Lucy Kellaway
04/06/2012
Poucos dias atrás, Jeff Immelt enviou uma mensagem para
todos os 300.000 funcionários da General Electric oferecendo algumas dicas para
suas leituras de verão. "Leio entre 50 e 70 livros por ano... divididos
entre história, romances e negócios", escreveu o presidente da GE. Ele
passou a discutir dois títulos antes de terminar com um pedido: "Quero
saber o que vocês estão lendo para que eu possa ficar mais esperto".
A única explicação para essa curiosa efusão do homem mais
importante do "mainstream" corporativo dos Estados Unidos é que ele
está tentando sinalizar à sua força de trabalho que ele não é um chato.
Infelizmente, o texto da mensagem mostra o contrário. Se há
uma coisa que une as pessoas interessantes é que elas não mantêm uma lista do
número de livros que leem para se vangloriar disso.
A tentativa de Immelt de parecer interessante não é só
canhestra, como também está errada. Se você fosse o presidente da GE, não
precisaria parecer interessante. As coisas podem correr com muito mais
tranquilidade se você não é.
Há algum tempo atrás, um estudo de Stephen Kaplan, da
Chicago Booth School of Business, mostrou que os bons presidentes-executivos
(CEOs) tendem a ser tediosos. Eles são teimosos, eficientes, bons nos detalhes
e felizes por trabalharem muito. Na semana passada, o mesmo assunto foi
abordado pelo escritor Joel Stein em um blog para a "Harvard Business
Review", no qual ele afirmou que o ato de ser tedioso é um segredo da
grande liderança.
Apesar do fato de o professor Kaplan e Stein estarem envolvidos
com algo evidentemente grande, muitos leitores da "Harvard Business
Review" responderam ao artigo com hostilidade: eles simplesmente não
conseguiram aceitar a ideia de que os bons leitores são chatos. O principal
ponto, acho eu, é que eles pensam que ser chato significa uma coisa ruim e não
conseguem perceber que pode significar ser algo bom. Na verdade, o que os
chatos precisam é de uma mudança drástica de imagem que os mostrem como
trabalhadores e cidadãos de valores admiráveis. As pessoas tediosas não são
apenas mais bem-sucedidas que as pessoas interessantes, elas podem ser mais
felizes (porque são mais simples) e agradáveis (porque se metem menos em
encrencas).
Os chatos se saem melhor em quase todas as ocupações: nos
negócios, na atividade bancária, consultoria, direito, contabilidade, medicina.
Na verdade, tal é a vantagem que eles têm sobre as pessoas interessantes, que
mesmo em áreas em que há uma demanda voraz por personalidade - como na
política -, os chatos ainda tendem a chegar ao topo. É por isso que não nos
cansamos do prefeito de Londres Boris Johnson: ele é o único homem público que
não nos chateia.
Acho que preciso dizer o que significa chato para mim - e o
que não é. Ser chato não significa ser estúpido. Você pode ser chato e
brilhante. Ser chato é ser limitado. As pessoas chatas são muito interessadas
em uma ou duas coisas, dificilmente se interessam por outras coisas.
Elas também dão muita atenção aos detalhes. Elas são muito
boas no que Jim Collins chama de "lavar o queijo fresco". Elas são
previsíveis- um traço útil e subvalorizado. E os chatos são relativamente
felizes por fazerem coisas chatas, o que também é uma dádiva dos céus, visto
que a maior parte de nossa vida no trabalho envolve fazer coisas cansativas e
pequenas repetidas vezes.
Se alguém precisa de qualquer evidência da bagunça em que
nos envolvemos quando colocamos pessoas interessantes no comando, é só olhar
para o setor editorial. Essa indústria sempre foi espantosamente ineficiente e
está agora de joelhos. Por quê? Porque as pessoas que trabalham com editoração
não são chatas o suficiente. Elas gostam de livros e ideias e são um caso
perdido na administração de qualquer coisa.
Para ajudar nessa recaracterização de marca é preciso alguns
modelos de Notável Chatice. Felizmente, consigo me lembrar de dois bons
exemplos - John D. Rockefeller e Bill Gates - que provam que você pode ser um
chato e mesmo assim mudar o mundo. Rockefeller, até onde se sabe, tinha um lado
chato bem desenvolvido: era devoto da Igreja Batista e um homem de família que,
na casa dos 80 anos, escreveu versos doces e nada sofisticados sobre o fim de
sua vida, com a frase "E Deus foi bom para mim todos os dias". Até
mesmo Bill Gates, apesar de ser muito fascinante e espantosamente versado em
assuntos como desenvolvimento e computação, seria, de outro modo, um
"chato de galochas", incapaz de manter uma conversa fútil e com um
senso de humor atrofiado.
Portanto, o que podem fazer as pessoas que tiveram a grande
infelicidade de nascer interessantes? Elas podem tentar o setor editorial, é
claro, se é que sobrou algum emprego lá. Ou podem dar aulas, escrever, dirigir
filmes ou se tornarem poetas e filósofos. Melhor ainda: elas podem se casar com
outras pessoas chatas bem-sucedidas para bancar suas atividades não-remuneradas
ou, se tudo mais falhar, elas podem se enfiar em algum canto e ler o maior
número possível de livros que puderem.
Disponível em
http://www.valor.com.br/carreira/2689858/os-chatos-se-saem-melhor-em-quase-todas-profissoes?utm_source=newsletter_tarde&utm_medium=04062012&utm_term=os+chatos+se+saem+melhor+em+quase+todas+profissoes&utm_campaign=informativo&NewsNid=2689092.
Acesso em 03 out 2013.