Luisa Medeiros
15/10/2013
Até o início dos anos 2000, os programas de fidelidade
disponíveis no Brasil eram exclusividade das classes A e B. Com o crescimento
da nova classe média e seu consumo experimental de novas categorias de
produtos, as marcas criaram versões de bonificação com foco neste público.
Clubes de vantagens como Multiplus e Netpoints já consideram esta camada na
hora de elaborar suas estratégias. Eles deixaram de ser exclusividade de
grandes marcas: lanchonetes, pet shops, lavanderias, salões de beleza e motéis
criam suas próprias versões, oferecendo descontos no mês do aniversário ou um
serviço grátis após determinada quantidade de contratações. Mas mesmo com
tantas opções, a classe C ainda não se sente confortável, não identificando
benefícios imediatos nestes programas.
Os clubes de fidelidade se popularizaram com as milhas das
companhias aéreas, mas atualmente é possível acumular pontos no cartão de
crédito, nas compras do supermercado e abastecendo o carro. Os bônus podem ser
trocados por quase todo tipo de serviços e produtos, desde os mais caros como
eletrodomésticos, eletrônicos, hospedagem e férias completas, até artigos
triviais como sanduíches, revistas, recargas de celular e beleza. São os itens
mais simples, e que consequentemente exigem menor pontuação, os campeões de
troca. Em 2012, 100 mil milk shakes do Bob's foram pagos com pontos do programa
Dotz, de acordo com dados da empresa.
Indo além do foco nas vendas, a estratégia das marcas
pretende incentivar o retorno e fidelizar estes consumidores que movimentam
mais de R$ 880 bilhões por ano, o dobro da classe B. Apesar do já conhecido
alto poder de consumo, mais de 46% dos indivíduos das camadas populares dizem
não ter marcas preferidas, de acordo com uma pesquisa do Data Popular. Contudo,
ainda existem barreiras para que as empresas atinjam este segmento. “O
principal motivo para este consumidor ter resistência aos programas é o fato de
não ver vantagem prática. Além disso, ainda associam aos antigos programas das
companhias telefônicas que prendiam o cliente em contratos e cobravam multas”,
comenta André Fernandes, Diretor Financeiro da NetPoints, em entrevista ao
Mundo do Marketing.
Perfil deste consumidor força mudança nos clubes de vantagens
Atualmente, a grande dificuldade desses consumidores é
atingir pontuações que possibilitem a troca por prêmios antes de o prazo para
uso expirar ou conquistarem itens que sejam considerados como uma compensação
justa pelo dinheiro investido. Em 2011, um cliente do Banco do Brasil levava 36
meses consumindo R$ 500,00 mensais no cartão de crédito para trocar pontos por
uma passagem aérea, de acordo com dados da empresa. Para a classe C, não faz
sentido esperar tanto tempo por um benefício. “A satisfação deve ser mais
imediata, porque essas pessoas acabaram de entrar no paraíso do consumo e
querem desfrutar” analisa Eliana Vicente, Antropóloga e especialista em consumo
popular da Consumoteca, em entrevista ao Mundo do Marketing.
O encanto dos prêmios oferecidos cai quando o consumidor não
enxerga valor agregado. Longas esperas para fazer um resgate também desagradam.
“Entre esperar três anos usando o cartão para trocar por uma sanduicheira de R$
20,00 ou comprar direto na loja: o que você acha que o consumidor vai preferir?
O cartão de uma sorveteria que dá um sorvete grátis na sexta compra é uma
mecânica mais eficiente por permitir visualizar a economia”, questiona Eliana
Vicente.
Os programas de benefícios ganham relevância para este
público quando se tornam sinônimos de economia. A rede de supermercados Vila
Real Vale do Paraíba se associou à NetPoints e realiza a troca instantânea por
itens como vinhos e bombons. A Marisa oferece o programa de fidelidade Amiga,
que dá créditos em roupas, enquanto a Equus Jeanstyle permite o acúmulo de
pontos nas compras pagas nas máquinas Cielo. Já na Mercatto, onde 90% da base
de clientes cadastradas no programa de fidelidade pertencem à classe C, o
principal benefício oferecido pela loja é o desconto de 10% em todas as compras
realizadas no mês do seu aniversário. “A possibilidade das clientes se
cadastrarem e na hora já saírem com o cartão atrai muito. O campeão mesmo na
preferência é o desconto de aniversário, porque significa comprar mais por
menos”, avalia Illa Cristina, Diretora de Marketing da Mercatto, em entrevista
ao Mundo do Marketing.
Rumo à classe C
As mecânicas dos clubes de vantagens operadas no Brasil vão
na contra-mão da origem destes programas que surgiram nas classes populares dos
Estados Unidos. Um dos primeiros modelos a ganhar destaque foi o dos cigarros
Raleigh, que distribuía selos verdes que davam direito a produtos após uma
certa quantidade acumulada. O formato se expandiu para os supermercados que
distribuíam livros para os clientes colarem os adesivos adquiridos a cada
compra, para posterior troca por mercadorias.
A relação básica entre os primeiros programas e os atuais é
a noção de que quanto mais o cliente compra, mais vantagens a empresa lhe
oferece. É cada vez mais comum no mercado a presença de programas de coalizão
de vantagens, como o Multiplus, que também permite o acumulo e a troca de
pontos em empresas parceiras, como a loja online do Ponto Frio, a rede de farmácias
Raia e os Postos Ipiranga. Seguindo esta tendência, o Smiles comprou
recentemente 25% de participação na NetPoints.
A aquisição reforça o interesse da companhia aérea em ganhar
relevância com a nova classe média, que representa 50% dos cadastros da
NetPoints, cerca de 1.8 milhão de consumidores. “Com a compra, pretendemos
viabilizar até mesmo o aspiracional das viagens aéreas para consumidores desta
camada a partir das compras cotidianas em farmácias, supermercados e postos de
gasolina. É uma transição do movimento de clubes de vantagens focados em
passagens aéreas, para um modelo shopper, que tangibiliza o relacionamento”,
analisa o Diretor Financeiro da NetPoints.
Homogeneização distancia consumidores
A homogeneização dos prêmios oferecidos é outra
característica que distância o público dos programas. Segmentar é o caminho
para se relacionar de forma continua com este novo consumidor. “A seleção e
diferenciação dos produtos para agradar a todos os públicos é mandatória para o
sucesso de qualquer programa. A empresa precisa olhar para o cliente e tratá-lo
como especial. Nossa meta é ter fornecedores exclusivos de cada categoria até o
primeiro trimestre do ano que vem para que as pessoas reconheçam o valor
agregado”, diz André Fernandes, Diretor Financeiro da Netpoints.
E como o perfil imediatista lidera entre os consumidores da
nova classe média, saem na frente as empresas que permitem trocas rápidas e que
interfiram diretamente no orçamento mensal. “Existem clientes que acumulam em
um mês para trocar no seguinte. Enquanto outros mudam os hábitos de compra
preferindo lojas parceiras para aumentar seu potencial de consumo. A partir
daí, eles trocam por itens como ingressos de cinema e recarga de celular que já
saem do orçamento”, complementa André Fernandes.
As empresas também precisam estar atentas às peculiaridades
relacionadas à faixa etária, sexo e localidade para atingir a parcela do
público pretendido. “Não é só porque é classe C que o consumidor vai engolir
qualquer coisa. Não adianta oferecer uma bússola que ficaria bem em um
escritório de um executivo ou uma hospedagem que demanda tempo e reserva
financeira, pois não é uma mecânica eficiente. O importante é observar o que
está no dia a dia dessa pessoa”, diz Eliana Vicente, em entrevista ao portal.
Disponível em
http://www.mundodomarketing.com.br/reportagens/relacionamento/28941/programas-de-fidelidade-para-a-classe-c--o-que-os-aproximam-e-afastam-.html.
Acesso em 15 out 2013.