Demetrius Paparounis
06 nov 2013
O dia 21 de fevereiro de 1986 é um marco histórico da
televisão brasileira. Nessa data, absolutamente todos os aparelhos de TV
ligados no país estavam sintonizados no último capítulo da novela global Roque
Santeiro. Isso mesmo: 100% de share!
De lá para cá, a audiência do principal canal de TV do país
vem seguindo um contínuo caminho descendente. Sinal de que a Globo perdeu a
mão? Não creio. Acho que estamos mesmo é nos desenvolvendo.
A perda de share, não só da Globo, mas de outros veículos de
comunicação, reflete um fenômeno pouco conhecido sobre a ascensão social dos
brasileiros: a segmentação da nova classe média. Cada vez mais, os brasileiros
que deixaram a pobreza nas últimas décadas estão se diferenciando uns dos
outros – e essa é uma boa notícia para todo mundo, inclusive quem perde
audiência.
A relação entre melhora de vida e diferenciação é fácil de
entender. Está relacionada com a oportunidade de fazer escolhas, de
experimentar. Os muito pobres não têm essa chance. Não escolhem casa, trabalho,
comida, escola, lazer. Agarram o que aparece.
Educação e renda mudam tudo. A pessoa passa a fazer inúmeras
escolhas na vida. Compra o que antes não podia, vira alvo de propaganda, testa
coisas maravilhosas, cai em promessas falsas, aprende, cria novos valores. Ao
longo desse processo, cada pessoa acaba trilhando seu próprio caminho, vai se
distinguindo das outras. Agradar a todas com um mesmo produto torna-se
impossível.
Isso aconteceu no segmento de revistas populares. No fim dos
anos 90, a Editora Abril lançou a primeira revista voltada exclusivamente para
a classe C. Em pouco tempo, a publicação, vendida apenas em bancas, atingiu 500
mil exemplares de circulação semanal. Com o passar do tempo, porém, as vendas
começaram a cair. As pesquisas mostraram que o público tinha mudado. As
mulheres haviam se dividido em cinco segmentos muito distintos uns dos outros.
Não dava mais para atender a todas com o mesmo conteúdo.
Na TV, é assim também. Na última década, o Fantástico!, por
exemplo, perdeu praticamente metade da audiência. É que hoje parte do seu antigo
público se identifica mais com o humor escrachado do Pânico, com o tom mais
sensacionalista do Domingo Espetacular ou com programas da TV a cabo. Sem
contar a parcela que pode escolher terminar a noite de domingo navegando na
internet ou jantando com a família no Habib´s.
A segmentação da classe C teve impacto até no campo da
religião, principalmente entre as igrejas evangélicas: a Universal do bispo
Edir Macedo, por exemplo, passou a dar mais ênfase ao tema da prosperidade, de
maior apelo à nova classe média. Deixou de lado os milagres, abrindo espaço
para o crescimento da Igreja Mundial do bispo Valdomiro Santiago, focada nesse
tema.
Deixando a religião de lado e voltando à mídia, o lado bom
desse movimento de segmentação é que o público com poder de escolha consome
muito mais do que a massa excluída. Portanto, desperta muito mais o interesse
dos anunciantes. Nas revistas populares, a publicidade cresceu quatro vezes em
uma década. Na TV aberta, aconteceu o mesmo. Em 2003, o investimento
publicitário no meio somou R$ 6,4 bilhões. No ano passado, ultrapassou R$ 30
bilhões! E, como se sabe, a maioria do dinheiro foi para a Globo. Atribuir todo
esse resultado à BV é subestimar a inteligência dos anunciantes.
A verdade é que redistribuição de audiência é um importante
sintoma do desenvolvimento social.
Estamos virando gente grande.
Disponível em
http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/ponto_de_vista/2013/11/06/O-lado-bom-de-perder-audiencia.html?utm_campaign=audiencia_perder&utm_source=facebook&utm_medium=facebook.
Acesso em 17 nov 2013.
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