Lucas Rossi
30/12/2013
O americano Daniel Goleman, psicólogo e Ph.D. da
Universidade Harvard, tornou-se célebre ao publicar o livro Inteligência
Emocional, em 1995, que já vendeu mais de 5 milhões de cópias no mundo —
400 000 só no Brasil. Sua obra mais recente, Foco, lançada quase 20 anos
depois, chegará às livrarias em janeiro.
Nela, Goleman defende que — num momento em que a tecnologia
e o excesso de informação geram distrações a cada minuto — criou-se uma geração
sem foco, com dificuldade de desenvolver a capacidade de concentração. Mas,
para ele, a atenção é como um músculo que pode ser treinado. E quem consegue
chegar lá tem ideias melhores e mais criativas.
É o que fazia Bill Gates quando presidia a Microsoft, nos
anos 90. Em períodos que chamava de “think weeks” (numa tradução livre,
“semanas para pensar”), ele passava uma quinzena numa casa no campo para pensar
sem interrupções.
Jack Welch, o lendário presidente mundial da multinacional
americana General Electric, reservava uma hora por dia para simplesmente olhar
pela janela. Em entrevista a EXAME, o autor fala mais sobre seu mais recente
trabalho.
EXAME - O senhor defende que as pessoas nunca estiveram tão
desfocadas. Quais são as consequências?
Daniel Goleman - Estamos sem tempo para refletir. Sem essa
pausa não conseguimos digerir o que está acontecendo ao redor. Os circuitos
cerebrais usados pela concentração são os mesmos que geram a ansiedade. Quando
aumenta o fluxo de distrações, a ansiedade tende a aumentar na mesma proporção.
Precisamos ter um momento, no trabalho e na vida, para parar
e pensar. Sem concentração, perdemos o controle de nossos pensamentos. Mas o
oposto, quando estamos muito atentos, também é um problema. Nos tornamos
vítimas de uma visão restrita e da mente estreita. É preciso dar equilíbrio a
isso.
EXAME - Como escapar dessa armadilha?
Daniel Goleman - Dormir bem ajuda na concentração. Mas o
melhor exercício é criar um período em que as interrupções sejam proibidas.
Isso significa não ter reuniões, receber ligações, ver e-mails ou ter contato
com qualquer outra fonte de distração. Isso pode ser feito antes do trabalho ou
durante o expediente, em uma sala de reuniões por pelo menos 10 minutos.
Os chefes precisam entender que, para ter bons resultados,
suas equipes devem ter tempo para se concentrar. E isso significa dar a
oportunidade a elas de ter momentos sem interrupções.
No Google, por exemplo, os funcionários têm sido
incentivados a parar por alguns minutos durante o dia e prestar atenção na
própria respiração. Isso faz com que o circuito do cérebro responsável pela
concentração seja ativado.
EXAME - Segundo seus estudos, existem três tipos de foco: o
interno, o externo e o empático (voltado para o outro). O interno é a
habilidade de se concentrar, apesar do que há ao redor. O externo é a
capacidade de análise do ambiente. E o empático é a competência de prestar
atenção em alguém. Por que é importante classificá-los dessa maneira?
Daniel Goleman - Para saber quando e como usar cada um na
situação certa. O foco interno, por exemplo, é a chave para o profissional se
motivar, ter metas, se controlar. Todos os profissionais precisam disso. O foco
externo ajuda na leitura dos sistemas de maneira ampla.
É com ele que conhecemos quem são os competidores, como está
o mercado, a economia e quais são as mudanças tecnológicas. Sem isso, ninguém
consegue ter um bom resultado. A empatia é importante para quem quiser ser um
bom líder. Ela é a forma como entendemos e falamos com as pessoas.
Só com ela um profissional saberá como motivar quem está ao
redor. Não importa quais são as metas, todo mundo precisa de pessoas para
alcançá-las. Ou seja, todas são importantes.
EXAME - Em seu livro, o senhor cita Steve Jobs, fundador da
Apple, como alguém com alto poder de foco. Ele praticava meditação, considerada
um bom exercício de concentração. Como a prática pode ser útil?
Daniel Goleman - Ao meditar, Jobs entrava no estado de
consciência aberta. Experimentos sugerem que estar nesse estado, que é dar
atenção a tudo o que está passando na mente, é a fonte dos pensamentos mais
criativos.
É ir além de reunir informações e ter uma atenção seletiva,
num processo que usamos para resolver um problema particular. É liberar o
cérebro para fazer as associações acidentais que levam a novas percepções.
Artistas e inventores costumam praticar devaneios produtivos.
EXAME - Como não ceder à tentação de ficar conectado o tempo
todo?
Daniel Goleman - Entendendo que exercitar o foco é
importante. Realizar uma tarefa e, só depois, ver as notícias ou responder a um
e-mail. A melhor forma de fazer isso é dando recompensas. Você só pode acessar
um site que deseja depois de terminar determinada atividade que planejou.
EXAME - No livro, o senhor diz que profissionais que atuam
em áreas de que gostam têm mais poder de foco. Por que isso acontece?
Daniel Goleman - Muita gente procrastina porque os desafios
são baixos. O que precisamos fazer é buscar tarefas mais difíceis. Isso aumenta
o poder de foco. E costumamos perseguir espontaneamente isso com mais
frequência quando gostamos do que fazemos.
EXAME - Além de Steve Jobs, quais outros profissionais têm
alta capacidade de estar focados?
Daniel Goleman - O guru de negócios Jim Collins costuma
apontar alguns presidentes capazes de criar empresas que duram. Acho que eles
são bons exemplos de pessoas com foco. Conseguem ter um autocontrole exemplar,
motivam suas corporações e são hábeis em entender os sistemas das empresas.
Além de serem exímios negociadores. O presidente da
multinacional coreana -Samsung, Oh-Hyun Kwon, tem mostrado ser um executivo
bastante focado. Apesar da alta concorrência, conseguiu concentrar a estratégia
da empresa em ter um produto altamente competitivo.
Mark Zuckerberg, criador do Facebook, entende muito sobre os
usuários de sua rede. O foco externo dele é admirável. Alguns políticos são
bons exemplos de pessoas que são focadas nos outros. Eles costumam ter empatia.
Disponível em
http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1056/noticias/nao-temos-tempo-para-refletir?page=1.
Acesso em 30 jan 2014.