com que são repreendidos.

Dois anos e meio atrás, a Deloitte produziu um folheto motivacional para os funcionários intitulado "The Little Blue Book of Strategy" (O Pequeno Livro Azul da Estratégia). Escrevi uma coluna inteira sobre ele, dizendo que assim como o "Pequeno Livro Vermelho" de Mao, ele era um instrumento de lavagem cerebral e tortura (da linguagem).

A Deloitte não gostou: levei uma bronca do diretor global da firma em um café da manhã. Ele expôs seus pontos e eu os meus, mas eu fiquei impressionada com a maneira como ele parecia estar recebendo as críticas. Agora, graças ao calendário, vejo que afinal de contas a Deloitte prefere falar em vez de ouvir.

Se alguém da cúpula da companhia quiser me passar uma segunda bronca num café da manhã, estarei disponível na maioria dos dias da semana que vem, menos terça-feira, quando tenho dentista marcado.