Estadão
25 de março de 2014
Antigos alvos de resistência, as graduações a distância no
Brasil vêm conquistando a confiança do mercado. Já comum nas licenciaturas, o
ensino superior fora das salas de aula também ganha espaço em áreas mais
técnicas, como as de saúde, gestão e engenharias. Segundo especialistas, o
perfil do candidato e o nome da instituição pesam mais para uma vaga de emprego
do que a modalidade do curso.
Com público heterogêneo, a educação a distância (EAD) reúne
alunos com características em comum: agenda apertada e interesse de progredir
na carreira. Hoje no País existem mais de 5,7 milhões de matriculados na
modalidade.
O trabalho, o casamento e o filho de 7 anos foram os motivos
para que a assistente administrativa Eliete Martins, de 34 anos, procurasse um
curso EAD. "Tive receio, mas eu precisava de flexibilidade nos horários.
Depois de pesquisar em consultorias de recursos humanos e conversar com minha
família, resolvi fazer Administração a distância", conta.
Eliete, que está no quinto semestre do curso na Universidade
Cidade de São Paulo (Unicid), diz que teve receio no início, mas hoje acredita
que a graduação não deve em nada para as presenciais. "Comparo com algumas
amigas que também fazem Administração e vejo que não muda muito", diz ela,
que estuda, em média, cinco horas semanais. A Unicid, que oferece 25 graduações
EAD, tem 20 mil alunos a distância, 5 mil estudantes a mais que nos cursos tradicionais.
Concorrência. De acordo com a diretora da Resch RH
Consultoria, Jacqueline Resch, é pouco comum que os recrutadores perguntem se o
curso é presencial ou a distância durante uma entrevista de emprego e os
diplomas não especificam a modalidade da graduação. "Ainda existe um pouco
de preconceito no mercado. Mas, na era digital, é um contrassenso discriminar
alguém que conseguiu seus conhecimentos por meio da tecnologia", defende.
Em processos seletivos, segundo consultores, os egressos de
cursos a distância podem até levar vantagem sobre outros candidatos. "O
estudante deve ter bem mais autonomia e disciplina para fazer uma graduação não
presencial", diz o presidente da Associação Brasileira de Ensino a
Distância, Fredric Litto. "Algumas empresas preferem profissionais com
esse perfil mais independente e questionador", garante ele, que defende
maior expansão dos cursos a distância além daqueles voltados a formar
professores.
Ricardo Yasuda, de 38 anos, titulado em Engenharia Ambiental
a distância pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar), afirma que o
curso EAD exigiu mais empenho que sua primeira graduação, em Engenharia
Química. "Sinto que estudei mais na segunda. Como o aluno organiza o
próprio horário, é preciso ser mais dedicado e concentrado", conta ele.
Yasuda, que trabalha em uma fábrica de produção de papel,
integra outro grupo comum no universo EAD: alunos mais velhos, que já têm um
curso superior e buscam aperfeiçoar a formação. Segundo ele, a chancela da
instituição federal para o curso aliviou suas dúvidas quanto ao EAD. "Isso
é o que conta mais." Apenas no Estado de São Paulo são oferecidos 17
cursos de Engenharia a distância. No País, já são 192 graduações na área
credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC).
Caminho difícil. Segundo a gerente da Cia. de Talentos
Fernanda Montero, a desvantagem de quem faz curso a distância é a falta de
convívio com os colegas para trocar experiências e formar uma rede de contatos
profissionais. "O aluno deve buscar uma forma de compensar esse ponto participando,
por exemplo, de grupos de estudo presenciais ou feiras universitárias",
recomenda.
Para o presidente da Associação Brasileira de Estudantes de
Educação a Distância, Ricardo Holz, a desconfiança de cursos a distância é mais
alta em áreas tradicionais, como a jurídica e a de saúde. "Também há
resistência maior no setor público que no privado. Recebemos muitas reclamações
por causa de órgãos e prefeituras que recusam candidatos EAD aprovados em
concurso", relata Holz.
Outros opositores aos cursos a distância são os conselhos de
classe, que fazem frequentes apelos ao MEC para evitar a expansão ou enrijecer
a fiscalização sobre as graduações EAD. Um exemplo é o Conselho Federal de
Enfermagem (Cofen). Como as graduações na área são mais recentes, a entidade
ainda não recebeu pedidos de registro profissional de um graduado a distância,
o que deve ocorrer até o fim deste ano com a formatura das primeiras turmas.
Por lei, os conselhos são obrigados a registrar quem fez um curso reconhecido
pelo MEC.
"Entre o enfermeiro e o paciente não há intermediários.
Temos preocupações sobre erros desses profissionais, que provavelmente não
terão a mesma qualidade na formação", afirma Doris Daia, conselheira do
Cofen. "Outra questão é que o número de profissionais no mercado já
extrapola a demanda. Não são necessárias formações EAD", argumenta. Na
modalidade, o conselho é favorável somente a pós e especializações.
Thais Sousa, diretora de desenvolvimento de EAD da
Universidade Anhanguera, não concorda com perda de qualidade nos cursos a
distância da instituição, que não são 100% virtuais. Segundo ela, é oferecida
toda a estrutura para atividades de laboratório e aprendizagem de
procedimentos, como coleta de amostras e injeções, no caso da Enfermagem.
"Não é fácil como pensam. Temos aulas práticas duas
vezes por semana", exemplifica. Para especialistas, softwares que simulam
condições reais também devem ajudar nos treinamentos a distância na saúde.
"Com os cursos online, esperamos atingir o público que está mais
longe", prevê. Além do grupo Anhanguera, que passou a oferecer Enfermagem
a distância em 2014, apenas outras quatro instituições no País – três
particulares e uma pública – têm o curso EAD.
Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/vida,educacao-a-distancia-conquista-confianca-de-alunos-e-empregadores,1144568,0.htm.
Acesso em 31 mar 2014.
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