Sthefan Berwanger
24 de outubro de 2006, 16:46
Todo ano é a mesma coisa: grande parte dos alunos
matriculados em cursos superiores de tecnologia ou no bacharelado apresenta
problemas na interpretação de textos.
A situação é terrível e desanimadora: em um simples texto de
três linhas não se consegue identificar o que é dado e o que está sendo pedido.
Logo que comecei a lecionar não acreditava no que estava
acontecendo. Afinal, a palavra estava lá escrita, clara e imutável, e as
orações continham todos os elementos essenciais na ordem correta: sujeitos,
verbos e predicados.
Em princípio pensei em duas hipóteses: ou era implicância
dos alunos com a minha pessoa, ou os textos apresentados eram herméticos
demais, sobretudo para turmas de primeiro ano.
O universo de alunos a que me refiro é composto em grande
parte por jovens recém saídos do ensino médio, com idade entre 17 e 21 anos, e
por uma parcela um pouco menor que tem entre 22 e 29 anos. Não é raro turmas
com alunos já na faixa dos 30 ou 40 anos — e neste pequeno grupo o desempenho
interpretativo é um pouco melhor, mas ainda assim segue abaixo do esperado.
Tem que entender o texto
O estudante que obtém diploma em um curso superior de
tecnologia precisa, entre outras habilidades e competências, saber criar
soluções adequadas aos inúmeros problemas inerentes à sua atividade
profissional.
Para que esse processo ocorra satisfatoriamente, ele precisa
primeiro entender o problema que quase sempre vem documentado na forma escrita.
Precisa extrair as informações de que necessita e refletir sobre os caminhos
que o levarão à solução.
A ditadura
Como docente, nunca havia questionado a origem desta
dificuldade, até o dia em que li a entrevista do psicólogo Carlos Perktold (1)
que trata justamente da dificuldade da geração pós 1964 em entender o que lê.
Segundo o artigo, este fenômeno não ocorre exclusivamente na população com
baixa escolaridade, não é catalogável como doença e nem é uma característica de
pessoas com déficit intelectual; é sim um fenômeno intelectual de toda uma
geração.
O argumento principal dado na entrevista é que após o golpe
militar de 1964 houve uma castração cultural e política da geração nascida após
esse período, capaz de causar um desestímulo ao hábito da leitura e por
conseqüência prejudicar a capacidade crítica.
Disciplinas como Filosofia e Sociologia foram retiradas do
currículo do antigo ensino clássico, atual ensino médio, porque o regime não
estaria interessado na formação de pessoas capazes de analisar idéias, refletir
sobre os conceitos sociais e atuar politicamente.
A televisão
Foi também a partir desse período, com o barateamento dos
aparelhos, que a televisão ampliou sua participação dentro da população
brasileira. O processo de expansão, que resultou na televisão como meio de
comunicação de massa, se estendeu pelas décadas seguintes, com as transmissões
via satélite, a melhoria da qualidade técnica e de conteúdo e a maior variedade
de programas.
Desta forma, os recursos audiovisuais tomaram o lugar do
texto escrito e surge então uma geração que entende o que ouve, mas não o que
lê. Pode-se argumentar que o rádio também poderia ter o mesmo efeito que a
televisão, mas segundo Perktold, o rádio pelo fato de não carregar a imagem,
estimula o ouvinte a imaginar, fantasiar e pensar.
O que o docente pode fazer?
Então como contornar o problema? Infelizmente não é possível
reverter o cenário em apenas um semestre, sobretudo pelo esforço de apenas um
professor. É preciso lembrar que os educandos se submeteram, ano após ano, à
mesma rotina de exposição exagerada à televisão e ausência de (boa) leitura e
cultura em geral. Tentar obrigá-los a engolir textos e mais textos e a formar
uma opinião crítica pode ser uma violência, com todas as suas consequências.
O que costumo fazer é explicar o mesmo exercício várias
vezes, sob vários ângulos, fazer comparações e criar metáforas e analogias que
tenham a ver com o universo concreto deles.
Muitas vezes dou sugestões de leitura online e off-line,
indico bibliotecas públicas e também estimulo visitas a eventos culturais
gratuitos, pois uma grande parte dos alunos é financeiramente carente e depende
de bolsa de estudos.
Outra solução adotada é criar pequenos enunciados
matemáticos com o objetivo específico de treiná-los na identificação do que é
dado, e do que é pedido.
Algo bem simples, como por exemplo:
Dada a equação z = x + y. Sabendo que x vale 4 e y vale 7,
quanto vale z?
A internet
Falando um pouco do presente, com vistas ao futuro, está em
curso uma mudança importante: o surgimento da mídia digital que gradativamente
vem tomando o espaço da televisão.
A sua principal característica é a descentralização da
audiência e a produção de mídia para públicos específicos. Com essa mudança de
modelo em curso, seria interessante observar como a geração nascida durante a
revolução tecnológica irá aprender e se comportar criticamente nesse meio, que
oferece um número gigantesco de opções a respeito do que se quer ver, ler ou
ouvir.
Referência bibliográfica
(1) PERKTOLD, C. Assisto, logo existo. Revista Carta
Capital, 7jul. 2004, n. 298, p.28-29.
Disponível em
http://webinsider.com.br/2006/10/24/alunos-que-nao-entendem-o-enunciado/.
Acesso em 10 set 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário